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Caos quer dizer chuva forte

Com o Rio encurralado pela chuva, saber que o Jardim Botânico está fazendo um Museo do Meio Ambiente é um verdadeiro brinde.

14 de abril de 2010 · 15 anos atrás
  • Marcos Sá Corrêa

    Jornalista e fotógrafo. Formou-se em História e escreve na revista Piauí e no jornal O Estado de S. Paulo. Foi editor de Veja...

Na entrada do Jardim Botânico, o porteiro informa que o arboreto está “interditado”. A palavra, no meio de uma semana em que a chuva derreteu meio Rio de Janeiro, soa mais peremptória do que nunca. Mas é só dizer que se trata de uma audiência com o presidente Liszt Vieira e a passagem se escancara. Ainda há providências nesta terra que nunca falham. Uma delas é invocar um nome de autoridade, na hora certa. A presidência do instituto de pesquisas fica no fundo do parque. É preciso atravessá-lo a pé. E ele parece ainda melhor assim, vazio e sereno, com a vegetação expondo nas alamedas sob o cinza das nuvens seu verde recém lavado. Sem contar a oportunidade de testar, em condições extremas, a mistura de solo com cimento que pavimentou o caminho para o bicentenário do Jardim Botânico, dois anos atrás. Estava quase seco, sem uma poça de lama.

Nada como estar lá dentro assim, sozinho num espaço público em estado impecável, enquanto lá fora as manchetes proclamam, mais uma vez, o “caos” da cidade. “Caos” virou sinônimo de enchente nos jornais cariocas. Soa alarmista. Mas trás em sua bagagem semântica o souvenir da mixórdia primordial que deu origem ao mundo.

No caso, talvez anuncie o começo do governo Eduardo Paes, ou ninguém agüentaria mais um ano de sua interminável festa de posse. Rotina de prefeito implica alguma queda para a chatura. O dom de aturar calado o limpa daqui, remenda de lá, porque Copas do Mundo e Jogos Olímpicos que só acontecem de vez em quando.

Liszt Vieira dá o exemplo. Em pleno “caos”, está às voltas com o futuro Museu do Meio Ambiente. Trata-se de projeto grande, com 800 metros de área construída e oito mil metros quadrados de jardins. A se erguer diante da rua onde, na terça-feira passada, corrua a enxurrada barrenta, roçando a borda de seus muros. Ficará na rota das 600 mil pessoas que visitam por ano o Jardim Botânico, oferecendo-lhes a chance de passear virtualmente pelo universo, antes de zanzar no arboreto.

O Instituto dos Arquitetos do Brasil escolherá em maio, por concurso, o traçado do museu, entre mais de 140 propostas. Mas sua ficha ambiental o Jardim Botânico já definiu, Quer ter o primeiro prédio “verde” do Rio de Janeiro. Ou seja, limpo, vivendo do sol, gerando a própria energia e reciclando matérias como uma planta.

É estranho ver “museu” e “meio ambiente” andando juntos, numa hora em que o Rio de Janeiro quase perdeu na Casa do Pontal a coleção de arte popular brasileira que o francês Jacques Van de Beuque juntou por conta própria em meio século de andanças pelo país, instalou com toda a largueza no Recreio dos Bandeirantes e entregou de mão beijada ao patrimônio público.

Suas oito mil peças só não se perderam esta semana porque, com o museu ilhado, os funcionários foram até lá com água pelos joelhos, para empilhar no segundo andar, enquanto era tempo, o que a água começava a lamber nas galerias do térreo. Toda essa trabalheira para salvar o acervo de uma cidade que jamais ouviu os apelos da Casa do Pontal para desobstruir o córrego e o canal que lhe cercam o terreno.

Ou seja, o Rio de Janeiro não sabe cuidar de museu nem de meio ambiente. Mas, por obra e graça do Jardim Botânico, está prestes a ganhar as duas coisas de uma só vez. E assim não há chuva que acabe com ele.

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