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Controle remoto não funciona

Parques nacionais brasileiros e americanos sofrem do mesmo mal. Não conseguem manter seus próprios recursos e vivem sob a tutela ausente do governo federal.

20 de dezembro de 2004 · 20 anos atrás
  • Eduardo Pegurier

    Mestre em Economia, é professor da PUC-Rio e conselheiro de ((o))eco. Faz fé que podemos ser prósperos, justos e proteger a biodiversidade.

O estudo Back to the future to save our parks (“De volta ao futuro para salvar nossos parques”), dos economistas Donald Leal e Holly Fretwell, feito em 1997, mostra as dificuldades enfrentadas pelos parques nacionais americanos. Embora visitados por milhões de turistas todos os anos, esses parques são obrigados a repassar a receita dos ingressos ao governo federal dos EUA. Esse, por sua vez, só devolve o dinheiro na base da barganha política. Cada parque funciona com um orçamento aprovado pelo governo e não tem nenhum incentivo para usá-lo bem. O administrador de parque que poupar recursos durante o ano é obrigado a devolvê-los ao caixa federal.

Yellowstone, o mais famoso parque daquele país, está muito mal mantido – para os padrões de lá. Na época do estudo, precisava de US$ 340 milhões só para recuperar suas estradas e acessos. Como os ingressos eram cobrados por carro que entrava, e não por visitante, em 1996 Yellowstone arrecadava a mixaria de 36 centavos de dólar por cabeça. Uma ínfima parte dos valores que a maioria dos turistas, em geral morando a milhares de quilômetros do parque, desembolsam com despesas de transporte e estada para passear por lá.

Leal e Fretwell ressaltam que historicamente o preço nunca foi tão baixo. Em 1916, reajustado pela inflação do período, o ingresso de Yellowstone equivalia a US$ 133. Mas não é por falta de recursos orçamentários federais que os parques nacionais americanos têm problemas. O orçamento deles aumentou 3,1% ao ano acima da inflação entre 1980 e 1995. Era de US$ 700 milhões e passou a US$ 1,3 bilhão. Mas os gastos com pessoal e burocracia cresceram mais que os gastos em manutenção e melhorias dos parques. Soa familiar?

Na época do estudo, a maioria dos parques nacionais repassava até 85% da sua própria receita para o Tesouro Federal. Leal e Fretwell analisam as vantagens de aumentar a liberdade administrativa e orçamentária dos parques. Argumentam que se pudessem reter as receitas geradas localmente, seus gestores seriam incentivados a ser mais eficientes e cobrar preços mais realistas. Estariam a salvo das pressões políticas de Washington, dedicando o tempo e esforço antes despendidos em barganhas por verbas para a sua atividade fim: a administração dos parques.

Por último, mostram que os parques estaduais americanos, que recebem transferências bem menores de recursos, dão um banho de criatividade e eficiência administrativa nos parques nacionais. A razão é que os governos estaduais são mais pobres e mais severos com a gestão dos recursos públicos. O sistema de parques de New Hampshire, na Nova Inglaterra, é gerido por uma agência que, por lei, deve almejar a auto-suficiência. Com esse empurrão, os gestores ambientais de lá conseguiam arrecadar US$ 5 milhões por ano, o suficiente para manter 89 áreas de proteção, num total de 30 mil hectares e 9.600 quilômetros de trilhas, sobrando um troco para melhoramentos de infra-estrutura.

A experiência americana vale para cá. A partir dela, dá para traçar um paralelo com a penúria financeira e má proteção dos recursos ambientais e do patrimônio histórico dos parques brasileiros, descritas na última coluna.

Obter informações sobre a verba das unidades de conservação no Brasil é tarefa difícil. Nem o Ibama as têm prontamente disponíveis. O Eco teve acesso apenas aos números dos Parques Nacionais da Serra da Bocaina e de Itatiaia. Ainda em fase de implantação, o Parque da Bocaina não cobra ingresso dos visitantes e vive de repasses, com um orçamento anual na casa de R$ 40 mil, ou R$ 0,37 para cada um dos seus 104 mil hectares. Mais antigo Parque Nacional brasileiro, criado em 1937, Itatiaia fatura com ingressos cerca de R$ 400 mil reais por ano, ou R$ 13 por hectare.

O ingresso individual em Itatiaia custa R$ 3 por dia. Cerca de um quarto de uma entrada de cinema para passar o dia mergulhado numa das paisagens mais belas do mundo. Na parte alta do parque, o visitante depara-se com vistas raras aos brasileiros. Caminhando a mais de 2 mil metros de altitude, o pulmão aperta um pouco, mas os olhos se espantam quando encontram a grandiosidade das Agulhas Negras e seus 2.787 metros, ou as Prateleiras, para citar apenas duas maravilhas locais.

Itatiaia, como qualquer outro parque “rico”, só mantém parte dos recursos que gera. Uma parcela volta para o Ibama para subsidiar outros gastos do órgão, como parques sem receita própria. Dos 53 parques nacionais brasileiros, apenas 24 cumpriram as etapas técnicas e burocráticas necessárias para serem abertos à visitação e, assim como Itatiaia, poder cobrar ingressos e obter alguma independência financeira.

Além de curtos, os recursos disponibilizados para os parques são incertos. O orçamento que o Congresso Nacional aprova todos os anos para os gastos do Executivo Federal é uma quimera. Na realidade, só impõe um teto de gasto para cada um dos seus itens, mas não obriga o seu cumprimento. Os repasses são feitos de acordo com as possibilidades financeiras e humores políticos do Executivo. Os ministérios e órgãos do governo federal passam o ano ansiosos e mobilizados, tentando liberar o máximo que puderem dos seus respectivos limites. Um grande desperdício de tempo que poderia ser empregado nas suas atividades principais.

O Ibama entra nessa roda. Todo ano tem uma verba estabelecida no orçamento, hoje algo como R$ 20 milhões, mas vive na dúvida se ela será toda repassada. Descendo a hierarquia, o sofrimento é o mesmo para os chefes de parques nacionais. Eles têm uma promessa de recursos do Ibama, mas não sabem quando e que parcela desse total será, de fato, repassada.

Mas isso não é tudo. Além de duros, os chefes de parque são incentivados a gastar o que obtiverem logo que a grana pingue no caixa. Senão, o dinheiro volta para o sistema federal e aí, adeus. Começa de novo o processo de negociar os recursos com o Ibama, que enfrenta o mesmo problema com seus superiores hierárquicos. Não dá para invejar gestores públicos. Eles vivem num permanente inferno astral administrativo. No caso de chefes de parque, somado à impotência de assistir de mãos atadas à deterioração da natureza que deviam proteger.

Nisso caminhamos lado a lado com os poderosos americanos. Anestesiados pela retórica da centralização bem-intencionada do dinheiro e do poder no governo federal, assistimos ao pouco caso com que se trata o meio ambiente, num processo político difícil de reverter.

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