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Pesca comunal

Os costumes das tribos do pacífico americano podem apontar para a maneira mais simples e tradicional de conservar os cardumes de peixe: a propriedade comunal.

24 de junho de 2005 · 19 anos atrás
  • Eduardo Pegurier

    Mestre em Economia, é professor da PUC-Rio e conselheiro de ((o))eco. Faz fé que podemos ser prósperos, justos e proteger a biodiversidade.

O uso de direitos de propriedade para preservar recursos naturais não é uma novidade. O artigo Saving salmon the american indian way, do economista Manuel Nikel-Zueger, mostra que os índios que habitavam o noroeste do pacífico nos Estados Unidos administravam os estoques de salmão locais, através da propriedade familiar dos melhores locais de pesca. Quando os brancos chegaram, expropriaram os índios e desmantelaram esse sistema, permitindo que a pesca fosse livre. O resultado é que, desde então, o salmão do pacífico americano está em declínio.

A preservação dos cardumes de salmão era importante para a sobrevivência das tribos que habitavam essa costa, como os Kwakiutl, Tlingit e Haida. O peixe era a base da sua alimentação e a carne defumada fundamental para o comércio de peles com os grupos que habitavam o interior. A população de índios nas áreas costeiras era densa e as técnicas de captura bastante eficazes. Uma delas era construir represas nos rios que o salmão subia para se reproduzir, conduzindo a armadilhas. Sem algum sistema de preservação, os índios teriam dizimado os cardumes da região.

Mas não havia pesca em excesso. Os rios por onde os salmões subiam para se reproduzir eram propriedade particular. Não propriamente individual, mas, em geral, dos clãs da tribo. Esses tinham interesse direto em que a abundância dos peixes continuasse. Por isso, mantinham a atividade em níveis sustentáveis. Existe inclusive evidência que, tal como fazendeiros, eles tentavam melhorar a qualidade dos cardumes, pegando os peixes menores e poupando os maiores para reprodução. Quando estranhos tentavam invadir essa áreas privadas, a encrenca era certa, muitas vezes resultando em luta e morte.

Não pude deixar de lembrar dessa história durante uma visita recente a Angra dos Reis. Na casa de um amigo, assisti a chegada de um praticante de caça submarina. Apesar de experimentado e de dispor de uma lancha rápida para atingir pesqueiros distantes e pouco conhecidos, o resultado do dia havia sido ruim: 3 budiões de pequeno porte. Há quinze anos, esse peixe era tão abundante que não era desejado pelos mergulhadores. Os troféus mais procurados eram robalos, garoupas, badejos e, tristemente, grandes meros, que não fogem dos caçadores.

Hoje, essas espécies são ariscas e cada vez mais raras na região da Baía da Ilha Grande. A pesca comercial e recreativa arrasou com os cardumes. Por exemplo, para cada quilo de camarão pescado, sete quilos de peixes e camarões pequenos demais são desprezados. O resultado é que a indústria pesqueira local, importante historicamente para um parte expressiva dos nativos, está decaindo a passos largos. Apesar da fantástica piscosidade da região.

Os observadores atribuem o fenômeno ao equipamento moderno e à pesca predatória, como os arrastões indiscriminados. Essa é a parte visível do problema, mas a falta de barreiras à atividade na região é a sua verdadeira essência. Um pesqueiro ou qualquer recurso natural aberto a todos acaba sendo fatalmente exaurido. Que participante se privaria de pescar sabendo que não poderia obrigar os concorrentes a fazer o mesmo? A paciência e disciplina necessárias à conservação dos cardumes não seriam recompensadas.

Regular os equipamentos que podem ser usados e as épocas adequadas para a atividade mitiga o problema, mas não resolve. Se os próprios pescadores não estiverem interessados na preservação tentarão burlar as regras. A experiência com essa abordagem mostra que, ao longo do tempo, serão necessárias regras cada vez mais estritas e complicadas. E os gastos com fiscalização serão crescentes.

A melhor maneira é tornar os próprios pescadores nos maiores interessados na preservação. Uma das maneiras de se fazer isso é criar áreas de pesca comunais, onde só os locais podem tem acesso. Os pescadores “estrangeiros” não poderiam operar por lá ou teriam que comprar ou alugar uma licença de um membro da comunidade. Dessa forma, voltaria a haver um incentivo forte dos locais em preservar os cardumes.

Essa solução pode soar estranha, já que estamos acostumados a mares e rios abertos a todos. Mas a história dos índios do noroeste do Pacífico mostra que se trata de um método eficaz de conservação, capaz também de proteger o modo de vida de populações pesqueiras tradicionais.

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