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Barack e a revolução de ser presidente

Um Barack Obama presidente do EUA é muita mudança. Mas ele pode fazer muito mais. Tem o combustível renovável da vitória histórica e do sonho que se realiza. Será que o fará?

20 de janeiro de 2009 · 15 anos atrás
  • Sérgio Abranches

    Mestre em Sociologia pela UnB e PhD em Ciência Política pela Universidade de Cornell

Com Barack Obama presidente, os Estados Unidos entram no Século XXI. Troca o pensamento dos anos 60 do século passado, de confronto ideológico e de desprezo ambiental, por uma visão contemporânea, de cooperação global para a paz e para a governança do clima. George W. Bush foi um herdeiro fiel do passado. Suas limitações o fizeram contemporâneo de Dick Cheney, que vinha da equipe de seu pai. Foram oito anos de economia fóssil, de uma superada atitude bélica, de disposição das reservas naturais para o uso da mineração e do petróleo.

Bush censurou a Ciência, manipulou relatórios, negou suas evidências. Obama colocou a Ciência no centro das decisões de seu governo. O primeiro foi o presidente do petróleo e do carvão. O de agora governará com a Ciência. O núcleo definidor das suas políticas públicas será o da energia renovável, que terá no seu comando um Prêmio Nobel de Física, pesquisador avançado de energias alternativas, Steven Chu. Sua diretora da Agência de Proteção Ambiental (EPA, sigla em inglês), Lisa Jackson, na sabatina no Senado, para confirmação de seu nome para o posto, disse que pretende restaurar a Ciência e a lei no comando das decisões da agência ambiental.

Bush foi intimado pela Suprema Corte a obedecer ao Clean Air Act e controlar as emissões de carbono. Obama tem repetidamente manifestado seu respeito pela Ciência. Após um encontro com Al Gore, em que estava também o seu vice, Joe Biden, disse que “nós todos acreditamos no que os cientistas vêm nos dizendo anos a fio, que essa [a mudança climática] é matéria de urgência e de segurança nacional e tem que ser tratada com seriedade”. Seu governo foi montado para ser coerente no campo econômico-ambiental: seus secretários de Energia, Agricultura e Comércio têm as mesmas idéias sobre energia, biocombustíveis, preservação da biodiversidade e mudança climática. De qualquer forma, montou um sistema de governança que concentra poderes de decisão estratégica na Casa Branca e seu desenho mostra, com toda clareza, que energia e mudança climática serão os parâmetros de definição de todas as decisões.

Na antevéspera de sua posse, Obama deu uma entrevista à CNN, carregada de simbolismo. O tema era a recessão econômica e o plano de recuperação. O local, uma fábrica de peças para turbinas eólicas. Nela, ele alerta, novamente, que as coisas vão piorar, antes de melhorar. Que o governo usará o novo pacote de ajuda para gerar ou preservar empregos. Ao se referir à fábrica, diz que “ao mesmo tempo que recuperamos a Economia, devemos lançar as fundações de uma economia do século XXI, de baixo carbono” e dá a empresa como exemplo de um “negócio tradicional [parafusos] que muda para entrar na nova economia sustentável que queremos [peças para turbinas eólicas]”.

Um comentarista da área de energia escreveu recentemente uma carta aberta a Obama, que começava assim: “yes we can, but will we?”, ou “nós podemos, mas nós faremos”? Obama é uma figura revolucionária por sua própria origem e natureza. Um personagem transformador. Como político, é mais moderado e conservador, do que revolucionário. Exceto na política do clima, onde tem dado sinais de que ousará. Mas é impossível os EUA ficarem impassíveis e não mudar com ele na presidência.

Quando um Barack Hussein Obama, que tem uma avó queniana, que fala um dialeto da etnia Luo, casado com uma negra com os quatro costados na negritude oriunda da escravidão, faz o juramento de presidente do Estados Unidos da América, algo muito forte já mudou.

O país irá dormir outro, nesta terça (20) histórica, ao som reminiscente dos canhões da guerra civil, que pôs um termo sangrento à escravidão sanguinária. Relembrando o discurso de Martin Luther King Jr., “eu tenho um sonho”, arrancado de uma oração frustrada e deprimida diante das dificuldades, pela alma de Mahalia Jackson, tão forte quanto a voz com que cantava seus gospels. Vale lembrar: na última hora, John Kennedy pediu a King que não fizesse a manifestação diante do Lincoln Memorial, que o consagraria para a história. Ele resolveu fazer, mas começou sua oração ecoando o Salmo 23: “mesmo que eu ande pelo vale da sombra da morte, não temerei perigo algum…” e seguia por essa vertente sombria, alimentada na decepção, quando Mahalia Jackson o convoca, do fundo do palco, com sua voz grave: “fale do sonho, conte-lhes sobre o sonho”. O pastor levanta os olhos sobre a multidão e para além do vale sombrio, eleva a voz e diz: “I have a dream”, e agita nos negros americanos a visão de um mundo possível, onde um Barack pode ser presidente. Após essa enorme demonstração de força, Kennedy se rendeu e lhe disse: “eu também tenho um sonho”. O sonho, de um Barack na presidência, foi apoiado, desde o início, pelo que restou de seu clã.

Um Barack presidente da América é uma ruptura, uma mudança de rumo na história. É a vitória da diversidade sobre o racismo. Um Barack-quase-presidente que sorri confiante, quando Bono Vox diz que sua vitória é americana, irlandesa, muçulmana, aos pés dos “founding fathers”, dos “pais da Nação”, já é uma transformação política em si e para si.

O racismo não morreu. Mas o monopólio branco do poder acaba quando Barack jura executar fielmente os deveres de Presidente dos Estados Unidos da América, com a mão sobre a bíblia, diante do presidente branco e conservador da Suprema Corte.

Este poder da diversidade, o apelo da ruptura anunciada, estiveram presentes durante as duas campanhas de Obama, nas primárias e contra John McCain. O carisma da ruptura já realizada estava na celebração multirracial de sua vitória e no show em sua homenagem no Lincoln Memorial, no domingo antes da posse, quando, olhando para o lago que se estende em frente do monumento e diante do qual King lançou seu sonho, ele fez questão de lembrar que era um negro que se preparava para tomar posse como presidente e realizar, finalmente, o sonho da igualdade de oportunidades. Não foi por acaso que refez o trajeto de Lincoln, de trem, até Washington. A guerra civil não foi em vão, acabou com a escravidão e terminou por permitir essa vitória da diversidade, ainda que tardia.

Esse combustível é renovável e estará disponível para mover a máquina das mudanças, se Obama quiser ligá-la. E tudo indica que vai querer, principalmente no meio ambiente e na política de governança do clima, doméstica e globalmente. Alguém duvida que promoverá ou incentivará mudanças sociais, sobretudo nas relações raciais e nos padrões de tolerância na convivência entre diversos em seu país?

Não bastasse o desafio de carregar uma luta secular, travada boa parte do tempo no vale da sombra da morte, esse Barack negro, meio queniano, terá que enfrentar a maior crise econômica e financeira do país, desde 1929. Uma crise que ainda não atingiu seu ápice. O olho do furacão passará por sua administração. E ele quer responder “lançando as fundações da economia do século XXI”.

Ele pode não pode mudar tudo e tem dito isso. Mas pode tentar mudar o máximo possível e tem prometido isso. Tem repetido que vai liderar a ruptura do impasse na política global do clima. Vai mudar o padrão energético dos EUA. Vai criar empregos verdes aos milhões. Quer a paz.

Por que não? Ele já mudou o padrão racial da presidência da “América”. Quebrou tantos padrões. Foi o primeiro em tantas coisas. Ele pode. Ele fará?

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