Que seja eterno enquanto dure

O urso é um amante fiel. De acordo com o que foi publicado na revista Super Interessante (edição especial bichos), nesse quesito, são machos exemplares. Em toda a família de ursídeos, os machos têm o que para nós humanos seria considerada a virtude da eterna fidelidade. São capazes de perseguir, com a ajuda do faro, a fêmea com que se acasalaram em anos anteriores.

Para conferir até onde ia, literalmente, o romantismo da fera, pesquisadores espanhóis colocaram uma coleira dotada de emissores de ondas no pescoço de um urso-pardo, para acompanhar seus passos. Constataram que o bicho passou a perseguir a fêmea por quem se sentiu atraído. Esta, por charme ou impulso da natureza feminina, correu mais de 100 quilômetros até se deixar alcançar. Ou seja, o urso apaixonado venceu pelo cansaço.

Pouco importa. O amor para toda a vida de um urso por uma ursa se baseia em coisas simples, diretas. Não tem qualquer influencia cultural ou política. As regras são ditadas por sensações. Coisa que todo mundo já sentiu ou vai sentir um dia na vida. É o que se chama de instinto ou química, aquilo que independe da razão.

A fidelidade conjugal, entretanto, só atinge um lado da natureza desta espécie. São as fêmeas que aderem a um esquema liberal, do tipo “que seja eterno enquanto dure”. Na pesquisa feita pelos espanhóis, existia um triângulo amoroso. Dois ursos disputavam uma só ursa.

Um deles foi derrotado durante o pastelão que é uma briga de ursos machos – trocam urros, empurrões e tapas sem muita convicção e perde o que ficar cansado mais rápido – mas ficou por ali, na encolha, só esperando. Já sabendo que as ursas não são mulheres de um homem só, sem a menor ansiedade, o urso derrotado hoje pode ser o felizardo de amanhã. Portanto, aguarda sem fazer muito alarde.

As ursas ainda ajudam a lembrar que as fêmeas dos mamíferos são em geral menores e mais fracas que os machos, mas detêm sobre eles um poder avassalador. Qualquer semelhança é mera coincidência.

A leveza com que as ursas encaram o amor não tem nada a ver com deficiência de caráter, como imaginariam os homens. É pura estratégia reprodutiva. O objetivo delas é encontrar o melhor DNA de urso possível para seu filhote. A natureza delas é perfeita.
Nós é que ao longo da nossa evolução (ou involução) acabamos perdendo a dimensão de poder que o controle da reprodução nos dá.

Acho que a fêmea perdeu seus poderes quando achou que para conquistá-los precisava bancar o macho. Terminamos desequilibrando todo nosso sistema reprodutivo primário e complicando o simples. Encarando relação afetiva entre homem e mulher + reprodução de bebês como um pacote cheio de regras assustadoras que vêm sendo cada vez mais desrespeitadas.

A ursa paga o preço de sua liberdade sexual na hora em que nascem seus filhotes, depois de sete meses de gestação. São um ou dois ursinhos, em geral com cerca de 400 gramas de peso. Ficam dois anos atazanando a mãe, aprendendo com ela a conseguir comida e a se defender dos inimigos. O treinamento inclui várias técnicas de caça e pesca. Enquanto isso, os ursos tomam conta do quintal, ficam de olho nos predadores e passam a maior parte do tempo assistindo a jogos de futebol e tomando chope com os amigos. Ou com os turistas que frequentam as Florestas da América do Norte. Um urso preto, no ano passado, invadiu um camping e nos isopores, ao invés de alimento, só encontrou latas de cerveja. Espremeu o conteúdo de 36 delas goela abaixo. Foi hibernar mais cedo.