As plantas não foram criadas para o homem – mas os jardins o foram. A relação entre paisagismo e natureza, portanto, nunca será simples.
Esta relação aparece na segunda edição de Roberto Burle Marx: Arte & Paisagem, uma coleção de conferências do grande paisagista, organizada e comentada por José Tabacow, que acabou de ser lançada. Esta segunda edição traz como novidade o uso de ilustrações como apoio para os textos – exatamente como fazia Burle Marx – e os comentários de Tabacow.
O contato de Burle Marx com a flora nacional, por incrível que pareça, se aprofundou longe das terras brasileiras, na Berlim dos anos 20. Estudante de canto lírico, ele gostava de freqüentar as estufas do jardim botânico de Dahlem, onde descobriu plantas levadas daqui – e que não eram empregadas nos jardins brasileiros. Quando passou a se dedicar à pintura e ao paisagismo, ainda nos anos 30, começou a empregar, de maneira sistemática, a vegetação nativa, buscando organizar seus jardins sob princípios fitogeográficos: em outras palavras, introduzindo associações de plantas presentes no ambiente natural em seus jardins. Em 1935 cria em Recife o Jardim da Casa Forte, composto predominantemente de espécies de origem amazônica.
Burle Marx desenvolveu um vocabulário próprio, utilizando plantas nativas, descobertas em expedições pioneiras, assim como as exóticas, muitas das quais ele introduziu na paisagem brasileira. A preocupação naturalística é visível em muitas de suas obras, onde procurava “transpor, sem copiar” as comunidades de plantas identificadas nas expedições de coleta.
Outra inovação importante foi a introdução de elementos modernistas nos jardins formais, abandonando as simetrias cartesianas típicas dos jardins franceses. O resultado disso tudo foi uma revolução no paisagismo. Mas Burle Marx jamais procurou copiar de maneira simplória a natureza. O artista buscava seu material de trabalho e parte de sua inspiração na paisagem natural, na variedade de domínios paisagísticos existentes no território brasileiro. Insistia, no entanto, que o paisagismo é arte, criação humana para apreciação humana. Assim, usava espécies exóticas em seus jardins sempre que achava necessário, e foi o introdutor e colecionador de diversas delas no Brasil.
Através das palestras recolhidas no livro pode-se ter uma idéia da paixão de Burle Marx pelas plantas e paisagens brasileiras, e seu desespero ao vê-las sendo destruídas. Já em 1967 ele lamenta, ao mesmo tempo em que busca entender, o impulso que leva o homem “civilizado” (aspas do autor) a derrubar, destruir as florestas tropicais, e fala da necessidade de “cultivar, preservar e disseminar o tesouro representado pelas plantas tropicais”. Pede ainda que os paisagistas se conscientizem da sua missão educativa, e sugere uma política de preservação centrada na criação de uma série de reservas nas diferentes províncias botânicas.
Em depoimento no Senado Federal em 1976, ainda julga necessário esclarecer a diferença entre reflorestamento e preservação, pois as estatísticas da época confundiam os dois conceitos. Fala novamente da necessidade de se criar unidades de preservação, e chama a atenção dos seus ouvintes para a escala da destruição na Amazônia.
Esse tema se torna recorrente nos textos. Suas expedições permitem que veja in loco a escala da destruição. Em 1983 ele realiza viagem que, partindo do Rio de Janeiro, o leva a Uberlândia, Jataí, Caiapônia, Cuiabá, Porto Velho, Manaus, Boa Vista, Belém, Goiânia, Ribeirão Preto e São Paulo. Assombrado com a falta de respeito à natureza e com a pouca importância que se dá ao meio ambiente, ele descreve rodovias construídas de maneira agressiva e brutal, com a remoção completa da vegetação, deixando crateras e enormes voçorocas; aterros que impedem a circulação das águas; extensas frentes de devastação ao longo dessas mesmas estradas, onde freqüentemente se cruza com carretas levando gigantescas toras. Ao descer o Amazonas a bordo de uma balsa, a expedição é obrigada a parar por quatro horas, esperando que se dissipasse a fumaça das queimadas.
Nos vinte anos que se passaram avançou-se bastante na criação das unidades de conservação, como desejava Burle Marx, mas a devastação não parou. Pelo contrário, o seu ritmo se acelerou. Se houve algum progresso, foi na conscientização da população dos grandes centros, que hoje sabe que algo incomum está acontecendo nas nossas florestas. Mas ainda falta muito para mudar a mentalidade que vê na natureza uma adversária a ser subjugada, ou fonte inesgotável de recursos para o deleite humano.
Mas Burle Marx não perdia as esperanças. Acreditava que trazer a vegetação da paisagem circundante para as praças das cidades da Amazônia ajudaria na integração do homem com o meio ambiente. Acima de tudo acreditava em um conceito de desenvolvimento sustentável, apesar da expressão não ter sido ainda inventada: “[R]esta-me a esperança de uma conscientização do homem de que ele não é o senhor de uma natureza que não vai acabar nunca. Ao contrário, depende dela para o seu equilíbrio e sua própria sobrevivência.”
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