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Os verdes de verdade não se vendem

Livro de jornalista norte-americana tenta colocar em xeque a credibilidade de ONGs ambientalistas. Mas não se pode esquecer do papel fundamental das entidades na conservação.

31 de outubro de 2008 · 16 anos atrás
  • Maria Tereza Jorge Pádua

    Engenheira agrônoma, membro do Conselho da Associação O Eco, membro do Conselho da Fundação Grupo Boticário de Proteção à Nat...

É impressionante como pessoas que não conhecem a fundo como funcionam ONGs conservacionistas ou ambientalistas (o termo mais moderno), apesar de nelas não terem trabalhando muito tempo, podem deturpar sua imagem e lançar dúvidas sobre a importância de seu trabalho. A jornalista americana Christine MacDonald, que foi por pouco tempo funcionária da Conservation International, em seu livro joga lama, nas grandes ONGs de seu país, sem se preocupar em demonstrar todo o imenso trabalho que essas mesmas ONGs fizeram por lá e em muitos outros cantos do mundo, inclusive no Brasil.

Um artigo comentando o livro, disponível na Internet, embora tente ser justo e equânime, começa a confundir de o por quê existem as Assembléias Gerais da União Internacional para a Conservação da Natureza (IUCN, em inglês), ao dizer que 8.000 pessoas se reuniram em Barcelona, com 850 instituições ambientais e 130 países, ao dizer “Mas ao contrário do que se imagina, a pauta entre os participantes não era a conservação das espécies ou como resolver o aquecimento global e sim a votação do futuro presidente e dos conselheiros da IUCN”. Ora, é para isso mesmo que existem as Assembléias Gerais, ou seja, para eleger seus dirigentes, em votação democrática.

Os assuntos técnicos comumente são tratados nas reuniões das Comissões, como, por exemplo, da World Comission on National Parks (WCNP) ou na Survival Service Comission, que são realizadas, em geral, imediatamente antes ou após a realização da Assembléia Geral. Todos os membros da IUCN votam, sejam países membros, agências governamentais e as organizações não governamentais. Há uma proporcionalidade de pesos de votos, pois, evidentemente, o voto de um país membro é superior ao voto de uma ONG, por exemplo. Na ocasião, foi eleito o físico indiano Ashok Kosla, presidente de uma associação indiana de crédito e assistência técnica para comunidades rurais.

A reportagem continua: “A disputa se explica: ser presidente da IUCN é um dos postos mais almejados no mundo das ONGs. O cargo confere mais poder para negociar alianças com empresas.” A conclusão é, no mínimo, precipitada. Se cerca de 1.000 países e entidades votam, como a própria matéria conclui, é meio evidente que ninguém ou nenhuma empresa por mais poderosa que seja pode “comprar” todos esses votos.

Se muitos parques nacionais e áreas protegidas existem por aqui, por exemplo, é devido aos aportes financeiros de ONGs do “Norte”, como o Parque Nacional do Grande Sertão Veredas, que foi objeto de uma conversão da dívida externa brasileira, em 2002, com a TNC (The Nature Conservancy) e a Funatura, de dois milhões de dólares, cujos juros vão diretamente para o manejo da área protegida. Há 13 anos o parque é manejado com esta conversão da dívida externa e os recursos  ainda existem para mais sete anos, além de outros recursos de outras fontes e um pouco do ICMBio.

Se existe a Reserva Particular do Patrimônio Natural (RPPN) do Salto Morato, da Fundação O Boticário de Proteção à Natureza (FBPN), também se deve a recursos alocados da TNC para a compra das terras e da própria FBPN para seu manejo e implementação. A RPPN do Vagafogo, na cidade goiana de Pirenópolis, se concretizou com suportes expressivos da WWF e de outras instituições. Quando o Duque de Edimburgo veio ao Brasil foi visitá-la. O SESC da Confederação Nacional do Comércio estabeleceu e maneja a maior RPPN do Brasil, com 106.000 hectares, no Pantanal de Mato Grosso.

Muitas outras ONGs vêm ajudando a conservar áreas no Brasil, como a Conservation International, a WWF, a Mac Arthur, entre tantas outras. Apóiam, ainda, projetos de fauna ou flora silvestres, bem como de sustentabilidade ecológica. Mas, talvez o mais importante, é se concentrar em exemplos brasileiros.

A empresa O Boticário estabeleceu a Fundação O Boticário de Proteção à Natureza há 18 anos. Pelo menos 1% de seu faturamento bruto é destinado anualmente aos mais de mil projetos apoiados pela FBPN. Assim, a empresa já gastou muitos milhões de reais com projetos de conservação da natureza em todo o país. Quem escolhe os projetos a serem apoiados é o Conselho da Fundação, com a maioria dos membros de pessoas externas à empresa, que trabalham na fundação gratuitamente e que jamais foram constrangidos a apoiar o projeto a ou b. Eles são especialistas renomados no país, cada um em sua área de atuação. Poucos sabem, mas é ilegal qualquer conselheiro e qualquer fundação sem fins lucrativos ser remunerado. Os conselheiros trabalham por amor à causa, pelo compromisso que têm com a natureza e com a sociedade em geral.

Empresas financiam, muitas vezes, através de ONGs, museus, hospitais, escolas, esportes, futebol, Carnaval etc. Por que, então, só para o financiamento de conservação da natureza, pensam que estarão livres de obedecer a legislação em vigor? É um absurdo. Além do mais, ONGs, em especial as de conservação da natureza, não detém o poder de substituir a decisão de governos. Quanto muito elas gritam tanto que podem influenciar políticas públicas, principalmente as ditadas pelo Legislativo.

Tampouco fazem lobby de empresas com fichas sujas. Mais esdrúxulo, ainda, é pensar isso no Brasil, onde as ONGs ambientalistas não têm mais do que alguns ou, em casos extraordinários, como o da SOS Mata Atlântica, milhares de sócios ou membros, mas nenhuma delas, no Brasil, sequer chega perto de ter um milhão de membros. Assim, infelizmente, não podem exercer expressiva pressão política.

Pouco sabem aqueles indivíduos que fazem críticas severas às ONGs tradicionais do país e em especial às fundações, que são fiscalizadas pelo Ministério Público. Essa fiscalização é tão rigorosa que muitas vezes impede que pequenas fundações possam continuar a existir. Para associações ou institutos, o manejo é mais flexível, é verdade. Também é verdade que há corruptos em qualquer área de atuação e até em ONGs ambientalistas. Mas é raro. São casos bem isolados. Os Conselhos constituídos por pessoas, em geral, de alto nível intelectual e moral, atestam isso.

Pensar-se, ainda, que o quadro executivo das ONGs ambientalistas remunere muito bem é um desatino. Nos EUA, onde o livro se baseia, acontecem salários bons, mas eles são compatíveis com os mesmos de uma agência multilateral, como o BID ou o Bird. Já fui membro do Conselho da WWF Internacional, da Conservação Internacional, do WRI (do inglês World Resources Institute) e também da IUCN. Nestas ONGs, os salários de seus presidentes-executivos giram em torno de 150 a 200 mil dólares ao ano. Falar-se em milhões de dólares é voar muito alto.

Aqui no Brasil, o salário de seus diretores-executivos é comparado aos dos diretores do Ibama, nos melhores dos casos, ou bem menores, na grande maioria dos casos. Trabalhar aqui em uma ONG conservacionista significa querer fazer algo idealista ou por aspirações políticas, mas não é por dinheiro, de forma alguma.

Outro aspecto que a jornalista Christine MacDonald lança entre suas críticas é que ONGs trabalham para quaisquer governos, sejam eles democratas, ou ditatoriais e/ou corruptos.  O que ela e muitos outros críticos de ONGs precisam aprender é que os parques nacionais e outras áreas protegidas, bem como a fauna silvestre e, em alguns casos, até a flora pertencem ao Estado, ou mesmo quando são bem de uso comum do povo, são pelo Estado administrados e fiscalizados. Assim as ONGs não podem decidir com que partido trabalhar, em países de regime governamental hegemônico, ou, ainda, escolher partidos políticos onde exista democracia. Elas escolheram trabalhar com parques nacionais e/ou com fauna e flora silvestres, portanto têm de lidar com o Poder Público. Quem escolhem partidos são os políticos ou militantes, não funcionários de ONGs ambientalistas, a não ser as de “chapa branca”, que também existem em menor escala.

Empresas poluem mais ou menos quando têm mais ou menos responsabilidade em mitigar os estragos que podem fazer contra a natureza, mas elas aí estão e devem ser conquistadas pelos verdes para melhorarem sua atuação com relação ao nosso meio ambiente. É como qualquer um agricultor ou qualquer um de nós, pois o simples fato de necessitarmos de recursos naturais para o nosso dia a dia, nos faz objetos de interferência aos ecossistemas onde vivemos. Podemos ter mais consciência, gastando menos água ou energia, produzindo menos toneladas de lixo por ano, reciclando o que pode ser reciclado, sendo menos consumistas e assim por diante, mas que usamos os recursos naturais é indiscutível.

Ter-se a civilidade e a disciplina de obedecer a legislação em vigor na área ambiental, ou em qualquer outra é, sim, fundamental para a qualidade de vida de todos. Um cidadão comum quando quer fazer algo pela natureza costuma entrar para uma ONG. É um bom passo e também o é para uma empresa.

A discussão no livro citado é insignificante, não fosse a acusação, explícita ou não, que os verdes se vendem. Além de não ser verdade, este nosso planeta estaria muito pior se não fosse o trabalho e o ideal dos verdes que não se vendem, mesmo em ambientes corruptos em que muitos vivem.

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