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Algodão orgânico que brasileiro não vê

Enquanto o governo federal briga por causa da liberação do algodão transgênico, cresce no Ceará o cultivo do algodão orgânico voltado para exportação.

22 de março de 2005 · 20 anos atrás
  • Carla Rodrigues

    Jornalista, é doutora e mestre em Filosofia (PUC-Rio), onde estuda questões éticas e políticas. Coordenadora do Centro Técnic...

No ano passado, eles eram 133 agricultores encravados no interior do Ceará que produziram 17 toneladas de algodão orgânico. Enquanto o governo federal não se entende sobre a liberação do algodão transgênico – providência tomada semana passada pela CNTBio e contestada pelo ministério do Meio Ambiente –, em cidades como Tauá, Choró, Massapê e Quixadá os agricultores lutam contra a seca que pode impedir o aumento da produção deste ano. Os consórcios agroecológicos do Ceará contam com o apoio da organização não-governamental Esplar, que há mais de 10 anos investe em pesquisa e produção de algodão orgânico.

Em 2004, eles conseguiram produzir o tipo de algodão orgânico mais difícil, o que é colorido desde a plantação. Do Ceará, o algodão orgânico vai para empresas que fornecem produtos de exportação como tênis, fraldas e peças íntimas. O interesse pelo negócio do algodão orgânico na região é crescente – já são 149 agricultores inscritos para a cultura desse ano. É verdade que os custos são quase 10% mais altos, por que o algodão é muito sujeito a pragas e é preciso controlá-las sem agrotóxicos. Embora não ocupe mais do que 3% da área cultivada do planeta, o algodão é responsável por 12% do consumo de defensivos. No entanto, o sucesso do plantio pode representar margens de lucro melhores: a matéria-prima pode render até 30% a mais no exterior. Praticamente inexistente no Brasil, o uso de algodão orgânico cresce em nichos de mercado onde os critérios ecológicos são mais valorizados do que o preço baixo.

O cultivo do algodão orgânico no Ceará tem o apoio da Embrapa Algodão, unidade que pesquisa técnicas naturais e não agressivas para o controle de pragas da cultura que é uma das mais destruidoras ao meio ambiente no mundo. Além de pesquisa, a Embrapa promove cursos de capacitação para os agricultores na cultura orgânica. São os chamados “Dia de campo”, nos quais os agricultores são instruídos sobre técnicas e manejos. O investimento no produto orgânico, portanto, não é iniciativa isolada, mas incentivada pelo governo federal, que se orgulha pelo fato de o Brasil ser o país que tem a segunda maior área de cultura orgânica do mundo, desde que contabilizada a área de extração de borracha na Amazônica.

Por tudo isso, a liberação dos transgênicos assusta quem está na rota oposta e teme a contaminação da cultura natural. “Somos totalmente contra”, diz Silvia Bezerra, assistente de pesquisa da Esplar. O algodão não é um caso isolado. Apesar das ameaças às culturas naturais, a força de mercado da soja geneticamente modificada tem sido enorme: a área de plantio de soja transgênica no mundo pulou de 1% em 1996, para 48% em 1999. Na briga contra a liberação dos transgênicos, nem o ministério do Meio Ambiente parte em defesa da cultura orgânica. Segundo maior produtor mundial, o Brasil só perde para os EUA. A vizinha Argentina vem em terceiro lugar. Aderiu aos OGM (organismo geneticamente modificados) antes do Brasil e 75% da cultura de soja já é transgênica. Por isso, os defensores da soja não-transgênica argumentavam que, em pouco tempo, o país estaria sozinho na liderança do mercado que rejeita os transgênicos, o que quer dizer praticamente todos os países da Europa, que consomem 90% da soja exportada pelo Brasil. Esse é um mercado cada vez mais ameaçado pela adesão brasileira à soja transgênica, já que os países europeus lideram a resistência aos alimentos geneticamente modificados.

Do ponto de vista econômico, as mais interessadas na adoção dos OGMs são as indústrias químicas de agrotóxicos, que estão realizando 46% dos testes com OGMs nos EUA. Entre elas, a Monsanto – detentora da patente da semente de soja e de algodão transgênico – é responsável pela metade dos testes. No Brasil, a nova biotecnologia representa um risco para a agricultura familiar: são 3,5 milhões de agricultores ameaçados. Além de favorecer o meio ambiente, o algodão orgânico do Ceará é cultura alternativa para pequenos agricultores e pequena parte da plantação é destinada a três cooperativas de mulheres que produzem o fio de algodão orgânico, também para exportação. Fora do mercado de consumo brasileiro, invisível até para o governo que os apóia, o algodão orgânico é daquelas ótimas soluções que o Brasil produz sem sequer saber direito o valor que tem.

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