O valor da Amazônia é diferente para os brasileiros e para o mundo como um todo? Sim. Um dos problemas da conservação da floresta é que, para os locais, ela costuma valer pouco em pé. Em boa parte da sua extensão, o retorno é maior se as pessoas derrubarem as árvores e criarem gado ou plantarem soja. Essa circunstância é o maior empecilho à sua conservação.
Por outro lado, governos estrangeiros e ongs argumentam que é do interesse da humanidade manter a Amazônia intacta. Uma das mais fortes razões é a sua biodiversidade, uma das mais ricas do planeta. Trata-se de um bem público global, algo cuja existência beneficiará a todos. Mas espera-se que o Brasil arque sozinho com os custos da preservação. É a receita para as coisas darem erradas. O enorme desmatamento que ocorre a cada ano é prova disso. Para complicar, qualquer tentativa de estrangeiros de participar ou custear o esforço de preservação é vista com suspeita. Em geral, é rotulada de intromissão na soberania brasileira.
Em entrevista recente a O Eco, Ronaldo Serôa, economista especializado em questões ambientais do IPEA, usou a seguinte metáfora para ilustrar o problema da Amazônia: é como o sujeito que tem uma televisão instalada na praça da cidade. Ele é o dono, mas forma-se uma pequena multidão para usufruí-la. Quando tenta mudar o canal, o resto da audiência reclama. Embora limitado no direito de usar o seu próprio bem, quando a prefeitura oferece comprar a televisão, esse proprietário, indignado, recusa. Acaba na pior solução possível, é dono mas não se beneficia disso. Algo parecido acontece com o Brasil em relação à Amazônia. Preservá-la custa caro e rende pouco, mas não queremos abrir mão dessa prerrogativa, mesmo com a floresta acabando.
Lembrei da história após ler Conserving biodiversity through markets: a better approach (“Conservando a biodiversidade através de mercados: uma abordagem superior”), escrito por David Simpson, pesquisador do Property and Environment Reserch Center (PERC). O trabalho defende que comprar habitat ou pagar aos seus proprietários pela sua preservação é a melhor maneira de conservá-lo.
As áreas de maior biodiversidade do planeta estão mais próximas dos trópicos, em geral, em países pobres ou em desenvolvimento. A maior preocupação, o know-how e o dinheiro para preservá-las costumam estar longe, na Europa e nos Estados Unidos. A partir da década de 60, os países pobres, como os da África Subsahariana, criaram muitos parques nacionais e outras áreas de proteção. Mas, como ressalta Simpson, em boa parte, esses são parques de papel, criados por decreto, sem, ao mesmo tempo, dispor dos recursos para a proteção.
Para contornar o problema, em 1981 e 1991, um grupo de organizações que incluía o World Wildlife Fund publicou relatórios em que defendia a conservação combinada com desenvolvimento econômico. A estratégia defendia empreendimentos como ecoturismo, exploração sustentável de florestas e pesquisa de substâncias naturais com usos comerciais. As agências internacionais de financiamento gostaram da abordagem e botaram muito dinheiro em programas do gênero. Só o Banco Mundial disponibilizou 1,7 bilhão de dólares.
A maioria dessas iniciativas fracassou. Os projetos atraíam mais gente e atividades econômicas paralelas para as áreas que pretendiam conservar. Assumiam que os habitantes locais tinham inclinações ambientalistas e que estariam dispostos, por pequenas melhorias, a abrir mão de atividades mais rentáveis, como a agricultura. Boa parte do dinheiro era gasto com a burocracia que geria os programas e não com os próprios. Muitos dos projetos tinham um componente maior de desenvolvimento econômico comparado ao objetivo de preservação ambiental.
Ao invés de confundir ambientalismo com desenvolvimento econômico, Simpson advoga que é mais barato e simples pagar diretamente pela preservação de hábitat. O valor que convencerá seus donos a abdicarem da caça e do desmatamento de florestas é o custo de oportunidade da terra onde se encontram. Ou seja, se você quer convencer alguém, normalmente pobre, a preservar hábitat é preciso pagar tanto ou mais do que ele ganharia com agricultura e pecuária, para dar um exemplo.
Ele vai além e defende que é imoral exigir de populações carentes que abram mão de aumentos de renda para gerar benefícios que são globais. Cabe ao mundo, principalmente os países ricos, arcarem com o custo da preservação. Os mecanismos existem. Não faltam agências internacionais nem ongs dedicadas ao tema. O dinheiro também está lá. No total, já foram gastos cerca de10 bilhões dólares em programas de proteção de diversidade. Falta torná-los eficazes.
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