Brasília dos espaços amplos. Cidade planejada, construída para ser a capital do país, no meio do planalto central brasileiro. Lugar dos opostos, das grandes diferenças cada vez mais acentuadas. Reconhecida como patrimônio mundial, devido a sua arquitetura, de um plano piloto impecável e de cidades satélites deploráveis. Pelas ruas planas e largas carros oficiais circulam e, no mesmo instante, o sistema de transporte público execrável leva a população de um lado para outro. Uma cidade construída em meio ao Cerrado, que foi substituído por ocupações e condomínios ilegais. Lugar dos opostos. De ricos e pobres, das chuvas e das secas.
Passei dois dias na capital durante a primeira reunião da Comissão coordenadora do plano estratégico nacional de áreas protegidas. Ou seja, uma comissão que deverá auxiliar no processo de implantação do Plano Nacional de Áreas Protegidas – PNAP, que segundo o MMA, é um compromisso assumido pelo governo brasileiro para implementar o Programa de Trabalho sobre Áreas Protegidas da Convenção sobre Diversidade Biológica – CDB e os demais compromissos nacionais.
O PNAP deverá tratar de forma prioritária unidades de conservação – UC, terras indígenas (TI) e territórios quilombolas (TQ). Como será estabelecida esta prioridade? Como isso vai ser encaminhado? Qual o tamanho da confusão que nossas UC estarão envolvidas? Em princípio não há nenhum indício para esta resposta. O que de fato se sabe é que no governo atual, desenvolvimentista, imaginar respostas para estas indagações é impossível. Mas colocá-las junto com TI e TQ é apenas complicar muito mais aquilo que já não é fácil. E os opostos tornam-se cada vez mais evidentes. De um lado é a emoção humana, presente fisicamente, e do outro a natureza que não pode participar com a mesma intensidade nestas reuniões.
O que escrevo aqui não é uma opinião sobre as pessoas que conduzem este processo, é sobre o processo em si. Participar destas discussões é muito difícil, na verdade são as reuniões mais desgastantes que tenho estado. Agora com a Comissão isso se tornou muito mais evidente, poucas são as pessoas que atuam com unidades de conservação e os interesses são diversos, infelizmente nem sempre voltados para a conservação da natureza.
Não quero aumentar a fila dos totalmente descrentes porque a vida se torna intragável. Mas desde o dia 09 algumas inquietações não saem da minha cabeça. A realidade vivida é cruel. Os opostos estão por todos os lados. E isso me faz pensar e repensar em qual é nosso real papel nesses processos.
Brasília dos opostos. Dia 09, pela manhã, auditório do IBAMA, presença das principais autoridades relacionadas às unidades de conservação: Marina Silva – Ministra de Estado do Meio Ambiente, Cláudio Langone, Secretário Executivo do MMA, João Paulo Capobianco – Secretário de Biodiversidade e Florestas do MMA, Marcus Barros – Presidente do IBAMA, Maurício Mercadante – Diretor de Áreas Protegidas do MMA, entre outros. Ali durante 2 horas e meia todos pronunciaram o que representava as áreas protegidas para este governo, e entre um discurso e outro, todos falaram de unidades de conservação.
Mas, como tudo em Brasília é controverso, a menos de 200 metros dali, dentro do mesmo espaço do IBAMA, a DIREC – Diretoria de Ecossistemas, responsável por criar e implementar todas as unidades de conservação federais está em pedaços. Cacos mesmo. Levei um susto. Não encontrei ninguém lá. Após uma reforma na estrutura de pessoal, decidiram fazer uma reforma no prédio. De um dia para outro, todos os técnicos tiveram que retirar suas coisas e se mudar para uma meia dúzia de salas num outro prédio, fora do campus do IBAMA.
A falta de prioridade para a DIREC pode ser percebida em vários detalhes. A mudança foi feita pelo pessoal da limpeza. Cada funcionário catou por conta própria caixas de papelão, possivelmente concorrendo com os catadores de papel nas lixeiras dos mercados. As mesas tiveram que ser reduzidas em tamanho porque não serviriam no novo espaço. Assim foi feita a mudança. Até agora ninguém foi informado de quanto tempo esta reforma levará, e se realmente acontecerá.
Há menos de dois anos uma reforma similar, porém sem mudança de prédio, apenas para liberar espaço, jogou no lixo quase toda a história das unidades de conservação do antigo IBDF, o material foi descartado pelas secretárias, que não tinham nenhum conhecimento técnico do assunto e colocaram o material nos corredores a disposição. Agora, o restante da história das nossas unidades deve ser perdido.
Reconheço que este país realmente é feito de contrastes. De um lado estamos nós, discutindo as metas para a 2007 – estratégias do PNAP. O processo participativo instalado, passagens pagas, diárias depositadas. Mas sinceramente, tenho vergonha disso. Se a diretoria responsável pelas áreas protegidas mais importante do país encontra-se nesta situação e é tratada desta forma, como posso acreditar nestes processos? Que importância tem o processo participativo de definição das metas para 2007?
Enquanto fiquei discutindo sobre o Foco 1 – implantação do SNUC-, quem realmente operacionaliza e realiza as atividades, o pessoal da DIREC, não tem onde sentar. Não é possível que tenhamos que nos deparar com tantos opostos. Com tantas diferenças. Ali, naquela Comissão, estava um conjunto de pessoas que palpitam, e não conhecem nada de unidade de conservação. Quem realmente faz as coisas acontecerem está empilhada nas salas minúsculas de um prédio qualquer. Sem nenhuma prioridade.
Pior ainda é que este período será utilizado para aprovar tudo o que se quer, ou não se quer, sobre as unidades de conservação, longe da vista dos técnicos da DIREC: zonas de amortecimento, mineração, invasão, e por aí vai. Como que o pessoal da DIREC terá condições de acompanhar estes processos? Como poderá encaminhar algum parecer trabalhando em condições miseráveis? Assim é a Brasília dos opostos.
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