As RPPNs – Reservas Particulares do Patrimônio Natural – muitas vezes parecem ser uma espécie de patinho feio do sistema brasileiro de unidades de conservação. A legislação do SNUC dá a elas status de áreas de proteção integral, mas parece haver ainda um certo preconceito contra elas, talvez derivado de um certo estatismo, talvez fruto de uma certa ignorância com relação aos compromissos que o proprietário assume quando dá às suas terras o status de RPPN.
Ao criar uma RPPN, o proprietário abre mão de qualquer possibilidade de uso de suas terras, exceto para pesquisa científica e ecoturismo. E esse compromisso é para sempre. Pode parecer, à primeira vista, excessivo, mas faz bastante sentido, pois do contrário não seria compromisso nenhum. E o melhor (ou o pior, dependendo do ponto de vista) é que a única compensação por eles recebida é o sentimento de dever cumprido, de ter feito algo de bom para a humanidade e para o planeta.
É verdade que a lei concede alguns benefícios aos proprietários de RPPNs. Eles têm isenção do ITR (imposto territorial rural) da área de reserva, e têm prioridade na concessão de crédito rural e na distribuição de recursos do FNMA – Fundo Nacional do Meio Ambiente. Mas essas vantagens representam muito pouco diante dos custos envolvidos na criação e manutenção de uma reserva particular. A legislação exige, para a sua criação, as coordenadas georeferenciadas da propriedade e da área de reserva, entre outros documentos. Isso custa caro. E a manutenção das RPPNs — que implica, entre outras tarefas, em manter de fora caçadores, cachorros, e outras ameaças à biodiversidade — é responsabilidade do proprietário, que arca sozinho com os custos.
Apesar de todos os obstáculos, o número de RPPNs continua crescendo. Segundo a Confederação Nacional, são 746 RPPNs federais e estaduais, abrangendo um total de mais de 580 mil hectares. A FREPESP — Federação das Reservas Ecológicas Particulares do Estado de São Paulo — por sua vez, conta com 35 membros cadastrados, mas esse número deve crescer bastante no futuro bem próximo. Um forte indicador de interesse foi a reunião que a FRE-PESP realizou no primeiro domingo de setembro para informar proprietários de terra do estado interessados em criar RPPNs em suas propriedades.
Apesar da sua história tenebrosa de destruição ambiental — ou talvez por causa dela — São Paulo é um dos estados líderes em criação de RPPNs no Brasil. A FREPESP conta hoje trinta e cinco RPPNs cadastradas no estado. Esse número pode não parecer tão impressionante, mas todas foram criadas com registro no Ibama, um processo caro e trabalhoso. No final de 2006 um decreto do governador Cláudio Lembo abriu o caminho para o registro de RPPNs estaduais em São Paulo. João Rizzieri, presidente da FREPESP, participou da elaboração do decreto e acredita que ele deve facilitar e baratear bastante a criação de reservas privadas daqui para a frente.
O panorama de RPPNs registradas na FREPESP inclui um pouco de tudo. A menor delas, da Carbocloro, em Cubatão, mede menos de 1 hectare. A maior delas mede mais de mil hectares e fica em Sandovalina, no extremo oeste do estado. Algumas delas pertencem a empresas, outras a pessoas físicas, e existe pelo menos uma reserva de propriedade de um condomínio residencial: a RPPN Fazenda Rio dos Pilões, onde aconteceu a reunião. A idéia parece pro-missora: a reserva em condomínio pode ser gerida de maneira mais profissional do que uma unidade menor, e pode ser também um caminho para garantir o seu futuro.
Esse futuro ainda é bastante incerto, apesar do compromisso com a preservação ser eterno. Os candidatos a “RPPNistas” que participaram da reunião com a diretoria da FRE-PESP puderam aprender quais são os fatores de incerteza. A legislação é boa, mas as reservas privadas ainda não recebem o respeito que merecem, diz Rizzieri. Ele diz que nas suas tratativas com a burocracia já se viu várias vezes obrigado a explicar o que são as RPPNs, enfatizando sempre o seu caráter permanente e de proteção integral.
A grande fonte de incerteza que ainda resta é a falta de fontes de financiamento. Com a ajuda de órgãos como a FREPESP e outras Federações de RPPNs e de ONGs e entidades como a Aliança para a conservação da Mata Atlântica, a Aliança da Caatinga e tantas outras que apóiam essa idéia, vai se tornando mais fácil e mais barato criá-las. A questão é como mantê-las. A gestão adequada de uma RPPN implica em custos. O primeiro deles é o próprio custo de oportunidade, ou seja, a receita que o proprietário deixa de realizar ao não explorar comercialmente aquelas terras. Há ainda os custos de manutenção, especialmente aqueles relacionados à limitação dos efeitos antrópicos. Em outras palavras, como regular a visitação e afastar caçadores e outros indesejáveis.
A resposta está no reconhecimento pela sociedade dos serviços ambientais prestados por áreas conservadas. Fixar carbono no solo, preservar biodiversidade, conservar a paisagem e proteger nascentes e mananciais são alguns desses benefícios, e parece razoável esperar que a sociedade pague por eles. Mas é preciso criar os mecanismos para isso, que podem passar pelo mercado ou pelas contas do governo. Um exemplo de como isso pode ser feito é o chamado ICMS Ecológico, que procura fazer com que mais recursos cheguem aos municípios com políticas ambientais virtuosas.
No início do ano a SOS Mata Atlântica e a Conservação Internacional lançaram um belo livro chamado “Minha terra protegida: histórias das rppns da Mata Atlântica”. O livro conta as histórias de algumas das RPPNs implantadas no Corredor Central e no Corredor da Serra do Mar. São exemplos de gente que trabalha pelo meio-ambiente, muitas vezes por pura noblesse oblige. Esse sentimento de dever é belíssimo e esses pioneiros merecem ser celebrados. Mas o reconhecimento deve ir além. Proprietários de reservas particulares devem ser remunerados pelo bem que fazem para o país e para o planeta.
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