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O índice da discórdia

A polêmica e as pressões em torno da exclusão de determinadas empresas esconde o grande avanço que representa o primeiro índice brasileiro de sustentabilidade.

6 de maio de 2005 · 20 anos atrás

Índice de ações sustentável é um assunto razoavelmente esotérico. Assim, causa alguma surpresa ver o tema se transformando em objeto de polêmica nos cadernos de economia dos principais jornais do Brasil.

O assunto saiu do pequeno círculo de especialistas com uma reportagem publicada no dia 16 de março no jornal Valor Econômico. A Abrasca (Associação Brasileira das Companhias Abertas) teria enviado uma carta à Bovespa protestando contra um possível critério de exclusão que seria aplicado na seleção de papéis que farão parte do Índice de Sustentabilidade Empresarial.

Mais recentemente, um artigo do jornal O Globo descreveu um cenário de forte pressão sobre o comitê deliberativo encarregado de definir as bases do novo índice, culminando na derrubada do princípio da exclusão – e na saída dos representantes do Ibase e do Ministério do Meio Ambiente daquele comitê. Membros do comitê, por sinal, afirmam que o MMA não saiu.

A quem interessa essa discussão? À primeira vista, nem tanta gente assim. O universo de fundos de investimento socialmente responsáveis no Brasil ainda é pequeno: são três fundos de ações, cujo patrimônio total não chega aos R$ 80 milhões. Pelos dados da ANBID a indústria de fundos de ações administra hoje mais de R$ 41 bilhões, e o total de fundos de todos os tipos chega a R$ 630 bilhões. Por outro lado, seriam duas, ou no máximo três, as empresas abertas potencialmente afetadas pela decisãode exclusão. Mas a questão vai mais longe.

A criação do Índice de Sustentabilidade Empresarial da Bovespa é uma resposta a uma demanda por parte dos gestores de recursos. Como já discutimos em colunas anteriores, a indústria dos investmentos socialmente responsáveis (ISR) cresce rapidamente no mundo desenvolvido, e começa a marcar presença por aqui também. Os fundos ISR americanos têm ativos de mais de 2 trilhões de dólares, e já existem famílias de índices de investimento sustentável bastante respeitadas, como os fundos Dow Jones Sustainability e FTSE4Good.

Algumas peculiaridades do mercado brasileiro, como a excessiva concentração em títulos públicos e a pequena expressão dos investimentos em ações, limitam o seu desenvolvimento. Mas duas instituições financeiras oferecem fundos de açoes que obedecem os princípios do investimento socialmente responsável. A experiência mais extensa é do ABN AMRO Asset Management, que oferece o fundo de ações Ethical desde novembro de 2001; em outubro de 2004 o Itaú lançou um produto comparável, o fundo Itaú Excelência Social. O problema para os gestores desses fundos é como mostrar para o público que é possível obter bons rendimentos e satisfazer suas consciências ao mesmo tempo.

O lado da consciência se resolve através de estratégias de screening, ou seja, de seleção de papéis com base no desempenho social e ambiental das empresas que os emitem. Os gestores do fundo podem, por exemplo, excluir qualquer empresa que não publique balanço social, ou excluir empresas que vendem produtos nocivos aos seus consumidores. Podem também usar critérios relativos, aumentando a posição daquelas empresas social- e ambientalmente mais avançadas, mas sem excluir ninguém.

Nos países onde o ISR já existe a mais tempo e já movimenta mais recursos surgiu toda uma rede de apoio para os investidores. Há vários índices, com ou sem exclusão de indústrias específicas, e consultores para ajudar a obter informações, selecionar empresas, e avaliar o desempenho dos fundos. Aqui no Brasil falta ainda algo muito básico, um termo de comparação para medir desempenho. Os gestores geralmente são avaliados com base em critérios relativos. Para justificar o salário que recebem, precisam gerar resultados acima da média do mercado.

Daí a importância de um bom índice de investimentos sustentáveis. Alguns pioneiros, como a APIMEC – Associação dos Profissionais de Investimento e Mercado de Capitais – já vinham falando sobre o assunto há alguns anos, mas as discussões começaram a se acelerar no momento em que os gestores do ABN AMRO Asset buscaram conversar com a Bovespa, que calcula e divulga os índices mais importantes do mercado brasileiro.

As conversações evoluiram, e no final de 2004 o superintendente de operações da Bovespa já podia falar com grau razoável de segurança sobre o Índice de Sustentabilidade Empresarial, a metodologia empregada, os participantes e o cronograma. A Bolsa trabalharia com um comitê representativo, formado por representantes da Bovespa, de associações representativas de setores do mercado a APIMEC e a ABRAPP, e de ONGs reconhecidas pelo seu trabalho nas áreas social e ambiental.

Com o apoio do IFC – International Finance Corporation – e em parceria com a FGV, a Bovespa procurou criar um índice composto por empresas socialmente responsáveis e com sustentabilidade no longo prazo, e que pudesse servir de estímulo para boas práticas por parte das empresas. Ao mesmo tempo, o índice deveria ser replicável, ou seja, ser composto de papéis efetivamente disponíveis no mercado. Mais concretamente, definiu-se que o índice seria composto de até 40 ações entre as 150 mais líquidas do mercado. A seleção se daria com base nas respostas dadas pelas empresas a um questionário sobre suas práticas de relacionamento com empregados e fornecedores, com a comunidade, sua governança corporativa e o impacto ambiental de suas atividades.

De acordo com o plano inicial da Bovespa, o Conselho do índice poderia excluir empresas que tivessem parte relevante de seu faturamento advindo de atividades consideradas nocivas social ou ambientalmente. O FTSE4Good, por exemplo, exclui fumo, armas e energia nuclear, e o Dow Jones Sustainability oferece sub-índices excluindo setores como fumo, bebida, jogo e outros pecadores. Mas foi aqui que os problemas surgiram, pois há entre as empresas listadas em bolsa no Brasil produtores de bebidas alcoólicas, cigarros, armas de fogo e energia nuclear. A possibilidade de exclusão nunca chegou a ser consenso dentro do conselho, e menos ainda os critérios para tal. Ainda assim a Abrasca resolveu tomar as dores das potenciais excluídas, enviando uma carta à Bovespa atacando o índice. A polêmica que se instalou acabou na retirada do Ibase do Conselho Deliberativo, em meio a acusações de pressões e suspeitas de quebra de integridade.

A preocupação das empresas não deixa de ser um bom sinal, pois deixa claro que cada vez mais fica impossível avaliá-las com base exclusiva na rentabilidade, ignorando os aspectos sociais e ambientais. E se a maneira como o assunto chegou aos jornais trouxe um certo risco de comprometimento da credibilidade do índice, os participantes ouvidos por essa coluna estão bastante tranqüilos. Luiz Maia, executivo-chefe do ABN AMRO Asset e um dos principais motores do processo, acha que a diferença de opiniões é parte integrante do sistema democrático, e acredita que o Índice sairá fortalecido do embate. Outros ficaram satisfeitos com a repercussão do incidente, que levou o tema da sustentabilidade empresarial a um público muito maior. Mas a recusa da Bovespa de comentar o assunto indica que a discussão ainda está longe de encerrada.

E as empresas de tabaco, bebidas alcoólicas e armas, como ficam? Não haverá critério a priori de exclusão, mas empresas cujos produtos são nocivos aos seus consumidores vão perder pontos na avaliação, e portanto terão chances menores de integrar o índice. Do ponto de vista técnico parece bastante razoável. Mas vamos continuar acompanhando o processo de elaboração do índice, que deve ser lançado antes do final de 2005. O importante é não perder de vista que a sua criação é um avanço, com ou sem empresas do pecado.

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