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Pobreza urbana degrada o meio ambiente

Os investimentos brasileiros em saneamento caíram, mostra estudo da Cepal que aponta o alto índice de concentração de pobreza urbana da América Latina.

4 de fevereiro de 2005 · 20 anos atrás
  • Carla Rodrigues

    Jornalista, é doutora e mestre em Filosofia (PUC-Rio), onde estuda questões éticas e políticas. Coordenadora do Centro Técnic...

A América Latina tem 117 milhões de pobres, sendo 57 milhões em pobreza extrema – que pelos critérios do Banco Mundial significa viver com menos de 1 dólar por dia. Esse número equivale a 4,7% do total de pobres do mundo. Cerca de 400 milhões de latino-americanos vivem em cidades, e o percentual de urbanização do continente é de 75,8% – o Brasil, com 82,5% da população vivendo em cidades, supera a média. Pobreza e urbanização são dois indicadores que se encontram no estudo Pobreza y precariedad del hábitat em ciudades de América Latina y el Caribe, que a Cepal acaba de lançar.

O documento mostra como os pobres da América Latina se concentram cada vez mais em cidades e aponta para um dado ambiental assustador: 22% domicílios do continente ainda não têm abastecimento de água e 47,3% não contam com saneamento básico. Isso significa mais de 5 milhões de domicílios urbanos sem acesso a água potável, dos quais 4,1 milhões estariam nas metrópoles. Dez milhões de domicílios urbanos pobres carecem de rede de esgoto, dos quais 2,8 milhões nas metrópoles e o restante em área urbana. Ou seja, cerca de 45% dos pobres do continente estão fora de condições ambientais mínimas de habitação. A contribuição brasileira para o desastre, segundo os dados da Cepal, é enorme: entre 1996 e 2000, o país investiu menos de1% do gasto público em habitação e saneamento.

Os números igualam o Brasil a países como Guatemala, Panamá, Paraguai e República Dominicana e são explicados por ajustes dos gastos públicos realizados entre 1995 e 2000, quanto os cortes de investimentos em habitação foram maiores do que em outros itens da agenda social. Na comparação com os outros três gastos sociais no continente pesquisados pela Cepal – seguridade social, educação e saúde – foi a habitação que recebeu menor percentual de recursos: 26 dólares por habitante em 1990, 24 dólares por habitante em 1995, e 34 dólares por habitante em 2000, o que representa apenas 8,4% do total do PIB da região.

O documento da Cepal analisa, a partir dos dados levantados, as chances da América Latina cumprir as Metas do Milênio, um conjunto de indicadores definidos em conferências internacionais promovidas pela ONU com o objetivo de reduzir desigualdades sociais. O trabalho explica que o objetivo 10 da Meta 7 pretende reduzir à metade a proporção de pessoas em acesso à água potável e ao saneamento básico, razões de doenças nos países em desenvolvimento. Segundo números do Banco Mundial, a diarréia matou três milhões de pessoas no mundo em 1990, dos quais 85% eram crianças. Apesar da melhoria promovida na década de 90, a cobertura ainda é deficitária. Em 2000, as estatísticas ainda registravam 1,2 mihões de pessoas sem água de qualidade. Neste aspecto, a América Latina já apresentava, em 1990, as mais altas taxas de acesso à água entre as regiões em desenvolvimento. Ainda assim, o documento lembra que resguardar a distribuição de água potável para a população urbana ainda é um grande desafio da gestão urbana no continente.

Em relação ao meio ambiente, o maior problema é o saneamento básico: 2,4 milhões de pessoas na América Latina ainda não dispunham de cobertura de rede de esgoto no ano 2000. Por isso, o documento ressalta que cumprir o objetivo de reduzir à metade a proporção de pessoas sem saneamento, “implica num considerável desafio técnico e financeiro. Sobretudo as cidades que crescem aceleradamente devem encarar sérios problemas de saturação dos sistemas existentes, o que implica em riscos de contaminação ambiental.”

Pobreza urbana

Os indicadores de concentração de pobreza na área urbana mostram que, no continente, dois de cada três pobres, e um de cada dois indigentes vivem em cidades, num quadro que se agravou ao longo da década de 90, quando cerca de 122 milhões de habitantes urbanos eram pobres, ou 41% do total da população das cidades. Destes, 45 milhões eram indigentes. Os números do final da década apontam para 134,2 milhões de pessoas pobres, 37,1% do total da população urbana, dos quais 43 milhões indigentes. A única boa notícia é a redução do número de indigentes. A expectativa da Cepal é que a população urbana continue crescendo. Das 10 cidades megacidades previstas para o continente em 10 anos, três são brasileiras: São Paulo, Rio de Janeiro e Belo Horizonte.

A precariedade urbana não é privilégio latino e vem caracterizando a área urbana em todo mundo. Um em cada três habitantes de cidades vivem em domicílios precários – a versão carioca dos barracos. De cada 10 moradores em barracos, seis estão na Ásia, dois na África, um na América Latina e um no resto do mundo. Países desenvolvidos, portanto, estão praticamente fora da “urbanização da pobreza” diagnosticada pelo trabalho da Cepal. Uma peculiaridade do continente latino é o fato de haver mais moradores em barracos (14%) do que pobres (4,7%), o que indica que existem outros fatores para explicar o inchaço das cidades que não estão apenas associados aos baixos rendimentos.

Considerando a evolução da pobreza urbana não mais em número de pessoas, mas em percentual de domicílios, se constata um aumento de cerca de 24% de residências pobres durante a década de 90. A distinção entre áreas metropolitanas e o resto dos centros urbanos mostra que nas metrópoles houve uma redução de 6%, enquanto no restante das cidades houve um aumento de quase cinco milhões de domicílios pobres, o que representa mais 43% mais de habitações pobres em cidades não metropolitanas do que se registrava no início da década de 90. Esta evolução da pobreza urbana faz com que o percentual de domicílios pobres metropolitanos tenha caído de 38% do total para 29%. Já na área urbana não metropolitana, que nos anos 90 respondia por 62% da pobreza, hoje concentra 71% do total de domicílios pobres do continente, indicando o uma tendência de crescimento fora das grandes metrópoles. O desastre ambiental se amplia, assim, dos já degradados centros urbanos para as pequenas e médias cidades.

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