Colunas

A natureza tem seu valor

A idéia de pagar quem presta serviço ambiental não é nova, nem tampouco serve como panacéia para nossos males ambientais. Mas um seminário em São Paulo mostrou o seu potencial.

6 de outubro de 2006 · 18 anos atrás

A política ambiental no Brasil tem sido conduzida com o que os economistas chamam de medidas de comando e controle. Ou seja, temos leis e regulamentos que estabelecem, por exemplo, que o proprietário de terras deve manter áreas de preservação permanente e áreas de reserva legal, e temos uma série de exigências para o licenciamento ambiental de obras como portos, estradas, fábricas e usinas elétricas.

Essas políticas têm limitações e fraquezas. Os dispositivos do código florestal, por exemplo, são solenemente ignorados na maior parte do território brasileiro. O licenciamento ambiental, por sua vez, nem sempre cumpre a sua função, transformando-se em um caro formalismo que não garante nem a avaliação correta do custo ambiental dos projetos nem a tomada de medidas mitigatórias e/ou compensatórias.

Parece existir, no entanto, uma alternativa no uso de instrumentos econômicos para incentivar a conservação. É o caso da Costa Rica, por exemplo, onde o governo criou um mecanismo de financiamento baseado em um fundo – o FONAFIFO – para remunerar os proprietários rurais que conservam e restauram a floresta nativa. O programa conseguiu deter e reverter o acelerado desmatamento naquele país e hoje é uma referência global.

A Conferência “Valorando Serviços Ambientais”, promovida pela ONG Forest Trends e pelo Centro de Estudos em Sustentabilidade da EAESP – FGV reuniu centenas de pessoas em São Paulo para conhecer experiências como a da Costa Rica e para discutir como o conceito pode ser aplicado aqui.

O assunto não é inteiramente novo. O Brasil também tem exemplos de uso de instrumentos da economia da conservação. O principal deles é o ICMS Ecológico, implementado por vários estados como o pioneiro Paraná e o Tocantins, que aproveitou a experiência anterior para elaborar a legislação mais avançada no assunto. Wilson Loureiro, do Instituto Ambiental do Paraná, afirma que o mecanismo, que garante aos municípios que investem em conservação uma parcela maior do rateio do ICMS, levou a uma proliferação das áreas de conservação no estado.

O exemplo do ICMS Ecológico serve para mostrar como alguns conceitos da economia da conservação ainda precisam ser trabalhados para que possam ser aplicados na prática. A primeira questão é saber qual serviço ambiental, ou serviço do ecossistema, está sendo prestado – isto é, de que maneira aquele ecossistema preservado ajuda a manter a vida na terra, seja através da filtragem da água, da regulação do clima, da polinização de culturas ou do controle de inundações, por exemplo. A segunda questão é como medir estes serviços. E a terceira é como colocar um preço neles.

São questões complexas. A criação de unidades de conservação (UCs) serve, no mínimo, para proteger a biodiversidade, proteger mananciais de água e fixar carbono. É muito difícil medir esses serviços, e não existem ainda métricas para quantificar o quanto a criação de uma UC contribui para a biodiversidade ou para a produção de água potável. Na ausência desses parâmetros é impossível criar mercados, mas não é impossível usar pagamentos como instrumento de política, como no caso do ICMS ecológico, ou dos empreendimentos dentro de unidades de conservação.

Os créditos de carbono talvez sejam a modalidade mais avançada de pagamento por serviços do ecossistema. É fácil identificar o serviço prestado: a redução de emissões dos gases do efeito estufa. O serviço se mede através da estimativa dos gases que deixam de ser emitidos e/ou que são fixados pelo projeto. E o preço estabelece o equilíbrio entre oferta e demanda, demanda essa criada pelos governos quando criam limites de emissões que podem ser compensados pela compra de créditos. É o que acontece no Mecanismo de Desenvolvimento Limpo (MDL) e também nos mercados voluntários de redução de emissões, como a Chicago Climate Exchange (CCX).

O seminário também discutiu várias experiências pioneiras de pagamentos por serviços ambientais no Brasil, assim como os limites dessas experiências. Fernando Veiga, do Nature Conservancy, falou sobre o trabalho dessa ONG para reduzir o custo da recomposição da reserva legal e áreas de proteção permanente de propriedades rurais no estado do Paraná através do dispositivo da servidão florestal. É uma proposta interessante na medida em que cria valor para a floresta em pé e ao mesmo tempo ajuda os proprietários a cumprirem uma legislação que se tornou objeto de polêmica. Mas sem governo a coisa não anda: se não houver pressão para o cumprimento das normas do código florestal, não haverá demanda por áreas de floresta preservada.

Uma questão crucial ficou sem resposta: os mecanismos de mercado podem ajudar a impedir que a Amazônia seja destruída? Virgílio Viana, secretário do meio ambiente do estado do Amazonas, acredita que eles têm um papel importante criando valor para a floresta em pé, e tem procurado incentivar o turismo e os produtos florestais não madeireiros, explorados de maneira sustentável. Mas dados apresentados por cientistas como Paulo Moutinho, do IPAM, e Dan Nepstad, do Woods Hole Research Center, sugerem que a devastação da floresta está ligada aos preços das commodities agrícolas e à expansão da infra-estrutura de transportes.

Sem comando e controle, sem presença do estado, essas pressões seriam quase irresistíveis. A última esperança está nos compradores dos produtos de exportação brasileiros, consumidores e empresas preocupados com os efeitos sobre o meio ambiente das suas decisões de consumo e que através do mercado estimulam a atuação responsável aqui. Não é uma panacéia, mas é bem melhor do que nada. Para problemas comparativamente simples, como a recomposição da cobertura florestal da costa atlântica brasileira ou a criação de fontes de financiamento mais confiáveis para as unidades de conservação já existentes, o pagamento por serviços do ecossistema pode indicar caminhos interessantes.

Os organizadores da conferência indicaram que as apresentações estarão disponíveis em breve no site do CES.

Leia também

Reportagens
7 de fevereiro de 2025

Superexploração das águas subterrâneas está comprometendo a vazão dos rios no Brasil

Estudo constatou que mais da metade dos rios brasileiros pode sofrer redução no fluxo devido à transferência de água para os aquíferos

Notícias
7 de fevereiro de 2025

Governo do Piauí cria unidade de conservação na Caatinga

APA do Vale dos Buritis e Carnaubais tem como objetivo ajudar na conservação do bioma, com sua fauna e flora associadas, e recuperar áreas degradadas

Salada Verde
7 de fevereiro de 2025

Primatas do Parque Estadual do Rio Doce ganham guia de identificação

Guia de bolso ilustrado traz cinco espécies nativas e duas invasoras de macacos que podem ser observados no parque mineiro

Mais de ((o))eco

Deixe uma resposta

Este site utiliza o Akismet para reduzir spam. Saiba como seus dados em comentários são processados.