Lembro de ter mencionado aqui, na minha estréia como colunista no O Eco, a fundamental participação do meio ambiente como o grande ginásio onde praticamos nossas atividades outdoor. Foi a partir da curiosidade do homem em conhecer e entender a natureza, que os primeiros contatos mais complexos ocorreram, por meio de esforços meramente científicos (não estou considerando o primitivo contato com o objetivo exclusivo de subsistência). Os primeiros cientistas de campo foram também os primeiros aventureiros, homens céticos, porém demasiadamente humanos para perceber o gosto da adrenalina nos efeitos resultantes dos pequenos e grandes desafios superados durante sua busca pelo conhecimento. Pragmáticos, porém livres dos preconceitos que os proibiriam de sentir tamanho arrebatamento frente a cenários tão grandiosos. Sim, Leonardo da Vinci foi um exímio escalador e as primeiras expedições ao Everest foram patrocinadas por entidades científicas loucas para ter ao alcance de suas mãos amostras de rochas e da flora locais.
E quem nunca ouviu falar em Jacques Cousteau?
Porém os anos passaram e com eles, a tranqüilidade do cotidiano. O homem passou a acumular uma enormidade de conhecimentos, dos mais técnicos e de aplicação prática aos mais fúteis. Os dias ficaram mais curtos e o tempo mais apressado. O homem descobriu que sabia muito sobre muitas coisas, mas cada vez menos sobre si mesmo. E uma nova onda de retorno à natureza vem se mostrando cada vez mais comum e eficaz. É a eterna busca do homem, agora não mais por conhecimento científico, mas por autoconhecimento e paz. A natureza mais uma vez é o palco desta atividade. Por isso, e pelo fato do homem ser um animal imediatista e cheio de fantasias (daqueles que acreditam que os recursos duram para sempre, que a magnitude da natureza supera os pequenos pecados humanos contra o meio ambiente, que uma latinha no meio do mato não vai ser a responsável por um colapso etc.), é que teve início uma preocupação com a continuidade do usufruto destes recursos, sejam eles na terra, no ar ou na água. Daí nasceram práticas proativas de respeito e manutenção dessa grande academia ao ar livre, para que a aventura e o autoconhecimento durem para sempre.
Mínimo impacto ambiental. Parece jargão de ambientalista xiita, mas essas práticas foram criadas por e para aqueles que praticam esportes outdoor. É impossível falar desses esportes sem ter sempre em mente o meio ambiente e, por menos letrados que sejam os respectivos atletas em ecologia, é um consenso que ninguém aprecia a poluição e a destruição descarada nos locais aonde as atividades são praticadas. Não combina, nem faz sentido mudar tão radicalmente do cenário “conforto da cidade” para o cenário “perrengue selvagem”, para se deparar com uma espécie de purgatório entre os dois mundos. E para piorar a situação, as entidades de regulamentação podem (e devem!) proibir a prática de atividades em locais de preservação ambiental, unicamente pelo fato dos maiores interessados, ou seja, os atletas, não se conscientizarem da responsabilidade de cada um neste grande namoro do homem com a natureza. A regra é simples: não quer cuidar, então não pode usar e fim de papo. É o recente caso da proibição do mountain bike nas trilhas do Parque Nacional da Tijuca (RJ) e da escalada em rocha na região da Lapinha (MG).
O que os atletas por natureza podem então fazer a respeito? Seguir as normas dos manuais de mínimo impacto aplicadas a cada ambiente, que se baseiam fundamentalmente nos princípios de planejamento, segurança e cuidado com o meio em que praticam a atividade, inclusive com relação à fauna e à flora.
Planejamento e segurança dependem de informação. Conheça as restrições de cada local, além dos recursos necessários para aventurar-se em determinadas áreas e o tipo de equipamento permitido. Em algumas reservas norte-americanas, é proibido o uso do magnésio durante as escaladas, assim como em algumas áreas de mergulho é proibida a utilização de luvas ou facas. Tente munir-se de dados como a geografia e clima de cada local e mantenha-se fiel ao planejado, para evitar imprevistos, como ter que dormir preso em um grampo a 700 metros de altura, sem provimentos necessários, pois não respeitou o horário limite para atingir o cume e começar a rapelar, por exemplo. Se não tiver experiência para aventurar-se sozinho, procure alguém para orientá-lo, pois os inexperientes causam impactos sem perceber. Trabalhe de acordo com seu condicionamento físico e mental, pois naquela hora em que o cansaço toma conta, as plantas, troncos e raízes tornam-se suportes inacreditavelmente atraentes. Ah! E claro, esteja preparado para levar seu lixo de volta. Cuidados com o meio dependem de bom senso e educação. Não alimentar os animais e evitar se aproximar demais deles é importante para evitar duas situações desagradáveis: desequilibrar seus hábitos alimentares e ver aquele bichinho fofinho se transformar em uma fera ao atacar por sentir-se ameaçado com a proximidade. Nada de arrancar ou levar mudas, assim como maltratar ou prender animais como souvenir. E, principalmente, seja educado com as pessoas que encontrar no caminho, para evitar rótulos generalizados ou suspensão das atividades.
Conhecendo os alicerces dessa conscientização, o restante fica mais intuitivo. Prestar atenção em alguns detalhes desse tipo impede a agressão ao meio ambiente, mas em situações de emergência, a prioridade é a segurança do homem, e a preservação fica em segundo plano. Acreditem, na hora do desespero, o instinto de sobrevivência (e de conforto também) grita a plenos pulmões: “Que natureza que nada! Mínimo Impacto em mim!”
Para finalizar, tenha consciência de que você é responsável sim pela manutenção do bem-estar da área em que pratica sua atividade outdoor. Uma andorinha não faz verão assim como um ato de ética ecológica pode não parecer efetiva em uma amplitude de visão restrita. Mas, se cada um fizer a sua parte, não é complicado perceber a abrangência dos resultados positivos destes pequenos esforços. Faça sua parte, aproveite e faça propaganda. Divulgue o mínimo impacto ambiental e preserve sua aventura.
Mais Informações:
Mínimo Impacto no montanhismo
Mínimo Impacto no mergulho
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