O furacão Gustav reacendeu a memória do Katrina no EUA e deve ter reavivado a consciência de que o aquecimento global já está nas ruas, ou nos mares e nos céus, a mais de 200 quilômetros por hora. Foi um susto. Esvaziou New Orleans, mas não causou o estrago que prometia. A internet sinaliza que o pessoal na Florida e na costa Sul do EUA está com medo do furacão Ike, que atingiu rapidamente categoria 4. O mês de setembro promete: Gustav, Hannah, Ike e os especialistas dizem que virão outros atrás. A temporada mais intensa de tempestades tropicais deve colocar a questão ambiental na agenda principal das eleições presidenciais. Provavelmente vai tirá-la do fundo da pilha, para algum lugar entre o meio e o topo. Não ficará entre as três principais preocupações dos eleitores, mas deve estar entre as dez mais. É claro, se de repente acontece no EUA o que está acontecendo no Caribe, se houver algo parecido com o Katrina até outubro, aí, provavelmente teríamos um efeito tipo 11/9 ambiental nas eleições e os candidatos teriam que improvisar uma plataforma ambiental bem mais audaciosa. Se ficar só no susto, a economia, a assistência médica e o terrorismo serão os temas principais para definir a escolha dos eleitores.
Acompanhando o que aconteceu na convenção republicana, a questão ambiental está é mesmo saindo de pauta. A impressão que se retira da convenção é que McCain foi capturado pelo establishment republicano e o tema central que os une é o terrorismo e o Iraque.
McCain e Obama fizeram uma trajetória parecida nas primárias. Ambos eram outsiders, correndo por fora. Bateram, com vantagem e antecipação, os favoritos na banca de apostas dos dois partidões – Hillary Clinton, entre os democratas, e Rudi Giuliani, entre os republicanos. Os dois tinham posições mais avançadas, em relação a seus respectivos campos, sobre mudança climática e meio ambiente.
A trajetória deles rumo às convenções, acabou também muito parecida, mas com resultados diferentes. Ambos precisavam ser aceitos por seus partidos e uní-los em torno de suas candidaturas. Para isso, precisavam se conectar ao eixo principal do poder partidário. Obama, fez essa conexão, escolhendo um vice do establishment democrata. Como seu ponto fraco era política externa, optou pelo senador Joe Biden, todo poderoso presidente da poderosa comissão de Relações Exteriores do Senado. O cargo o torna um insider nos assuntos de segurança nacional, independentemente de ser democrata e o governo republicano.
McCain fez uma escolha mais ousada. Tinha mais de um ponto fraco para resolver com o nome para parceria na chapa. Qualquer estrela do establishment poderia causar rejeição entre os independentes de quem ele precisa para vencer. Acabou optando por responder ao fato de ser idoso, à enorme vantagem de Obama entre os mais jovens e ao alto índice de indecisos entre os eleitores de Hillary Clinton, especialmente as mulheres, escolhendo a desconhecida governadora do Alasca, Sarah Palin, para vice. Virou controvérsia.
Fura, bem, fura
Mas quando a desconhecida Palin passou a circular pela cúpula republicana, os chefões adoraram: uma mulher jovem, bonita, cheia de filhos e super conservadora. Uma espécie de Margareth Tatcher do novo mundo. Sua escolha acabou levando a chapa não para o meio, mas para a direita do partido. Palin é mesmo barra pesada. Defensora da indústria do petróleo. É caçadora de alces e ursos, pescadora, exímia com as armas de fogo. Cética em relação à participação humana na mudança climática, nunca pensou em conservação durante os dois em que foi superintendente de ética da Comissão de Petróleo e Conservação. Tem uma visão de guerra-fria das relações internacionais, defende a hegemonia do EUA no mundo. Parece uma mistura de Dick Cheney e George W. Bush, mas com batom… De repente, com o condão da vice boa de briga, a palavra de ordem ambiental da convenção passou a ser “drill baby drill”, (“fura, meu bem, fura”) e os avanços ambientais de McCain foram trocados pela visão das sondas perfurando o Alasca atrás do ouro negro, podendo chegar até o Refúgio Nacional de Vida Selvagem do Ártico. McCain sempre foi contra perfuração no Refúgio. Ontem, não disse uma palavra contra, caiu no “drill, baby, drill”.
Parte dos planos de McCain pode furar. O apoio sem reservas de Hillary a Obama na convenção reduziu os indecisos entre seus eleitores sobre o voto em Obama, principalmente entre as mulheres: hoje 82% dizem que votarão nele, contra 70% antes da convenção. Palin é conservadora demais para apelar às eleitoras de Hillary. Tem mais a ver com as mulheres das pequenas cidades conservadoras do interior, para as quais o feminismo é uma mistura de demonismo e comunismo.
Pelo tom dos discursos na convenção republicana, a decisão está tomada: a dupla McCain-Palin, vai implementar no governo, se for eleita, o programa republicano, não as idéias meio desviantes do candidato. McCain e Palin foram o tempo todo apresentados como “mavericks”, independentes, mas, na prática, foram se enroscando cada vez mais no establishment republicano. É uma decisão de risco, que pode lhes valer votos preciosos. O programa republicano para o meio ambiente, é um programa de segurança energética – redução da dependência ao petróleo importado – e investimento em tecnologias fósseis mais limpas. A idéia central é ajustar o modelo de alto carbono, para índices menores de carbono, com investimento em tecnologia de “limpeza” dos combustíveis fósseis e do carvão.
Todas as lideranças do partido que disputaram as primárias disseram rigorosamente a mesma coisa: defenderam a “reagonomics”, reduziram a importância da questão ambiental, desancaram a idéia de políticas sociais, fingiram que não há um republicano na Casa Branca no momento. Foi o mesmo discurso, lido com aptidões diferentes: Mitt Romney, Mike Huckabee, Rudi Giuliani e… Sarah Palin. Ficou a expectativa sobre o que diria John McCain, o comandante em chefe da campanha republicana. E ele não decepcionou, endossou a onda conservadora, que enchia de animação a lotada platéia do estádio Excel, mas pode não empolgar muito os eleitores não-republicanos. Entre os ambientalistas republicanos e independentes, o discurso de Palin foi uma ducha de chuva ácida e McCain a endossou.
A convenção republicana saiu unida e sem moderados. No discurso de McCain aceitando a candidatura oficialmente, a palavra mais repetida foi luta/lutar. Abriu praticamente cada frase. Saíram todos do estádio vestidos de soldados e com os rifles engatilhados, cantando “God save America”, ou com macacões e capacetes, empunhando brocas para perfurar poços de petróleo, ao som de “drill, baby, drill”. A fantasia guerreira e fóssil substituiu inteiramente a fantasia da moderação e do “republicanismo verde”.
No meio ambiente, Obama continua com as mesmas posições. Joe Binden não as contestou. Na convenção houve convergência dos discursos e confirmação das posições ambientais: participar do acordo pós-Kyoto, promover energias renováveis e economia de energia; consolidar o mercado doméstico de carbono, hoje se formando em duas regiões por iniciativas de grupos de estados; mudar a frota progressivamente para autos elétricos híbridos, capazes de fazer até 65 km/litro. Não é revolucionário, mas é uma enorme avanço diante do retrocesso que Bush impôs e do que os republicanos prometem hoje. Na melhor das hipótese tendem a ir para o clássico “muddling through”, empurrando com a barriga, enquanto tentam achar petróleo. Devem estar morrendo de inveja de Lula, com as mãos pretas do petróleo do pré-sal, habilidosamente produzido pelas sondas do marketing.
Não dá para prever o que acontecerá nas urnas. O sistema eleitoral do EUA funciona ao inverso: é o mais democrático nas primárias e o menos democrático na escolha final. Eles são os mestres dos filtros eleitorais para evitar surpresas. A filtragem é calibrada para evitar grandes guinadas na correlação de forças bi-partidária em Washington.
Ao final da convenção republicana, Obama mantinha uma vantagem de 6 pontos percentuais sobre McCain, na média das cinco principais pesquisas de intenções de voto. Agora virão os debates, quando os candidatos discutirão entre si as questões que interessam à mídia e aos eleitores, nessa ordem. Depois vem o voto indireto, a contagem de votos eleitorais, de delegados, que vale mais que o voto popular. Mas uma coisa não parece mais verdadeira: a expectativa de que tanto com Obama, como com McCain a política climática e ambiental mudaria muito no novo governo. Pode ser verdade com Obama, mas já não é tão certo que mude tanto com McCain. Só com muita pressão interna e externa.
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