Nas últimas semanas, o debate sobre o crescimento irregular e desordenado das favelas cariocas tem dominado a mídia. A questão tem sido abordada sob diversos focos, como o aumento da criminalidade, a verticalização das moradias, a incúria do poder público e o desmatamento das encostas da Floresta da Tijuca e do Maciço da Pedra Branca.
Favelas e aglomerações de barracos formam aliança espúria com condomínios de classe média e até com residências de funcionários da CEDAE e do próprio IBAMA nessa desenfreada corrida morro acima e verde abaixo. As conseqüências têm sido muito detrimentais para as matas cariocas. Alguns de seus malefícios, como a captação ilegal de água, o desmatamento e a caça já foram abordados aqui em O Eco por Lorenzo Aldé, eu mesmo e por diversos outros colunistas.
Ainda assim, por incrível que pareça, o assunto não está esgotado. O emparedamento das Florestas cariocas está afetando seriamente sua vocação centenária de espaço de lazer livre e democrático, facilmente acessível a todos os cidadãos. Mercê de ocupações irregulares e da ausência crônica do Estado, longe vão os tempos em que a garotada tijucana se reunia para banhos nas cascatas formadas pelos rios que desciam borbulhantes dos contrafortes do Pico da Carioca. Para os anais da história estão relegados os domingos de subida ao Corcovado pela trilha colonial do Vale do Rio Cabeça.
Em Sydney, na Cidade do Cabo e em Brisbane, outras cidades agraciadas com Parques Nacionais em seu âmago, é possível acessar suas trilhas a partir de ruas secundárias e fundos de quintal. O Rio também já foi assim. Está deixando de ser. As peripécias de Fortes, jogador do Fluminense e da Seleção Brasileira nos anos 20, que descia direto da Floresta para os gramados ainda sujo de terra e lanhado de mato, perderam atualidade. Por mais forte que fosse, hoje teria que pedir passagem a traficantes, pular muros ilegais ou negociar com seguranças armados.
Reportagem do Jornal do Brasil de 21 de outubro, chama atenção para ameaças feitas a excursionistas por morador irregular das matas acima da rua Tabatinguera. Infelizmente, essas ameaças não são de hoje. A florestinha em questão abriga um tradicional ponto de escaladas conhecido como Platô da Lagoa. Dali, partem diversas rotas que galgam o Morro de Sacopã conquistadas na década de 1970. Ameaças para cá, vitupérios para lá, a conquista hoje não envolve mais apenas a escalada, mas também lograr chegar a seu inicio são e salvo.
Salvo Conduto
O cerceamento repete-se com pequenas variações nas escaladas do Irmão Menor e da Pedra Hime, e nas caminhadas ao pico da Pedra Branca, ponto culminante do município, ao Morro dos Cabritos e à trilha histórica do Vale do Rio Cabeça. Esta ultima barrada- vejam só- por um portão que esconde, em plena área pública, uma nutrida aglomeração de casas de funcionários do IBAMA.
No Parque Estadual da Pedra Branca, excursionistas têm visto seu direito de ir e vir afrontado a passos largos. Na estrada dos Teixeiras, que apesar do nome deveria ser apenas uma trilha, cresce a ocupação irregular. Nas vertentes de Bangu e Campo Grande do Maciço, caminhantes experimentados têm evitado aparecer. Quando tentam são, amiúde, convidados a se retirar. Convite, muitas vezes, reforçado pelo cano de uma pistola carregada.
Também à força de revólver tem sido cortada a ligação histórica entre a Floresta da Tijuca e o Quitite. Ali, o caminho do Sertão, pavimentado em pé-de-moleque e existente há quase dois séculos, teve seu acesso interrompido por uma casa de bacana. Quem quiser percorrê-lo arrisca ser recebido à bala.
Ao somar-se esses pontos isolados à necessidade de “salvo conduto”, concedido pelo traficante de plantão para atravessar a miríade de favelas que cercam nossas florestas, chega-se a uma triste conclusão: grande parcela das matas que nos restam, já não mais nos pertencem. E, justamente, por não pertencerem à coletividade tornam-se vitimas fáceis da privatização travestida de moradias irregulares.
É triste, pois trata-se de processo contínuo: quanto mais avança o muro irregular de habitações que enclausura a Floresta, mais estende-se o perímetro da zona proibida e mais rapidamente fecham-se às últimas trilhas acessíveis à partir do asfalto urbano. Por outro lado, quanto menos gente de bem caminha nessas áreas, menor é a quantidade de olhos e ouvidos que a sociedade dispõe para identificar -e denunciar- novas ocupações irregulares e atividades ilícitas (dos sessenta e poucos acampamentos de caçadores que foram desativados na Floresta da Tijuca no biênio 1999-2000, 80% foi descoberto por meio de denúncias de excursionistas).
Em Tempo: Finalmente descobriram que nem todo PET degrada o meio ambiente. Os campos verdes Fluminenses por exemplo melhoraram muito desde que um produto à base de PET foi importado da República da Sérvia. Graças a ele, as Laranjeiras do Rio de Janeiro vicejam novamente. Viva o PET!
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