Recebi carta do leitor Marcelo Tavares. Freqüentador assíduo do Parque Nacional da Floresta da Tijuca, Marcelo pede alguns esclarecimentos a respeito de sua administração e manejo. Algumas das perguntas feitas pelo leitor são fáceis de responder. Outras de suas dúvidas, entretanto, estão além de meus conhecimentos atuais sobre o Parque. Ainda assim são questões que suscitam debate e reflexão sobre as práticas e manejo vigentes nas matas do Rio de Janeiro.
Vamos à carta (comentada) de Marcelo:
Meu nome é Marcelo Tavares, sou carioca e comecei a freqüentar a Floresta da Tijuca no período em que o senhor era diretor do parque. Na época encontrava mais informações disponíveis a respeito da Floresta. Hoje está um pouco difícil saber como as coisas andam. Resolvi mandar um e-mail para a sociedade dos amigos do parque pedindo algumas informações. Como encontrei seu e-mail em um artigo na internet, decidi encaminhar minhas dúvidas ao senhor. Peço desculpas pelo incômodo e pelo texto extenso.
R.: Durante minha administração havia cinco livros de reclamações espalhados pelo Parque onde os visitantes registravam suas contrariedades, dúvidas e elogios. Todas as anotações escritas nos livros eram sempre respondidas em, no máximo, 72 horas, criando assim um vínculo de informação entre a administração do Parque e a cidadania. Hoje, com a conclusão do Centro de Visitantes da Floresta da Tijuca, abre-se mais um canal de contato entre a administração da Floresta e seus usuários. Imagino que as informações que você busca estarão ali à sua disposição, seja em forma escrita, seja por intermédio de funcionários designados para a tarefa de interação com os visitantes.
Outro meio de buscar as informações mais técnicas é entrar em contato com algum membro do Conselho Consultivo, órgão de apoio à gestão do Parque que, por Lei, deve contar com ampla participação dos setores da sociedade civil com interesse na Tijuca. Estou afastado da Floresta há seis anos, mas imagino que tal Conselho encontre-se funcionando a pleno vapor. Caso contrário, cabe a você, entre outros cidadãos interessados e residentes no Rio de Janeiro (o que não é o meu caso), cobrar a sua imediata implementação.
A Sociedade de Amigos, cuja parceira com o Parque deve ser leal, transparente e intensa, também deve ter todas as informações que você busca. Pelo seu e-mail, vi que já mantém contato com a Sociedade. Um passo adiante é virar membro. Uma Sociedade forte é fiscal eficiente, interessada e isenta. Sua atuação é fundamental para assegurar uma administração feita em consonância com as aspirações dos interesses cidadãos.
Informação é ferramenta básica ao bom funcionamento das democracias. Só podemos escolher e opinar sobre o que conhecemos. Com efeito, a legislação que rege a gestão ambiental no Brasil reconhece isso e determina, entre outras coisas, que grandes projetos sejam submetidos à consulta pública. No momento, o Parque Nacional da Tijuca está para terminar a atualização de seu Plano de Manejo. Este, em tese, deve ser objeto de intensa apreciação pelo público. O processo de consulta, se for para valer, deve ser feito com ampla divulgação.
Recomendo que todos os interessados no futuro da Floresta, como você e eu, mantenham-se atentos para o momento de opinar, afinal este é o único espaço que teremos para expressar nossos pontos de vista sobre o documento que regerá o manejo da Tijuca pelos próximos cinco anos.
O Setor D
Com certeza, uma das melhores notícias envolvendo o parque foi a ampliação e correção de limites, principalmente a inclusão do setor ‘D’. Entretanto, de lá para cá, pouco se divulgou a respeito de melhorias nessas áreas, se é que elas existiram. Informações que obtive por fonte não oficial garantem que o novo setor apresenta graves problemas, principalmente em termos de segurança pública. O que de concreto está se desenvolvendo no setor ‘D’? Por que nada é divulgado a respeito?
R.: A criação do Setor D foi uma vitória perseguida há mais de dez anos e merece ser comemorada intensamente. Parabéns para o Governo Lula, e aos então administradores da Floresta que a sacramentaram! Infelizmente, todavia, se a caça não for coibida, o crescimento de algumas favelas na Grajaú-Jacarepaguá não for fiscalizado e se não for estabelecida uma presença institucional do Parque nesse Setor, ele jamais sairá do papel. Não adianta proclamar áreas protegidas ou fazer planos de manejo. Afinal Parques não se fazem com celulose, mas com efetiva gestão. Como disse o Secretário Executivo do Ministério do Meio Ambiente, Cláudio Langone, em entrevista aqui em O Eco, “o importante é implementar”.
Há algum tempo atrás se noticiou a quebra da gestão compartilhada entre Prefeitura e Ibama, o que é sem dúvida prejudicial ao Parque. Após as brigas na justiça, como anda essa questão? Na última vez que fui ao Parque encontrei guardas municipais, mas em número bem reduzido.
R.: Pelo que soube, por funcionários da própria Floresta, há uma liminar na justiça garantindo a presença dos guardas e da Comlurb. É mais do que óbvio que a cooperação entre os diferentes níveis de Governo é o caminho a ser seguido para a Tijuca. Afinal, o Parque é nacional, mas também tem enorme importância para o Rio, seja em termos paisagísticos, de abastecimento de água, de lazer da sua população ou como atrativo turístico. Como escrevi aqui em O Eco, o que seria do Rio de Janeiro sem o Cristo Redentor.
Na Cidade do Cabo, que tem um Parque Nacional urbano em tudo semelhante à Floresta da Tijuca, Prefeitura e União trabalham em perfeita sintonia. Lá, nesse exato momento, está sendo implantada no Parque Nacional da Montanha da Mesa, uma trilha de 100 quilômetros, pensada para atrair ecoturistas do mundo inteiro. A trilha é em área federal, mas o investimento está saindo dos cofres do Município.
Também a gestão compartilhada entre Ibama e Prefeitura do Rio já foi considerada modelo para o mundo, tendo sido objeto de rasgados elogios nas duas principais conferências mundiais sobre áreas protegidas dessa década. Felizmente, pelo que tenho ouvido, há hoje boa vontade tanto na Prefeitura quanto no Ibama para reatar essa parceria vitoriosa. É esperar para ver (mas não espere sentado; cobre!).
O Parque da Tijuca ostenta o título de parque nacional, o que lhe é bastante favorável em termos de status. Porém, todos sabem que isso também o prejudica. Por se tratar de um parque localizado dentro de uma área urbana, ele necessita de um tratamento diferenciado. A pressão urbana exige uma ação constante da Prefeitura e do Governo estadual, este último principalmente para a questão da segurança. Como anda a participação de cada esfera?
R.: Com certeza, há necessidade de tratamento diferenciado para os Parques urbanos. Essa discussão tem avançado muito internacionalmente no âmbito da União Internacional para a Conservação da Natureza (UICN) — vide minha coluna “Não vale (mais) o que está escrito” — onde já gerou um livro e vários seminários pelo mundo afora. Não há, contudo, necessidade para que a Floresta da Tijuca perca seu marco jurídico de Parque Nacional. A questão é encontrar maneiras de envolver as três esferas de Governo em sua administração, como ocorreu na época da vigência plena da Gestão compartilhada. Outra forma de avançar nessa questão seria delegar a administração do Parque a uma OSCIP (Organização da Sociedade Civil de Interesse Público). Esse arranjo permite que se crie um órgão paraestatal, com funcionários da iniciativa privada e das três esferas de Governo. Uma OSCIP pode receber recursos públicos, mas também pode atuar como entidade privada, em uma estrutura ágil e adequada aos desafios que se impõem ao Parque Nacional da Floresta da Tijuca. Enquanto isso não acontece, cabe ao Diretor do Parque a tarefa de conversar muito com o Comandante da PM, o oficialato superior dos Bombeiros, o Presidente da CEDAE e outros dirigentes de órgãos públicos com atuação importante no Parque. Só por meio de parcerias construtivas a Tijuca poderá vencer os desafios específicos que sua localização urbana impõe.
Reflorestamento O parque é o exemplo vivo da viabilidade do reflorestamento. É uma pena que este processo tenha parado no passado. Pela sua condição urbana, o parque deveria estar sempre recebendo ações de reflorestamento, mas não acho que isso esteja sendo feito. No início desta década, a prefeitura lançou o programa mutirão reflorestamento, que utilizava mão-de-obra das comunidades carentes do entorno. Me parece que o projeto parou faz tempo.
É verdade? Olhando qualquer mapa do Parque, percebe-se áreas enormes, desocupadas e sem cobertura vegetal, no entorno do Parque. Algumas, inclusive, fazem fronteira com ele. É o caso, por exemplo, do Morro do Elefante. É uma enorme área com capim, que todo ano pega fogo no inverno, consumindo o Parque pelas bordas. Por que ela não é reflorestada? Imagino que algumas dessas áreas sejam particulares, mas acho que poderiam ser adquiridas pela Prefeitura. Qual é a situação do Morro do Elefante, em particular? Outras áreas que impressionam pelo tamanho e por estarem desocupadas são: a encosta no Andaraí, que é desmatada quase até o Excelsior, a enorme região voltada para a Barra e Jacarepaguá, a parte norte da Serra dos Pretos Forros (fora do setor D). No meu entender, a Prefeitura deveria se responsabilizar por essas áreas e formar uma espécie de cinturão verde em torno de áreas estratégicas do Parque, inclusive limitando fisicamente quando possível. Para mim esse é o único jeito de assegurar um futuro para a Tijuca. O que se planeja de concreto a este respeito?
R.: O Parque Nacional da Tijuca que conhecemos hoje é resultado de um extenso e meticuloso reflorestamento feito pelo Major Archer, pelo Barão de Escragnolle e por Tomás Nogueira da Gama entre 1861 e 1888. Mais recentemente, em fins do século XX, seu entorno começou a ser recuperado pelo Projeto Mutirão Reflorestamento da Prefeitura do Rio de Janeiro. Trata-se de empreendimento público muito bem-sucedido e premiado internacionalmente.
Já tem 15 anos, portanto atravessou incólume vários governos, em um caso raro de maturidade dos políticos, que não descontinuaram o que está dando certo. Nessa década e meia de existência do Projeto foram plantadas mais de 3 milhões de mudas e reflorestados mais de 1.500 hectares em diversas áreas da cidade (para fins de comparação, o Parque Nacional da Floresta da Tijuca, em seus quatro setores, soma cerca de 4 mil hectares). O Mutirão, que trabalha com mão de obra recrutada nas comunidades carentes dos morros cariocas, também beneficiou muito o Parque Nacional da Tijuca. Diversas frentes de trabalho se deram em encostas adjacentes ao Parque, como foi o caso, entre outras, da área próxima à residência oficial do Cardeal Arcebispo do Rio de Janeiro, no Sumaré. Em minha gestão, o Mutirão chegou mesmo a atuar dentro do próprio Parque, quando uma frente de trabalho reflorestou extensas áreas na Pedra Bonita e no Morro do Cochrane. Após minha saída do Parque, o Engenheiro Florestal Celso Junius foi nomeado para me substituir. Em seu trabalho anterior, Celso era o Coordenador do Projeto Mutirão Reflorestamento na Prefeitura. No Parque, deu continuidade ao trabalho da Pedra Bonita e até mesmo ampliou-o, com excelentes resultados. Como você mesmo colocou, porém, o atual estremecimento entre o Parque e a Prefeitura impede que novas frentes óbvias de reflorestamento sejam abertas. Quem sabe, com clamor popular (a Sociedade de Amigos é um caminho, o voto consciente é outro), a parceria possa ser reatada e o Parque volte a ser referência internacional, inclusive no que toca ao reflorestamento.
Para encerrar gostaria de sugerir que o site divulgue mais notícias do Parque. Principalmente no que diz respeito aos seus problemas e sua preservação. Como se trata de uma organização civil, está isenta de qualquer interesse que não seja a conservação da Floresta. Acho que a página deveria ser um canal utilizado para mobilizar a opinião pública em defesa do Parque. Hoje existe muita dificuldade para se obter informações a respeito. Conheço muita gente preocupada que não sabe como as coisas andam. Ninguém sabe o que cobrar. É preciso utilizar a população que o esmaga também a seu favor.
Quanto menos informada a sociedade carioca estiver a respeito deste patrimônio, mais omisso o poder público será e mais desprotegida estará a Floresta.
R.: O Eco vai estar sempre falando do Parque, na medida em que a Floresta da Tijuca é a unidade de conservação mais visitada do Brasil. Eu mesmo já escrevi neste mesmo espaço diversas colunas sobre o Parque, inclusive uma série de três artigos acerca da história da Gestão Compartilhada Ibama/Prefeitura, ainda disponível para leitura (em “Selecione colunas anteriores”). Para acompanhar as minúcias e o dia-a-dia da gestão da Tijuca, contudo, é necessário ter mais do que o tipo de informação que a imprensa, mesmo a especializada, veicula. É preciso militância. E é com militância que se mobiliza a opinião pública. Nesse sentido, reitero a sugestão de que todos os que se preocupam com os caminhos da Floresta da Tijuca entrem e MILITEM na Sociedade dos Amigos do Parque Nacional da Tijuca. É a melhor forma que a democracia nos oferece para participar da gestão do Parque e é o caminho que escolhi para continuar envolvido com essa Floresta que você e eu amamos.
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