Quando há cinco anos Marcos Sá Correa, um jornalista que eu admirava muito, mas que não conhecia muito bem pessoalmente, me convidou para escrever para o O Eco, fiquei embasbacada. Gostei da idéia do jornal virtual, pouco explicada por ele e eu tive medo de fazer muitas perguntas, mas não acreditava que poderia manter uma coluna, pois não era meu negócio. Ele sabe incentivar as pessoas e com certeza usou do mesmo argumento para conseguir outros colunistas.
Eu que já havia encarado o regime militar e ajudado a instituir o sistema de unidades de conservação em uma época muito difícil, e tinha conseguido que o almirante Ibsen de Gusmão Câmara fosse um dos meus melhores amigos e parceiros na luta pela conservação da natureza, bem como outros especialistas e colegas; eu que chorei perante autoridades e imprensa quando da criação da primeira Reserva Biológica na Amazônia, a de Trombetas, no Pará; eu que comprava todas as brigas possíveis e imagináveis para defender as áreas protegidas, por dever de ofício; que tive a felicidade de começar o Projeto TAMAR, o CEMAVE e o projeto peixe boi; que sai do sistema de unidades de conservação quando, no governo Figueiredo, se autorizou a construção de uma estrada cortando o Parque Nacional do Araguaia, em fragrante desrespeito à opinião do Departamento de Parques Nacionais, como poderia estar com tanto receio de me tornar uma colunista do O Eco? Assim fui em frente.
Escrevi o que quis e como quis principalmente em defesa dos Parques Nacionais e outras áreas protegidas. Critiquei políticas públicas, pessoas públicas, chefes de governo, empresas particulares, sem nenhuma censura. Elogiei algumas iniciativas, alguns Parques Nacionais e algumas ONGs. Poucos elogios e muitas críticas.
Tendo trabalhado toda minha vida com unidades de conservação e fauna silvestre eu andava bem revoltada com os acontecimentos na área ambiental, assim sendo O Eco foi a minha válvula de escape, pois fui evidentemente colocada na geladeira pelos governos.
Havia muito que se criticar nos últimos cinco anos sobre a situação da área ambiental. Nunca antes o Brasil assistira a tantos absurdos e desmandos, com relação ao uso dos nossos recursos naturais. A situação muitas vezes parece contraditória, pois é inegável que se estabeleceram muitas unidades de conservação da natureza, principalmente na Amazônia e outras, bem poucas na verdade, no “resto do país” onde se situam os biomas mais ameaçados como Mata Atlântica, Caatinga, Pampas, Araucárias e Cerrado. O Brasil possui cerca de 80 milhões de hectares, ou seja, 9% de sua extensão territorial em unidades de conservação, sendo 47% de uso indireto dos recursos naturais, ou seja, de proteção integral, e 57% de uso sustentável, ou de uso direto dos recursos naturais. Mais importante talvez seja dizer que embora o volume de milhões de hectares de áreas protegidas tenha aumentado como nunca antes, elas se encontram praticamente abandonadas, como demonstram estudos já publicados. Em 2004 o país aplicava U$ 0,08 por hectare e possuía 3,8 funcionários para 1.000km2, enquanto a média mundial gira em torno de 27 funcionários por 1.000km2. De 2004 até hoje a situação não mudou muito. Ao contrário, piorou. Muitas unidades de conservação foram reduzidas, muitas tiveram suas categorias prévias de manejo mudadas para categorias menos restritivas.
Talvez, ainda, o que mais assuste é a inegável vontade política de se mudar para pior o Código Florestal brasileiro, que vem sendo deturpado em seu conceito original, qual seja o de se proteger os serviços ambientais decorrentes de unidades de conservação, APPs e Reservas Legais. A tal ponto a situação é crítica que um estado, o de Santa Catarina, aprovou seu Código Ambiental, em fragrante desrespeito à lei federal que dispõe sobre o assunto.
Não se tem mais receio político de se mudar critérios básicos com relação às áreas protegidas. Se aceita as APPs como parte das reservas legais. Permite-se, em nome do aspecto social, a exploração direta de recursos naturais, onde, a meu ver, deveriam ser protegidos, através de resoluções do CONAMA, ou de órgãos similares no nível estadual e municipal. Vão comendo pouco a pouco áreas antes protegidas por decretos como unidades de conservação de proteção integral e se permite, nas de uso sustentável, de tudo, desde agricultura, pecuária, mineração, hidroelétricas, estradas e a extração incontrolada de recursos naturais.
Talvez o mais sério no momento no país é que, ao longo destes anos, não formamos grandes especialistas em biologia da conservação nos órgãos ambientais. A maioria deles, embora seja só de alguns indivíduos, está nas universidades. Também não temos líderes carismáticos brigando pelo meio ambiente na área política. Fala-se muito sobre o assunto e em geral fala-se e faz-se muitas bobagens por absoluto desconhecimento.
A área ambiental é a base para o desenvolvimento social e econômico de um país e o nosso querido PAC desconsiderou a conservação da natureza e a área ambiental sem pejo.
Os desastres ambientais se sucedem celeremente, em especial aqueles relacionados às mudanças climáticas e são visíveis e perceptíveis pela população que sofre as suas conseqüências, ao mesmo tempo em que se continua queimando a Amazônia, inundando, destruindo ecossistemas, usando os bicombustíveis como a panacéia para todos os males e se pesquisando muito pouco, quase nada.
E não criamos adeptos suficientes para defender a natureza deste país. Divulgar e informar corretamente o que vem acontecendo, como faz OECO é uma forma de ajudar a envolver mais nossos leitores e de criar entre eles uma conscientização que é muito urgente.
Manter a qualidade e a isenção do OECO não tem sido fácil. Muitas pessoas ajudaram e ajudam porque acreditam na sua importância, mesmo aquelas que já estão desiludidas com a situação ambiental no Brasil. Felizes daqueles que ainda ajudarão o OECO a crescer e a permanecer vivo para benefício de toda informação fidedigna. Eles serão sempre lembrados no futuro, com inspiração quiçá de seu principal mentor e do nosso querido Euclides da Cunha, baluarte do jornalismo ambiental, bem lembrado por coluna de Marcos Sá Correa.
O Eco foi e é um instrumento fundamental de informação e conscientização ambiental. Poucos instrumentos da mídia nacional são tão completos e responsáveis em defender a conservação da natureza. Parabéns para todos os integrantes do jornal e leitores. Vamos continuar a manter este veículo no ar e a prosperar, cada vez mais. É um pouco do que cada um de nós pode fazer em benefício de nossa ainda enorme biodiversidade. Mas é muito mais do que simplesmente não fazer nada.
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