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No futuro seremos todos vegetarianos

Sou desses humanos hipócritas, que olham para um bife ou coxa de frango e nem lembram que aquilo foi um bicho. Mas creio que seremos empurrados para uma dieta cada vez mais sem carne.

20 de agosto de 2008 · 16 anos atrás
  • Eduardo Pegurier

    Mestre em Economia, é professor da PUC-Rio e conselheiro de ((o))eco. Faz fé que podemos ser prósperos, justos e proteger a biodiversidade.

Enquanto boa parte da humanidade é onívora, sou brasileiro, um povo carnívoro, com especial ênfase em carne de vaca. Embora, nesse quesito, é verdade, não nos aproximemos do grau de especialização de um argentino. Lá, na terra dos nossos vizinhos, as mimosas não têm a menor vez. Sou desses seres humanos cada vez mais hipócritas, que olham para um bife ou uma coxa de frango e raramente lembram que aquilo um dia foi um animal. Se tiver que cozinhar, prefiro passar longe de carne crua justamente por essa razão. Não que tenha um dilema moral por ser carnívoro, mas, se tivesse que caçar, provavelmente já teria abandonado o churrasco.

Esse incômodo vem aumentando e sua causa é uma crescente pressão cultural. Estou convencido que seremos empurrados para uma dieta cada vez mais vegetariana. Razões não faltam. A primeira é a escassez. Com a tecnologia atual, é impossível alimentar uma população que já se aproxima de sete bilhões de pessoas com uma dieta de país rico, composta em 30% de calorias animais. A maior parte da humanidade consome uma dieta com ênfase em grãos e vegetais por falta de opção. Essa tendência deverá se acentuar. Com a renda e a população crescendo (a previsão é chegarmos a nove bilhões em 2050), consumir proteína animal será caro, uma possibilidade para poucos.

A segunda razão é ética. Cada vez mais distantes da vida no campo e mais preocupados com a conservação ambiental, nossa identificação com os animais está aumentando. Brincam que os chineses, comem qualquer coisa com quatro patas, a não ser a mesa. Bem, tente fazer um ocidental comer um cachorro. Não dá. Nossa reação é semelhante a uma proposta de canibalismo. Mesmo bichos estranhos, como rã, tatu, coelho, para não falar em baleia ou urso, por escolha, já estão banidos do cardápio de muitos. Em geral, são bichos fofinhos, alguns em risco de extinção. Com a ênfase ambiental, hoje tão presente nos livros infantis, as crianças desde pequenas os consideram amigos.  As vacas e os frangos, pobres, têm poucos defensores. Mas passe um filme mostrando o funcionamento de um matadouro e a audiência pára pra pensar no assunto.  É uma questão de tempo até ganharem o mesmo status dos bichos fofinhos. Steven Pinker, professor de Harvard, faz uma defesa convincente de que a tendência humana para a crueldade e violência está diminuindo ao longo da história. Ele cita como exemplo que torturar animais em público era um divertimento de aristocratas, hoje, algo difícil de imaginar.

Conheço vegetarianos recém convertidos. Eles relatam dificuldade no primeiro mês, mas fácil adaptação em seguida. Não tenho dados, mas não conheço quem fez a travessia oposta. Ou seja, um vegetariano assumido que voltou a ser um carnívoro inveterado. Parece que uma vez transposta a barreira inicial, não é comum voltar. Igualmente, noto nos novos vegetarianos, além da saúde, uma preocupação com o sofrimento animal.

Uma comparação parecida surge na leitura de um jornal impresso. Já senti prazer no hábito de abrir aquele maçaroco de notícias. Hoje, sinto desgosto com a mão suja de tinta e a sensação de ineficiência, que soma a dificuldade de manuseá-lo com a percepção que aquele monte de papel virará lixo no fim do dia. Mas esse sentimento é recente. Por que não ocorreu antes? Por uma combinação de sentimento ecológico com o surgimento de novas tecnologias. O hábito de ler no monitor do PC, por exemplo, com toda a liberdade de busca e organização de informações que só a internet permite. Outra. Até bem pouco não havia a perspectiva da chegada do e-paper. Mas isso mudou. O kindle, produzido pela Amazon, já é uma realidade com uma legião de adeptos, sinalizando que falta pouco para surgir competição eficaz para o papel. De imediato, o jornal ficou mais velho. Assim como os leves tocadores de MP3 tornaram o CD uma relíquia, quando, há pouco tempo, ainda parecia uma maravilha tecnológica.

Por fim, resta a saúde. Com algum cuidado, uma dieta vegetariana pode ser mais rica em nutrientes. Com leves correções, as possíveis carências de vitaminas e proteínas podem ser facilmente supridas. Para compensar, as gorduras vegetais são de melhor qualidade e a quantidade de fibras favorece a digestão. E, se esse tipo de problema ainda existe, o desenvolvimento da engenharia alimentar levará a super vegetais e suplementos que eliminarão qualquer preocupação.

Não tenho previsão nem data para virar vegetariano. No horizonte de curto prazo, nenhum dos fatores acima vai me obrigar a tomar essa decisão. Mas ao invés de fazer piada com vegetarianos e me gabar da minha dieta, como costumava fazer, agora ela me provoca desconforto. Pode ser que nunca mude e que a maioria da minha geração faça o mesmo. Mas desconfio que o hábito de comer carne, se não se tornar inviável, em poucas décadas será brega e obsoleto.

Veja também:

Sociedade enfezada – Fernanda Couzomenco

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