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Hora de cooperar

A crise dos alimentos que estamos enfrentando é pontual e tem solução de baixo custo. É o desafio do aquecimento global que exige uma revolução no nosso modo de vida.

25 de abril de 2008 · 17 anos atrás
  • Eduardo Pegurier

    Mestre em Economia, é professor da PUC-Rio e conselheiro de ((o))eco. Faz fé que podemos ser prósperos, justos e proteger a biodiversidade.

O mundo ultimamente se dividia entre uma ótima e uma péssima notícia. A primeira é que, entre 1970 e 2000, a proporção de miseráveis despencou de 40% da humanidade para 20%, com tudo para cair a 10% até 2015, atingindo a meta do milênio da ONU de redução de pobreza. Uma façanha admirável. A segunda é que a matriz energética que move esse progresso derreterá as suas possibilidades futuras. Parece que a primeira colisão entre os dois movimentos acaba de acontecer: o preço dos principais alimentos do mundo dobrou no último ano e meio. Os distúrbios já começaram e se espalharam por países pobres como Haiti, Costa do Marfim, Equador, Filipinas e Egito, para citar alguns. Diversos governos de países com excedentes agrícolas estão partindo para o salve-se quem puder e proibindo ou restringindo as exportações de alimentos básicos. Um papelão. A Argentina é um deles e o Brasil essa semana ensaiou seguir o mesmo caminho e proibir a exportação de arroz. Se tomar essa decisão vai, hoje, contribuir para aumentar o preço internacional e, no futuro próximo, desestimulará a oferta.

“O leque da história no século XXI está mais em aberto do que jamais esteve em todo o século XX. O futuro de vocês e o de nossos filhos e netos pode ir por um lado ou pelo outro”, disse Sérgio Besserman, professor de economia e diretor do Instituto Pereira Passos, órgão de planejamento urbano da Prefeitura do Rio de Janeiro. “Um bilhão de pessoas tem um padrão de consumo de primeiro mundo”, prosseguiu. “Outros cinco querem chegar lá. Os pobres e emergentes do mundo têm todo o direito de ambicionar esse padrão que inclui eletrodomésticos, carro, viagens e outras amenidades. Mas para que todos possam usufruir do padrão que eu e essa audiência temos seriam necessários outros dois planetas”.

Essas observações foram feitas durante evento realizado há poucos dias na PUC-Rio. Besserman teve a firmeza de levantar o problema ambiental sem esquecer seu conflito com a busca de desenvolvimento dos países pobres. A palestra era sobre aquecimento global e suas conseqüências para o planejamento do futuro do Rio. Ele explicou os vários cenários de aquecimento desenhados pelo IPCC (International Panel on Climate Change) das Nações Unidas. Em um deles, conhecido pelo apelido de business as usual (continua como está), as emissões de gases do efeito estufa continuam crescendo no ritmo atual e o resultado é catastrófico. No caso do Rio, mesmo nos cenários menos pessimistas as áreas costeiras e de baixada precisarão de investimentos maciços para continuarem emersas e habitáveis. Senão, adeus Copacabana… “Precisamos de uma revolução”, disse Sérgio, lembrando a fala de Tony Blair em um encontro recente de lideranças globais.

“Samaky Bakary vende arroz em bacias de madeira no mercado Abobote, localizado nos subúrbios ao norte de Abidjan na Costa do Marfim. Ele aponta para uma tijela de arroz tailandês, a variedade mais popular, que custa cerca de um dólar por quilo. Em um bom dia, ele costumava vender 150 quilos. Agora, tem sorte se comerciar metade disso. ‘As pessoas perguntam o preço e se vão sem comprar nada’, reclama ele. No início de abril, houve uma revolta. Dois dias de violência persuadiram o governo a adiar as eleições já programadas”, narra a reportagem da The Economist.

As razões principais para o aumento do preço dos alimentos são, por um lado, o aumento de renda e consumo dos emergentes, como China e Índia, e por outro, o desvio de terras agrícolas da produção de comida para a produção de biocombustível. Está aí, o efeito colateral da busca por combustível mais limpo pode ser aumentar a miséria. As 30 milhões de toneladas de milho, nos EUA, desviadas para a produção de etanol equivalem à metade da queda dos estoques mundiais de grãos. Com os preços atuais do trigo, arroz e milho, arriscamos retroceder uma década, jogando novamente na miséria no mínimo 300 milhões de pessoas ao redor do planeta.

Pelos melhores cálculos existentes, sabemos que a mitigação do aquecimento global custará por ano entre 1% e 2% do PIB mundial, hoje na faixa de 50 trilhões de dólares. Em suma, essa fatura custará por baixo 500 bilhões de dólares por ano durante todo o século. É pouco em termos relativos e muito em valor absoluto. A crise dos alimentos que estamos enfrentando é pontual e já tem uma etiqueta de preço. Para evitar a fome e/ou a miséria nos países mais pobres é preciso gastar um bilhão de dólares. Essa quantia (mesmo que sejam 5 ou 10 bilhões) é um grão de areia perto dos custos da ‘revolução’ mencionada por Besserman. Mas é um teste de coordenação internacional essencial para mostrarmos a capacidade de iniciá-la. Falhar agora será causar um ressentimento merecido, que trará como conseqüência quebra de confiança nas possibilidades de cooperação internacional. Será um enorme passo para trás.

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