As atitudes do governo americano sob a presidência de George W. Bush tiveram a dúbia virtude de polarizar o debate sobre o aquecimento global, os responsáveis pelo fenômeno e as possíveis medidas de mitigação, ou adaptação, a ele. Exagerando um pouco, mas não muito, podemos dividir o mundo entre aqueles que enxergam a seriedade do problema e vêem no Protocolo de Kyoto a única chance de salvação e, do outro lado, aqueles que, com graus variados de honestidade intelectual, questionam essa ou aquela parte do edifício conceitual que culmina no protocolo. Alguns contestam as medições que mostram que a atmosfera terrestre está esquentando, outros alegam que a mudança climática está ocorrendo, mas não por influência humana.
Essa polarização artificial levou a uma situação de imobilidade, que se não é a ideal, não deixa de oferecer certos confortos para os ambientalistas. É evidente que seria preferível haver ação coordenada em escala mundial, no sentido de controlar e eventualmente reduzir as emissões de gases do efeito estufa. Tudo dentro de critérios desenvolvidos com sólida base científica e procurando respeitar sempre os princípios de justiça e eqüidade. Mas, na falta disso, o cenário polarizado traz, para os ativistas que apóiam o processo de negociações globais inciado no Rio em 1992, a dúbia satisfação de acreditar que estão mais certos do que errados, e que têm mais virtude do que os seus opositores.
O problema é que, visto de longe, o processo de discussões e de negociações da Convenção Quadro das Nações Unidas sobre Mudança Climática não parece apontar para a suustentabilidade. Esse é um dos pontos de um artigo recente do demógrafo Tim Dyson, da London School of Economics. Mas não é o único. Especialista em desenvolvimento econômico, Dyson nota que, desde 1800, o desenvolvimento econômico no mundo se baseou na queima de combustíveis fósseis e que isso continuará sendo o caso em um futuro previsível. Em outras palavras, toda a revolução industrial se baseou no uso de combustíveis fósseis, primeiramente o carvão e mais tarde o petróleo e seus derivados (e o gás natural, em menor escala). A relação entre uso de energia fóssil per capita e nível de vida é bastante direta e a mensagem é clara: não há caminho para escapar da pobreza que não passe pelo uso intensivo dessa forma de energia, mesmo considerando ganhos de eficiência e energias alternativas aqui e ali.
Em segundo lugar, de acordo com Dyson, os processos econômicos, demográficos e climáticos em curso praticamente garantem que haverá um grande crescimento nos níveis de CO2 na atmosfera no século XXI. As relações entre produção de gases do efeito estufa, sua acumulação na atmosfera e mudança climática são complexas, mas as tendências parecem razoavelmente claras, mesmo deixando de lado os complicados modelos de projeção usados pelos climatologistas.
O autor avalia que a resposta social ao aquecimento global, no entanto, tem sido bastante fraca. E como bom cientista social, ele identifica as causas disso. Ora, o aquecimento global levanta questões difíceis sobre as próprias bases do crescimento econômico, sobre as enormes disparidades em uso de energia, emissões de CO2 e padrões de vida entre ricos e pobres. Sugere ainda, que existe a necessidade de grandes cortes de consumo de energia, e, portanto, de mudanças profundas no nosso comportamento.
Diante desse cenário, a reação tem sido caracterizada por tentativas de negação e recriminação. Reação que fica mais complicada ainda, pelo fato de o aquecimento global ser um fenômeno de longo prazo, cujos efeitos negativos só serão sentidos por gerações futuras, enquanto que os custos das medidas de combate a ele são imediatos. Ora, negar a existência do problema diante do acúmulo de evidências já se tornou um comportamento patológico. Mas Dyson argumenta que a resposta política internacional – a Convenção Quadro, o Protocolo de Kyoto – é uma forma de evitar reduções nas emissões de CO2. Ele cita como exemplo disso a ênfase nos mecanismos de seqüestro de carbono e na construção de mercados de emissões, diante de sérias dúvidas quanto à sua eficácia. E para demonstrar de uma vez por todas a irrelevância do processo político de controle de emissões, Dyson demonstra que a participação no Protocolo de Kyoto não teve, até aqui, quase nenhum efeito nas emissões dos diversos países. O recente anúncio de um acordo alternativo ou suplementar ao Kyoto não simplifica nada no curto prazo.
Diante da ineficácia do processo político e da inviabilidade (até aqui) de tecnologias alternativas, Dyson acredita que o cenário mais provável daqui para a frente seja de crescimento das emissões, puxado pelo crescimento demográfico. Ainda não é possível avaliar as conseqüências disso, mas Dyson adverte que não temos dado atenção suficiente para cenários catastróficos, de probabilidade incerta, mas seguramente maior do que zero. Ele admite que ainda faltam elementos para se estudar de maneira aprofundada os cenários mais difíceis, mas sugere que haja um esforço, consciente ou inconsciente, para que não enfrentemos cenários que só podem ser descritos como alarmantes.
As conclusões de Dyson não são animadoras. Fazendo um paralelo com a Aids, ele conclui que mudanças de comportamento só acontecem quando as pessoas sentem as conseqüências desastrosas de se manter tudo na base do status quo. O problema é que quando o clima começar a mudar violentamente, já será tarde demais para fazer algo a respeito. A mensagem de Dyson merece ser estudada com cuidado. Pode haver alarmismo no que ele diz, e pode haver falhas na interpretação que ele apresenta dos dados e modelos de mudança climática. Mas, ao menos, fica de seu artigo a sensação de que o problema é um dos mais difíceis jamais enfrentados pela humanidade.
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