O Corredor Ecológico do Muriqui tem boas notícias sobre a Mata Atlântica, assunto que há 500 anos o Brasil condena à lamúria. Trata-se de um projeto para recompor um quebra-cabeças de 240 mil hectares na crista da serra fluminense, unindo os parques estaduais do Desengano e dos Três Picos. Hoje eles estão separados por seis municípios e 70 quilômetros de retalhos florestais descontínuos, num mar de capinzais estéreis. Integra um mosaico de fragmentos que, hipoteticamente, coroa 12,6 milhões de hectares da cordilheira que vai do Rio de Janeiro ao Paraná.
Quem conhece o interior do Rio de Janeiro custa a acreditar nessas histórias, por mais que elas se repitam em reportagens e discursos. São regiões que praticamente acabaram com suas florestas, exceto as entrincheiradas em encostas inacessíveis. E nem assim se livraram da indústria artesanal do carvão vegetal, que abastece as olarias no nordeste do estado.
Favela e olaria
Essas fábricas de tijolos alimentam as favelas nas cidades à custa do desmatamento clandestino que patrocinam no campo, sustentando o trabalho bruto dos carvoeiros – gente para lá de pobre, disposta a subir encostas quase a pino e acampar em capoeiras que parecem fora do alcance de suas mulas ou seus machados, para queimá-las. Tudo por caraminguás
Diante de uma economia que se organizou tão bem para devastar, fica difícil entender aonde querem chegar o Corredor do Muriqui e seus congêneres na Serra do Mar, até que André Guimarães, diretor executivo do Instituto BioAtlântica e gestor do projeto, abre a boca para defendê-los, com verve treinada em curso de MBA. Cabe-lhe convencer fazendeiros, sitiantes, hoteleiros e prefeitos a fazer parques ou reservas particulares nos fundos de suas terras.
Há cinco mil propriedades rurais em volta do eixo florestal que Guimarães pretende remendar. A maioria tem, no máximo, 50 hectares. E, no mínimo, graves problemas de regularização fundiária, que um reflorestamentozinho poderia resolver. Mas o grande aliado do corredor é a topografia daquele trecho da Serra do Mar, tão escarpada que, a rigor, nunca serviu mesmo para boi – ou cabra. É lugar mesmo de muriqui, macaco quase extinto, que vive de preferência em florestas acima dos 600 metros.
Esse trunfo geológico, sólido como rocha, o projeto tem de sobra. O argumento sempre esteve ali, dando sopa, oferecendo-se de graça a proprietários que nem por isso desistiram de abrir pastos morro acima até onde a enxada alcança, e isso é muito além do ponto a partir do qual o gado bufa na subida e o solo ronca ladeira abaixo nas enxurradas.
Nas montanhas do Rio de Janeiro, o que se costuma chamar de paisagem leva a marca dessa teimosia histórica. Só que agora ela estará diante de uma nova tentação, em forma de assistência técnica e jurídica para assentar suas cercas sobre títulos legalizados. Vinte e tantos proprietários já aceitaram a ajuda do BioAtlântica para registrar suas RPPNs. Se os fiscais apertarem de um lado e o instituto acenar com a saída do outro, pode ser que agora o reflorestamento tenha uma chance.
Notícia boa, quando dá para ser convincente, toca um fio qualquer de lembranças pessoais, ressoando como nota em bojo de viola. A conversa de Guimarães foi bater diretamente em velhas memórias de uma fazenda em Trajano de Moraes, coisa de 40 e tantos anos. Era do tempo em que as fazendas do estado do Rio tinham matas para toda obra.
A sua ficava no alto de uma trilha tão íngreme, que as batatas das pernas não se esqueceram da escalada até hoje. A água da casa vinha de lá, por aqueduto. Quando precisava de madeira, o fazendeiro rolava pela vertente os troncos que as juntas de boi iam buscar a meia encosta. Era parte inseparável da vida na fazenda. Mas só olhando para trás se enxerga que ela só estava de pé por ser quase inacessível.
Trajano de Moraes fica agora no Corredor do Muriqui. Mas a tal mata ninguém mais sabia dizer aonde fora parar, numa viagem feita para revê-la poucos anos atrás. Parece que, em seu caso, o socorro não chegou a tempo.
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