No dia 20 de março de 2007 foi realizada a primeira audiência pública da CTNbio sobre a liberação de um produto contendo Organismo Geneticamente Modificado para uso comercial. O produto em questão era o Milho Liberty Link e outras tecnologias, o primeiro da empresa Bayer. A audiência teve ampla divulgação e, inclusive, foi transmitida pela Internet. A grande verdade é que desde o Visconde de Sabugosa, nunca este país teve uma espiga de milho tão famosa e comentada. A se julgar pelos debates e por determinadas intervenções ocorridas na audiência, “o futuro do mundo está por um milho”.
Como sabemos todos que tivemos o privilégio de ler as deliciosas histórias do Sítio do Pica Pau amarelo, o Visconde era um gênio que conhecia vários assuntos e sobre eles discorria com invejável erudição. Pois, bem não é que o nosso Visconde de Sabugosa, pelo menos em espírito, reapareceu na tal audiência pública? Com efeito, quem menos falou sobre biologia molecular, genes, fluxo gênico, polinização cruzada e outros babados foi a turma que passou boa parte de sua vida em laboratórios, testes de campo e congressos científicos produzindo teses e estudos. A verdade é que até o famoso “monstro do lago Ness” se fez presente no happening. Não “pessoalmente”, mas por citação. Uma outra característica muito interessante da audiência pública foi a ativa participação de alguns conselheiros da CTNBio que questionavam os palestrantes sobre os produtos de forma veemente. No que, aliás, fazem muito bem. O que foi inapropriado foi o local. Se o indivíduo é conselheiro da CTNbio, faça os questionamentos na CTNBio. A audiência pública é para terceiros, para a “plebe ignara” que, acabou ficando sem espaço, tantos os “conselheiros” que fizeram “questões de ordem”, “encaminhamentos” e outras intervenções que fizeram lembrar os tempos do CACO.
Muito interessante foi uma polêmica sobre documentos em Inglês nos processos administrativos. Como sabemos, foi a Ditadura Vargas que estabeleceu o Português como língua oficial do país. Foi uma maneira de “desgermanizar” algumas regiões de Santa Catarina e do Rio Grande do Sul que falam um “alemão crioulo” (por favor, não me acusem de racista, crioulo aqui tem o sentido de nativo, local, gerado na América) com expressões tipo “es chuviert” para dizer chove. O alemão, “alemão”, diria “es regnet”. Mas o engraçado mesmo é que uma pergunta bastante complexa e, claramente, derrogatória dos estudos, foi feita em “Inglês”. Não sei se por algum membro do grupo ecologista pazverde ou outro qualquer.
O fato é que para entender a discussão sobre proteínas, marcadores e outras, somente o nosso sabugo de milho. Afinal, esses temas são moleza para quem se empanturrou com a álgebra e acabou descobrindo petróleo. Somente o nosso sabugo de milho seria capaz de entender como uma tecnologia que já é de certa forma antiga no mundo inteiro, está tramitando há cerca de 8 (oito) anos no interior da CTNbio e ainda não mereceu uma decisão definitiva. A impressão que temos é que estamos enxugando gelo ou estamos como um cachorro correndo atrás do rabo sem conseguir definir o que se deseja. O fato é que no Brasil a lei permite produtos transgênicos e ao que parece, os únicos transgênicos que não conseguem circular no Brasil são aqueles que estão em processo de licenciamento perante os órgãos governamentais.
Eu tenho participado de muitas audiências públicas e, francamente, nunca vi nenhuma na qual o processo de licenciamento estivesse presente para exibição pública e consulta de páginas, como se chegou a questionar. Audiências públicas, como regra, existem para que os interessados dêem opiniões sobre os projetos e que, posteriormente, o órgão licenciante considere tais opiniões em seu parecer final. Chegou-se ao despropósito de questionar a forma pela qual os conselheiros da CTNbio tinham elaborado seus pareceres prévios. A discussão em determinado momento da audiência parecia uma defesa de tese de Doutorado, onde não raras vezes, a Banca Examinadora quer aparecer mais do que o candidato. Vírgulas, normas da ABNT e outros detalhes técnicos foram esgrimidos com a habilidade de um mosqueteiro do Cardeal Richelieu ou Mazarino. Tudo isto foi muito divertido para quem não tinha nada a perder com o episódio, na verdade um momento memorável. “Meninos, eu vi” direi aos meus netos. Porém, a dura realidade é que muita gente está perdendo tempo de pesquisa, recursos econômicos, credibilidade e tudo o mais que se faça necessário para que um país possa se desenvolver.
É chocante ver pesquisadores com 30 anos de estudos de um determinado assunto – no caso a genética, a agronomia, a biologia molecular – serem tratados como se fossem moleques de recados de empresas que só querem lucros. É duro ver centros de pesquisa serem invadidos e ficar tudo por isso mesmo. Infelizmente, é assim que é o nosso país. Ao mesmo tempo, é reconfortante saber que a Embrapa, graças ao CENARGEN, conseguiu devolver aos Kraho uma determinada variedade de milho que eles haviam perdido e que só foi recuperada graças aos bancos de germoplasma que ela mantém. Este foi um momento alto da audiência pública. Entretanto, pouca gente deve ter prestado atenção, sobretudo quem deveria. Estavam dando entrevistas. Foi um momento alto, a fala das cooperativas agrícolas que demonstraram o trabalho que fazem e a necessidade de novas tecnologias. Ficou, também, em segundo plano a questão do aumento da produtividade agrícola como fator de proteção das áreas florestadas. Que se cobre dos agricultores as reservas florestais legais, a redução da utilização de produtos químicos, a outorga pelo uso da água e tantas outras coisas necessárias e legais. Mas, não se lhes obrigue a viver no atraso tecnológico.
Certamente o Visconde de Sabugosa não era um sabugo transgênico. Nem o milho transgênico é um Visconde de Sabugosa. Mas há muita Emilia, com a torneirinha de besteira aberta e palpitando além do razoável.
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