O país perdeu tanto tempo vendo os presidentes Lula e Ahmadinejad torturarem intérpretes para abrir a conexão português-inglês-farsi, que não deu a mínima a um visitante muito mais exótico, que andou por aqui quase ao mesmo tempo que o iraniano. No caso, o primeiro-ministro do Butão Lyongpo Jigme Thinley. Ele sim, tinha assunto para encher jornais, pelo menos nos segundos cadernos. Convidado a testar em Foz do Iguaçu um carro elétrico desenvolvido pela Fiat em parceria com Itaipu, pegou o volante na sede da usina e só o largou na sede do hotel.
Em outas palavras, sem ter nada a esconder, divertiu-se placidamente. Almoçou no bandejão classe A da empresa. Adorou o canal da piracema, que promove a migração de peixes através da barragem. Passeou pela hidrelétrica, alegando que, dispondo de água a rodo, um dos pratos fortes da exportação butanesa é a energia que vende à Índia e à China. No hotel Rafain, deslizando entre o elevador e o saguão de quimono de seda e sandálias no pé, dava a impressão de estar sempre lançando a última palavra em moda para sauna ou piscina.
Mas ele veio ao Brasil ensinar como se administra um país pelos preceitos da Felicidade Interna Bruta. A idéia brotou anos atrás de uma das monarquias mais isoladas da terra. O Butão não passa de um país com pouco mais de 38 mil quilômetros quadrados, enrugado por montanhas com mais de sete mil metros de altitude e coberto florestas originais em quase 65% de seu território. É habitado por raridades, como o leopardo das neves, elefantes asiáticos, mais de 50 espécies de rododendros e 700 de pássaros e orquídeas inumeráveis. Mas tem menos de 700 mil habitantes.
É o cenário da moda. Buthan, a Visual Odyssey, de Michael Hawlley, mereceu uma edição de luxo com 58 quilos de peso, 40 mil fotografias e as dimensões de uma mesa para seis comensais. Sai por 30 mil dólares. Mas tem versão barata, por 50. Dizem que foi de lá que no século passado o escritor inglês o escritor inglês James Hilton tirou a idéia de Xangrilá.
O fato é que tudo o que se imagina do Nepal o Butão tem. Menos turismo de massa. Em 2008, ele acolheu 21 mil turistas, que só podem visitá-lo pelas mãos de um guia da agência oficial. A televisão e a internet só entraram legalmente no país há uma década, e com recomendações de uso moderado. Sua economia não é lá essas coisas. A moeda local se ancora na rúpia indiana. Sua principal indústria é a produção artesanal de peças religiosas. Suas relações diplomáticas com os Estados Unidos, a Rússia e outras potências se fazem via Nova Déli.
O Butão tem uma longa história de guerras, golpes e até impeachments monárquicos. Mas anda cada vez mais quieto. Sua Felicidade Interna Bruta está entregue a um rei que ainda não fez 30 anos. E a um conselho que aplica a receita da FIB a partir de 72 indicadores sociais, onde têm peso o tempo de lazer de cada cidadão e sua bem-aventurança ambiental – reduzido a um decálogo de exportação por seu apóstolo internacional Laurence Brahm. O fato é que, lá, o noticiário policial, à falta de assuntos mais trepidantes, registra queixa de vizinhos por briga de cachorros.
Quando o FIB surgiu, o jornal Financial Times tratou-o como o roteiro de uma viagem mística em marcha a ré. Mas ultimamente as pesquisas de opinião pública atestam que só 3% dos butaneses se declaram infelizes. Há três anos, a revista Business Week, apoiada numa enquete da universidade de Berkeley, pôs o Butão estava num honroso oitavo lugar entre os países mais felizes do mundo. Perdia para a Dinamarca, a Finlândia e a Suécia, sem dúvida. Mas, até na categoria dos reinos-encantados, ganhava de Luxemburgo. As economias mais fortes do mundo, montadas em PIBs gigantescos, vinham muito atrás, comendo a poeira do crescimento acelerado, que na época elas mesmas levantavam.
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