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Retorno à vista

As melhores oportunidades para programas de grande impacto ambiental e na qualidade de vida estão nos países em desenvolvimento e não nos que já são ricos.

9 de outubro de 2004 · 20 anos atrás
  • Eduardo Pegurier

    Mestre em Economia, é professor da PUC-Rio e conselheiro de ((o))eco. Faz fé que podemos ser prósperos, justos e proteger a biodiversidade.

Em editorial recente, o semanário inglês The Economist resume a grandeza do crescimento dos últimos 25 anos na China, destacando também as suas graves conseqüências ambientais. Apesar de ainda pobre, desde as reformas liberalizantes de Deng Xiaoping, a renda per capita chinesa cresceu 7 vezes, de cerca de US$150 por ano para os atuais US$1.000. Dos seus 1,2 bilhões de habitantes, 400 milhões emergiram da miséria e 100 milhões alcançaram os confortos da classe média.

Mas a China tem, hoje, 16 das 20 cidades mais poluídas do mundo. A industrialização da era Mao Tse-Tung criou problemas ambientais horripilantes, mas pontuais. A aceleração resultante da virada capitalista (num vácuo de direitos civis) tornou-os generalizados. Os custos anuais das catástrofes ecológicas chinesas foram estimados pelo Banco Mundial entre 8% e 12% do seu PIB, abrangendo os danos das chuvas ácidas, tratamento de doenças, dias de trabalho perdidos, enchentes, desertificação, entre outros.

Parece ser um exemplo da chamada curva de Kuznet aplicada ao meio ambiente. Observa-se que a relação entre poluição e renda per capita dos países tem um formato de “U” invertido. Os países muito pobres poluem pouco. À medida que prosperam os níveis de poluição aumentam fortemente. Mas, quando ficam ricos, o processo se inverte e o nível de degradação cai. Com a riqueza e a alta tecnologia vem o desejo e a capacidade de atingir excelência ambiental.

Será, então, que controlar a poluição é coisa pra rico? A resposta é um sonoro não. Apesar da evidência inegável dos países mais prósperos serem os mais capazes de crescer protegendo o meio ambiente.

Não existe economista maneta e, on the other hand, diz a lúgubre ciência, toda a ação costuma ter retornos decrescentes. Sabemos, por exemplo, ao passo que a infra-estrutura produtiva de um país melhora, o retorno de novos investimentos em capacidade produtiva diminui. Por isso, novos projetos em países ricos costumam ter resultados inferiores aos dos países pobres. Os primeiros já exploraram suas melhores oportunidades, enquanto os últimos têm tudo por fazer. Nessas condições, faz sentido que os ricos apliquem sua poupança nos pobres. É bom para os dois lados.

O mesmo raciocínio se aplica à proteção ambiental. Enquanto nos EUA, União Européia e Japão, produtores de dois terços da riqueza do mundo, os investimentos em proteção mais impactantes já foram realizados, no mundo em desenvolvimento falta o básico. O dinheiro usado para sanear uma favela tem um brutal impacto na saúde e na qualidade de vida dos seus moradores. Num país rico, o mesmo montante compra um pouquinho mais de qualidade da água ou do ar. Em outras palavras, as melhores oportunidades para programas ambientais estão nos países pobres ou em desenvolvimento.

O Rio de Janeiro é um bom caso. Da janela da redação de O ECO, localizada no alto da Gávea, avista-se a Rocinha, a maior favela contígua do Rio de Janeiro, com população na ordem de 70 mil habitantes. É também uma das mais ricas. Lá, o comércio de 2.500 pontos fervilha. Vai de banco a McDonald’s. Pesquisa recente mostra que 60% dos moradores são classe média brasileira. O acesso a eletrodomésticos, como TVs e máquinas de lavar, é dez pontos maior que a média nacional. No entanto, o saneamento, responsabilidade do governo, é precário.

José Cândido, 27 anos, é coordenador da Estação Futuro, um projeto de internet da ONG Viva Rio. Nascido na Rocinha, viu a favela conquistar muitas melhorias, entre elas, na infra-estrutura de esgoto e saneamento. Segundo ele, as condições há 10 ou 15 anos eram terríveis e, hoje, são aceitáveis. Melhorou, mas falta muito. Na área chamada, sem rodeios, de Valão, o canal onde o esgoto corre a céu aberto ganhou um revestimento de concreto. Seu fluxo deságua na praia de São Conrado, onde as línguas negras são tão freqüentes quanto as chuvas. No caminho, um programa de garis comunitários coleta o lixo grande como plásticos e garrafas, mas o esgoto in natura é despejado no mar. Sem tratamento nenhum. “O esgoto tem que ser lançado em algum lugar, e na atual circunstância, o escolhido foi a praia”, lamenta José. Afinal, essa praia é a mesma que ele freqüenta com os filhos.

É difícil entender como a segunda maior cidade Brasileira ainda está tão longe de resolver seus problemas de saneamento. Nem quando se trata dos seus cartões postais, marcas do lazer local e maiores atrativos do turismo. Em 2007, o Rio será sede dos Jogos Panamericanos e ambiciona um dia hospedar a olimpíada. Pensando tão alto, não há desculpas para esquecer do essencial. O benefício seria enorme para as pessoas e para a natureza.

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