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Imposto troncho

As distorções embutidas no IPVA espicham a vida de carros velhos e poluentes. Se fosse cobrado com mais inteligência, o ar e o trânsito seriam melhores.

29 de junho de 2006 · 19 anos atrás
  • Eduardo Pegurier

    Mestre em Economia, é professor da PUC-Rio e conselheiro de ((o))eco. Faz fé que podemos ser prósperos, justos e proteger a biodiversidade.

Encontro numa reunião de família com um primo cujo passatempo é comprar e reformar carros antigos. Ele gosta especialmente dos grandes e beberrões. Já teve um Maverick e, no momento, se dedica a um Ford Galaxie Landau, 1983. “É um absurdo”, diz ele. “Sou beneficiário, mas a lei do IPVA é um espanto. Pago zero no meu carro que ocupa muito mais espaço, pesa o dobro e, como não tem catalisador, polui, no mínimo, cinco vezes mais do que um Fiat Uno Mille novo, do qual vai ser cobrado, por ano, um bom dinheiro”, confessou.

Já tinha pensado no assunto, mas o exemplo dramático me surpreendeu.

– Qual é o tamanho do seu carro? Pergunto.
– Olha, declara orgulhoso, o bicho tem 5,4 metros de comprimento e dois de largura. Pesa 1.800 quilos e é movido por um possante de 5.000 cilindradas.
– E não paga IPVA?
– Zero. Carros com mais de 15 anos não pagam nada.

O IPVA (Imposto Sobre a Propriedade de Veículos Automotores) é um imposto estadual, cobrado sobre o valor do veículo. No Rio de Janeiro e em São Paulo, o total é calculado pela alíquota de 4% (variável de acordo com o estado) vezes o preço de mercado do automóvel. À medida que envelhece, vai pagando menos. Até que com 15 anos de estrada fica isento. Como, definitivamente, velhice não é sinal de virtude, a conclusão é a seguinte: carros mais desgastados e perigosos e, em geral, mais beberrões e poluentes, pagam menos. Belo prêmio ao mau comportamento!

Além disso, como qualquer imposto no Brasil, sua finalidade é meramente arrecadar, atividade em que o governo brasileiro está cada vez melhor. O IPVA poderia, ao menos, servir para manter o sistema viário. Mas a própria Constituição impede que impostos sejam vinculados a finalidades específicas. A vinculação faria sentido, mas na prática, quando ocorreu, foi usada para enrijecer o orçamento e garantir verbas a clientelas políticas.

É cobrado sobre valor, porque pressupõe ser mais rico quem tem um carro mais novo ou caro. “De fato a idéia é taxar menos o pobre”, analisa Ronaldo Serôa, economista do IPEA (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada). “Mas há sutilezas. Se carros mais velhos pagassem taxas mais altas devido aos problemas que causam, a frota seria renovada mais rapidamente e os automóveis usados ficariam mais baratos. Qual efeito prevalecerá? É difícil dizer a priori. Mas a redução nos usados compensaria, ao menos parcialmente, o aumento da carga sobre os carros velhos”, conclui.

As distorções se estendem à cobrança com grandes descontos do IPVA sobre veículos pretensamente usados por produtores, como caminhões com peso superior a uma tonelada, cuja alíquota, no Rio, é de 1% e, em São Paulo, de 1,5%. Ônibus e utilitários também costumam pagar menos. Ou seja, o imposto supostamente favorece àqueles que usam veículos profissionalmente ou têm renda baixa.

Se a idéia é taxar progressivamente os ricos, a melhor maneira é tributar diretamente a renda. Como a intenção do IPVA é gerar receita para os estados, o melhor mesmo (espero que ninguém me enforque) seria que os estados tivessem o seu próprio imposto de renda. Os carros deveriam, isso sim, ser taxados pelo uso, com a intenção de corrigir os custos que seus donos impõem à sociedade, como poluição, trânsito e risco de acidentes.

Como esses problemas têm intensidade maior em metrópoles do que em municípios pequenos, tal imposto poderia ser municipal. No caso das estradas, esse custo poderia ser embutido na cobrança dos pedágios. Aliás, várias metrópoles estão instituindo pedágios urbanos. Recentemente, Londres adotou com muito sucesso tal medida, desafogando seu centro. De qualquer forma, o argumento aqui é a mudança de enfoque. Em vez de cobrar dos carros pela capacidade de pagamento do dono, papel do imposto de renda, eles deveriam ser taxados pelo uso das ruas e a quantidade de poluição que produzem.

Lamento se falei demais de impostos, dos quais já estamos saturados. O Brasil precisa de uma reforma que os simplifique, reduza e aumente a transparência na cobrança. Mas como diz o ditado inglês, proferido por um súdito da Rainha, provavelmente acordando numa manhã chuvosa e gélida inverno, só existem duas coisas certas na vida: death and taxes.

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