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Espelho, espelho meu

Cientistas provam o que os humanos há muito sabiam. Ainda somos muito semelhantes aos macacos. Em certos aspectos, eles são até mais evoluídos do que nós.

13 de setembro de 2005 · 20 anos atrás

Homem e chimpanzé compartilham 96% dos genes. O estudo inédito, publicado nas revistas “Nature” e “Science”, comprova que as duas espécies têm comportamentos e características semelhantes. A ciência, assim, constata algo que parecia óbvio a maioria dos mortais.

Observar o comportamento de um chimpanzé ou de qualquer espécie de primata que nos traga a sensação de semelhança, na maioria das vezes, causa certo constrangimento. É como olhar para um espelho retroativo e perceber que quase nada mudou. Temos menos pelos, usamos maquiagem e perfume, andamos de salto alto e tentamos, de inúmeras formas, manter quieto e “civilizado” o chimpanzé que existe dentro de cada um de nós.

Ninguém se sente à vontade, por exemplo, ao ver um chimpanzé se masturbando numa jaula de zoológico. Não pelo ato em si, mas pela semelhança. É estranho admitir que apesar de requintar o ato, o homo sapiens faz a mesmíssima coisa. Só que entre quatro paredes.

A semelhança entre o homem e o macaco sempre me despertou interesse. Às vezes, ele vem misturado com certa repulsa. Provavelmente, nos identifico neles. Não raro, me pego observando as pessoas em festas e jantares e imaginando-as nuas. Não, isso não é perversão! Quando digo nuas, me refiro ao homem in natura. Sem roupas, carros, jóias, cultura e milhares de outras coisas que usa para cobrir-se e exibir-se. Seríamos como os chimpazés? Ou já somos como os chimpanzés? Na política pelo menos, não evoluímos.

O homo sapiens, assim como os primatas, luta pelo poder. E nesta luta, o comportamento é arma. Quanto mais “civilizado”, mais poder têm os representantes desta classe de esclarecidos. Dentre os chimpanzés, por exemplo, na busca de uma posição social que lhes garanta maior acesso às fêmeas, os machos estabelecem alianças com os outros membros do grupo. E, o macho alfa, aquele que assume a posição dominante, não é necessariamente o mais forte. Ele é escolhido pela capacidade de formar alianças mais poderosas.

Um bando de chimpanzés geralmente conta com três indivíduos dominantes: os machos alfa, beta e gama. Estes três indivíduos decidem como se dá a divisão do alimento, que espaço físico deverá ser ocupado e tendem a monopolizar os favores sexuais das fêmeas. O macho alfa tende a hostilizar o macho beta (seu concorrente direto), formando coalizões com o macho gama. As similaridades entre as práticas dos chimpanzés e dos humanos são inúmeras, mas nada se assemelha ao que acontece nas “eleições da selva”.

Quando o macho alfa perde a posição e o seu “cargo” fica vago, geralmente acontece uma disputa pelo poder entre os machos beta e gama. Neste processo, estes machos beligerantes chegam a subir nas árvores com os frutos mais apreciados e jogam as frutas para os companheiros no chão. Uma vez eleito, o macho alfa jamais repete tal gentileza. Impossível deixar de reconhecer a similaridade com nossas próprias práticas.

O conhecimento, por exemplo, aquele que se troca em conversas quase sempre chatas, é uma das formas que o homem encontrou de se diferenciar do resto das espécies e de se impor diante de seus semelhantes. Quanto mais conhecimento, mais distante o homem se sente de um bicho. Driblando seus instintos mais primitivos, o homem parece estar sempre lutando para se distanciar de suas origens. Este distanciamento normalmente é chamado de evolução.

De acordo com o zoólogo Desmond Morris, autor do livro “O Macaco Nu”, o homo sapiens não deixou de ser macaco. Embora tenha adquirido motivações muito requintadas e se orgulhe de possuir o maior cérebro dentre todos os primatas, não perdeu nenhum dos seus mais primitivos instintos. O homem, em suma, é um macaco travestido e censurado.

Além da semelhança física com os humanos, o que mais impressiona nos chimpanzés é a complexidade da organização social. Eles vivem em grupos num sistema de fusão-fissão, isto é, bandos que se reúnem em grupos e depois se afastam.

Os chimpanzés não são exclusivamente vegetarianos. Ao contrário, têm paixão pela carne e são exímios caçadores. A caça é uma ação orquestrada por um grupo de machos que encurrala pequenos macacos e pássaros nos galhos das árvores.

As vítimas são devoradas com osso e tudo, às vezes ainda com vida, divididas em pedaços repartidos entre os caçadores, as fêmeas e os filhotes em ordem hierárquica.

O ritual de divisão da caça é justo. Quando um macho monopoliza a presa e não a divide com os outros, o grupo tende a mantê-lo fora das caçadas futuras. Neste caso, os chimpanzés se mostram mais evoluídos que nós, os primatas esclarecidos. Em geral, admiramos o egoísmo alheio, principalmente se ele conduzir ao sucesso.

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