“Dar um tombo”, na linguagem vulgar tem o significado de enganar, passar a perna, tirar vantagem ilícita. Já o verbo “tombar” pode ter o significado de inventariar, registrar, arrolar. No direito administrativo brasileiro existe o instituto do tombamento que está regulado pelo Decreto-lei nº 25, de 30 de novembro de 1937 que, pela data e numeração, foi um dos primeiros atos do Estado Novo, eufemístico nome para a Ditadura, implantado por Getúlio Vargas. A idéia central do tombamento é que se façam registros de bens, públicos ou privados, que considerados de excepcional valor histórico, artístico, arqueológico ou paisagístico sejam inscritos em um dos diversos livros de “Tombo”, daí a expressão tombar, tombamento.
O tombamento tem o efeito jurídico de congelar o bem tal qual ele se encontra. Assim, se uma casa foi tombada, ela não mais poderá ser demolida e todas as suas alterações deverão ser aprovadas pelo órgão do patrimônio histórico responsável pelo tombamento. É uma restrição administrativa não onerosa; isto é, o Estado ao determinar o tombamento não indeniza o proprietário do bem tombado, transferindo-lhe todos os ônus da restauração e manutenção. Normalmente, como “recompensa” o proprietário do imóvel recebe a isenção do IPTU. Devido ao fato de ser uma restrição administrativa não onerosa, os governos têm usado e abusado do direito de tombar imóveis, áreas públicas ou privadas e muitos outros bens.
Muitas administrações se valeram do tombamento para “proteger o meio ambiente”. Julgavam os administradores que a imposição do “congelamento” sobre uma determinada área seria suficiente para impedir que os chamados “especuladores imobiliários” degradassem o meio ambiente. É evidente que, dadas as características peculiares do regime administrativo do tombamento, quando ele é utilizado para a proteção ambiental, esvazia-se completamente o conteúdo econômico do bem tombado, visto que o seu proprietário fica inteiramente desprovido do direito de utilização econômica do bem, por exemplo, cultivar uma lavoura, arar a terra. Fato é que os “tombamentos” em defesa do meio ambiente têm significado elevadíssimos prejuízos para o poder público, visto que, seguidamente, os tribunais têm julgado que tais atos não passam de desapropriações disfarçadas, ou indiretas, como é a construção judicial.
Como sempre ocorre, os autores das “geniais” idéias passam pela administração, e deixam a dívida para trás e ainda saem como bons moços que “protegeram o meio ambiente.” Em seguida, quando o Poder Judiciário restabelece a ordem jurídica, uma acusação de que o judiciário “é conservador” e que “não entende a questão ambiental”, visto que moldado para resolver litígios individuais é o suficiente para acalmar as coisas. Não podemos nos esquecer que a indenização devida deverá ser paga por precatórios e que, provavelmente, o infeliz do proprietário jamais verá a cor do dinheiro e, neste diapasão, vamos tocando a nossa e torcendo para que não sejamos vítimas de tais ações de “proteção” ao meio ambiente.
O direito brasileiro conhece uma grande quantidade de instrumentos legais para a gestão ambiental. Especificamente para a gestão do território existem as chamadas áreas de proteção ambiental e, no caso do Rio de Janeiro, até as áreas de proteção do ambiente cultural. Nas áreas de proteção ambiental se utilizam instrumentos urbanísticos que definem zonas com usos permitidos. É mediante a adequada definição dos usos que a gestão do território pode ser feita de forma racional e capaz de assegurar a conservação nas áreas de utilização controlada e a preservação nas áreas nas quais a utilização econômica seja proibida.
É muito comum que se confunda área de proteção ambiental com área de proteção (preservação) permanente. A APA é uma estrutura jurídica que se cria para definir usos em um determinado segmento do território. No interior de uma APA pode existir uma APP. Muitas vezes, as APAs são constituídas com uma quantidade de restrições que as transformam em unidades de conservação de proteção integral, com a conseqüente perda do valor econômico do imóvel, situação na qual também se aplica a “desapropriação indireta”, como já tem sido, reiteradamente, decidido pelos tribunais.
Conforme tem sido definido pelo nosso Poder Judiciário, existem limites jurídicos e constitucionais bem estabelecidos para que a proteção ambiental possa se materializar de forma conseqüente e duradoura. A falta de orçamentos públicos realistas e a constante vontade de criar fatos políticos com vistas às próximas eleições fazem com que, não poucas vezes, se lance mão de instrumentos que, por não onerosos, se mostram tentadores para a administração. Ocorre que, exatamente por serem não onerosos, os instrumentos como o tombamento e a instituição de APAs devem ser utilizados com muito critério e rigor, sob pena de se transformarem em um “brilhareco” fugaz e com graves conseqüências para a vida dos proprietários dos imóveis “protegidos” e, também, com graves prejuízos econômicos para a coletividade. A propósito, vale recordar matéria publicada no Estado de São Paulo: “O Estado divulgou, há 15 dias, cifras estarrecedoras sobre as indenizações ambientais no Estado de São Paulo. Segundo o jornal, números apresentados pelo coordenador das Promotorias de Meio Ambiente, Antônio Herman Benjamin, mostram que uma eventual perda de todos os 650 processos atualmente enfrentados pelo governo estadual, em decorrência de desapropriações em áreas protegidas pela legislação ambiental, implicaria um débito público na módica quantia de R$ 47 bilhões. Dos R$ 5 bilhões que estão acumulados como dívidas judiciais julgadas de São Paulo, cerca de $2,7 bilhões resultam de desapropriações de reservas ambientais. Há até um caso em que o governo foi condenado a pagar, como indenização por uma área de 13 mil hectares na região montanhosa de Ubatuba, um montante equivalente a quase um terço do que custou a Vale do Rio Doce (1).”
Como se vê, o cidadão deve ter cuidado para não “levar um tombo” com determinados “tombamentos” que se vê por aí.
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