Os últimos meses trouxeram algumas boas notícias para as Unidades de Conservação Urbanas do Brasil. O Parque Nacional da Tijuca foi ampliado em quase mil hectares e o Parque Nacional de Brasília está perto de ganhar novos 15 mil hectares, equivalentes a mais de 50% de sua área atual.
Infelizmente, assaltos constantes na Tijuca, caçadores na Pedra Branca, loteamentos irregulares na Tiririca, incêndios criminosos na Serra dos Órgãos e o persistente abandono de Utinga em Belém também fizeram manchete. Como se vê, tamanho não é documento. De pouco adianta aumentar um Parque sem que seja agregada em sua infra-estrutura a capacidade de manejo correspondente.
Nesse sentido, temos muito o que aprender com a Austrália, onde o manejo das Áreas Protegidas Urbanas é feito com tanta seriedade que mesmo pequenas reservas municipais com escassas dezenas de hectares são administradas com fins conservacionistas. Espécies exóticas são erradicadas, trilhas interpretativas são implantadas, conectividades para a fauna são estabelecidas. O resultado é de bater palmas. Cria consciência ambiental na população, liga as Unidades de Conservação com corredores para outras áreas verdes e provê zonas de amortecimento às UCs da categoria Parque. Vários são os exemplos dignos de nota em Sydney, Melbourne, Adelaide e Brisbane.
Nesta última destaca-se um mosaico de 28 mil hectares que margeia a cidade onde vivem 1,5 milhão de pessoas. Fruto de bem elaborada engenharia burocrático-institucional, o Brisbane Forest Park (BFP) foi formado a partir da soma de diversas áreas protegidas, subordinadas a órgãos e agências de diferentes instâncias de Governo. Há, no contexto do BFP, áreas municipais altamente impactadas, áreas de mananciais subordinadas à companhia de abastecimento de água local, áreas de floresta nacional, onde é permitida a extração controlada de madeira, a apicultura e a criação de gado, e áreas de Parque Nacional, cujo uso é mais restritivo.
Durante recente visita ao Parque, em continuidade a uma pesquisa que venho fazendo sobre a administração, manejo e governança de Áreas Protegidas Urbanas, tive a oportunidade de conhecer algumas dessas áreas e conversar com vários dos atores envolvidos, entre os quais administradores, fiscais, educadores, visitantes, concessionários e moradores das redondezas.
O Brisbane Forest Park foi criado em 1977 por uma lei que estabeleceu a obrigatoriedade da coordenação dos manejos e administrações de todas as áreas protegidas contíguas que hoje o formam, independentemente da jurisdição a que estavam submetidas ou ao seu propósito individual de manejo. Como na Austrália as leis são vistas como resultado de acordo maior celebrado em nome da sociedade, elas saem do papel. De pronto foi criado um Comitê Coordenador envolvendo todas as agências e órgãos com áreas inseridas na área demarcada pelo Ato Legal que criou o BFP.
Foram convidados membros da Sociedade Civil para participar do Comitê, entre eles ONGs, excursionistas, pesquisadores e moradores das redondezas, todos com direito a voto. Dessa forma, o Parque desde sua criação foi inclusivo — reclamou muito, acabou eleito para o Comitê Coordenador em uma das vagas destinadas às associações da sociedade civil. Uma vez lá, com poder decisório e responsabilidades sobre a gestão do Parque, deixou de ser tijolo e passou a ser vidraça. Esse processo provou ser excelente mecanismo que permite a absorção em prol do Parque de todos aqueles cidadãos que realmente se preocupam com ele e estão dispostos a dar parte de seu tempo livre para contribuir de fato com sua administração.
Em um segundo momento, foi feito um plano de manejo comum a todas as áreas, ainda que respeitando as jurisdições dos órgãos a que elas estavam subordinadas e suas vocações legais. Assim o plano respeita as limitações legais impostas às categorias Parque, APA, Floresta e assim por diante, ao tempo em que prevê sua gestão e manejo de forma integrada e simultânea.
Nesse espírito, adotou-se um logotipo e uma sinalização únicos, que passaram a ser utilizados em todo o Parque, em conjunção com o logotipo específico de cada área individual. Dessa forma, por exemplo, o Parque Nacional D’Aguillar passou a ter tabuletas de sinalização que dizem: “Parque Nacional D’Aguillar, parte integrante do Brisbane Forest Park”. Analogamente, os funcionários de cada um dos diferentes órgãos trabalhando no BFP passaram a usar em seus uniformes também o emblema do BFP. Medidas simples que deram um senso de unidade ao todo geográfico e um sentimento de time único aos funcionários dos diversos órgãos envolvidos na administração do Parque.
Logo foram verificados os bons resultados da empreitada. Como explica Jason Jacobi, administrador do Brisbane Forest Park, o público começou a perceber o BFP como um todo contínuo e único e assim passou a apoiar o Parque inteiro e não apenas as áreas mais freqüentadas, de maior interesse econômico ou mais bonitas. Do ponto de vista do alocamento de recursos produziu maravilhas, pois criou uma economia de escala permitindo que o excedente em orçamento (ou em mão-de-obra e equipamentos ociosos) de um órgão fosse utilizado na área sob a jurisdição de outro órgão, com benefícios evidentes para o meio ambiente. O raciocínio é simples: do ponto de vista ambiental, o Parque é um só, logo deve ser manejado como uma unidade contínua. A flora e a fauna não sabem a que órgão estão subordinados.
De fato, o projeto tem dado tão certo que o Estado de Queensland resolveu amalgamar sob o mesmo nome, e sob uma única jurisdição, a administração de todas as diversas áreas pertencentes a órgãos estaduais que se encontram dentro do Parque, reduzindo assim o número de agências envolvidas na administração do BFP de quase dez para apenas três (as outras duas são agências municipais).
De maneira a aumentar ainda mais o sentimento de unidade, está sendo implantada uma trilha de 200 quilômetros que levará o excursionista às diversas áreas do BFP. A trilha, nas palavras de Jason Jacobi, servirá de coluna cervical a ligar os diversos membros do Brisbane Forest Park. Outros projetos bem-sucedidos em andamento são o de visitas de escolas, o de voluntários, o de erradicação de espécies exóticas, o de reintrodução de espécies e o de educação ambiental.
O Parque ganhou tanto apoio na sociedade local que já se discute incluir no orçamento do Estado verbas para adquirir áreas que permitiriam a conectividade do BFP com outras áreas protegidas próximas, com aumento da área protegida contígua, redução do efeito de borda e evidentes ganhos para a conservação.
De volta ao Brasil, as Áreas Protegidas Urbanas serão amplamente debatidas de 18 a 20 de outubro, no IV Congresso Brasileiro de Unidades de Conservação, em Curitiba, em cujo âmbito acontecerá uma reunião técnica com 50 dos maiores especialistas brasileiros no tema. É para esse público que Jason Jacobi falará sobre a bem-sucedida experiência do Brisbane Forest Park. Espera-se que a palestra do australiano vá muito além dos ouvidos de sua audiência e ajude a germinar idéias e, sobretudo, novas abordagens de manejo nas tão maltratadas UCs urbanas tupiniquins.
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