No último dia 29 de agosto, diversos pesquisadores se reuniram no Setor Parque Lage do Parque Nacional da Floresta da Tijuca para apresentar seus estudos, comparar resultados, ver como seus trabalhos podem ajudar as investigações de colegas e, sobretudo, entender como seus projetos de campo podem ser utilizados para que a administração do Parque Nacional faça um manejo mais sintonizado com as necessidades da conservação ambiental.
Trata-se de iniciativa elogiável. Em um contexto em que o Instituto Chico Mendes e as demais instituições responsáveis pelas unidades de conservação brasileiras não contam em quantidade suficiente com equipes próprias de pesquisas aplicadas ao manejo, o exemplo de coordenação entre Parque e Academia, dado pela Tijuca, é digno de ser copiado por todas as áreas protegidas do Brasil. Também estão de parabéns a UNI-Rio que serviu de ponto de contato para o lado acadêmico, assim como todos os pesquisadores que se dispuseram a participar do exercício.
Entre os trabalhos apresentados, há pesquisas feitas por gente que tem uma vida inteira dedicada à Floresta Tijuca, como a Professora Ana Luísa Coelho do Laboratório de Geo-Hidroecologia da UFRJ. Também da UFRJ, há trabalhos sobre bagres, anfíbios, macacos e saguis, da UNI-Rio, foram apresentados estudos sobre educação ambiental com alunos da rede pública e sobre a influência que os efeitos de borda exercem nos padrões de comportamento de predadores. Da FIOCRUZ, há um estudo sobre a dinâmica populacional dos quatis; da Federal Rural há um trabalho que analisa as condições para a reintrodução de cotias; do Museu Nacional foi apresentada uma investigação sobre a ocorrência e distribuição das aranhas na área do Parque; da UFF em parceria com a UNI-Rio há uma pesquisa sobre o manejo da espécie exótica dracena; e do Jardim Botânico, instituição que este ano comemora seu bicentenário, há uma análise sobre a dinâmica das populações de jaqueira e outra sobre orquídeas.
Não é preciso ir muito longe para se entender a importância do evento. Basta ler algumas matérias publicadas aqui em O Eco. O manejo de uma unidade de conservação deve ser calcado em informações sobre o estado e as necessidades das espécies protegidas em seu território. Voltemos ao exemplo das jaqueiras (Artocarpus heterophyllus- L. Moraceae). Trata-se de espécie de origem asiática que chegou ao Rio de Janeiro em 1808, pelas mãos do comerciante português Luís de Abreu Vieira e Silva que adquiriu algumas mudas da árvore no jardim botânico de Pamplemousses, quando esteve detido na Ilha Maurício, então colônia francesa. Ao chegar ao Brasil, doou essas mudas ao Príncipe Regente D. João que as mandou aclimatar no Real Horto, hoje Jardim Botânico do Rio de Janeiro. A planta adaptou-se muitíssimo bem e logo escapou aos limites do Jardim, proliferando-se pela Floresta da Tijuca onde atualmente existe em abundância. Ocorre, contudo, que é uma espécie exótica e concorre por espaço e nutrientes com espécimes de Mata Atlântica, cuja preservação é a razão de existência do Parque Nacional da Tijuca.
Ações e impactos
Baseado nessa premissa, a direção do Parque decidiu há alguns anos encampar projeto dos engenheiros florestais Luiz Fernando Lopes e Henrique Guerreiro para suprimir as jaqueiras das matas sob a jurisdição da Floresta da Tijuca. Não há dúvidas de que a idéia é salutar para a flora nativa, que reconquistará o espaço que a lei já lhe tinha atribuído de direito desde que o Parque Nacional foi declarado, em 1961. O problema está em saber quais os efeitos que esse projeto terá sobre a fauna. Quais são as espécies que se alimentam da jaca? Qual é o grau de dependência dessa fonte de nutrição?
Quais espécies indígenas poderiam substituí-la em condições de suprir as deficiências alimentares criadas com a supressão da exótica? Qual a velocidade de crescimento dessas espécies novas a serem plantadas? Todas essas informações são fundamentais para que um projeto importante possa ser concluído sem que suas conseqüências causem mais malefícios à fauna do que benefícios à flora.
Nesse sentido, as pesquisas de Carlos Verona, da Fiocruz (Comportamento e dinâmica populacional de Quatis (Nasua nasua) no Parque Nacional da Tijuca), de André Almeida, da UFRJ (Habitat, área de uso e dieta de primatas em um fragmento de Floresta Atlântica urbana: macaco-prego (Cebus sp.) e sagui (Callithrix jacchus) na Floresta da Tijuca, Rio de Janeiro), de Alexandra Pires da UFFRJ (Reintrodução de cotias no Parque Nacional da Tijuca, Rio de Janeiro, RJ), e de Rodolfo Abreu, do Jardim Botânico do Rio de Janeiro (Dinâmica de populações da exótica (jaqueira) no Parque Nacional da Tijuca – RJ) são subsídios fundamentais ao trabalho de campo dos engenherios Lopes e Guerreiro.
Da mesma forma, outras pesquisas subsidiarão novas ações. Diferentemente de muitos outros Parques, a Tijuca tem sido ao longo de sua existência objeto de uma infinidade de estudos em diversas áreas. Além dos trabalhos discutidos no encontro do Parque Lage, sabemos da existência de monografias sobre incêndios na área do Parque feitas por coróneis-alunos do Curso Superior de Comando do Corpo de Bombeiros do Rio de Janeiro, sobre segurança elaboradas por oficiais superiores do Batalhão Florestal da Polícia Militar, sobre Turismo compiladas por professores da Univercidade, sobre arqueologia escritas por professoras do Museu Nacional.
Eterno aprendizado
Mesmo assim ainda falta muita coisa. É necessário aprender mais sobre o efeito da predação de gatos e cães ferais sobre a fauna nativa, sobre o uso das trilhas do PNT, sobre os atropelamentos de animais nas vias internas da Floresta, sobre a integração do Parque com as unidades que com ele formam um mosaico (P.E. Pedra Branca, Reserva Biológica da FEEMA, mata do Museu do Açude, Parque da Cidade etc), entre outros temas.
A direção da Floresta, contudo, está atenta para isso. A programação do evento contou com um painel dedicado às “Propostas de Projetos e necessidades do PARNA Tijuca de acordo com o Plano de Manejo”, apresentado pela técnica do Chico Mendes Loreto Figueira e outro direcionado para a “Formulação de Proposta de Grupo de Pesquisa para projetos de longo prazo” de interesse do Parque, coordenado pela também funcionária do Chico Mendes Ivandy Astor.
Espera-se agora que esse tipo de evento efetivamente sirva para estreitar os laços entre pesquisas e ações de campo e que os próximos encontros incluam mais áreas pesquisadas, tais como as que concernem o manejo de visitantes. Mais do que isso, que o Encontro sirva de paradigma nacional e seja replicado por esse Brasil afora. Reitero aqui meus parabéns a Ricardo Calmon, Chefe do Parque Nacional da Floresta da Tijuca e toda sua equipe, bem como aos pesquisadores Alexandra Pires, Aline Machado, Ana Coelho Netto, André Almeida, André Scarambone Zaú, Carlos Verona, Christian Silva, Daniele Carvalho, Eduardo Saddi, Gustavo Freitas, Isabel Sigiliano, Marcio D’Arrochella, Michelle Ribeiro, Priscila Borges, Rodolfo Abreu, Sérgio Lima, Sérgio Potsh, Thiago Moreira, Wallace Beiroz, suas equipes e bolsitas.
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