“Não existem parques nacionais em Trinidad e Tobago”. A afirmação categórica é feita por Lawrence “Snake” o mais requisitado guia de ecoturismo do país. “Para quê?”, emenda, “desde 2002 temos um Ministério do Meio Ambiente e Utilidades Públicas. Possuimos uma variedade de outros tipos de áreas protegidas: reservas florestais, santuários de fauna, santuários de caça, monumentos naturais, e até áreas de acesso proibido, mas parques nacionais no modelo dos americanos não”.
“A Divisão Florestal é quem administra isso tudo. Eles exploram a madeira mas também asseguram a proteção da natureza. Na Divisão Florestal eles executam programas de educação ambiental para as escolas e também há guardas-parques. A Lei lhes dá poder para garantir que nossas florestas não serão desmatadas. Além do mais não precisa, nosso povo vive em comunhão com a NATUREZA.” Embora Lawrence estivesse falando e não escrevendo, tenho certeza que a palavra “natureza”, saiu assim mesmo, em caixa-alta, acho mesmo que foi mais que isso, veio também em negrito e sublinhada.
Não há dúvidas que a mata litorânea, na Reserva Florestal de Blanchisseuse pela qual estamos caminhando, é superlativa. Tudo ali impressiona, o tamanho das folhas, a imponência das figueiras, a profusão das orquídeas, a limpidez cristalina de rios e córregos e as paisagens hollywoodianas (ou seriam caribenhas?). Também impressiona o fato de que, apesar do início da trilha estar há menos de quarenta minutos da capital Porto Espanha, depois de duas horas andando ainda não tínhamos encontrado ninguém na trilha. A vegetação parece ser primária, não se identificam espécies exóticas e tudo parece estar em seu lugar. Mais uma hora de marcha, com muitas interrupções para fotografias, e chegamos ao destino; as Cachoeiras de Paria. Ali, finalmente deparamos com uma alma viva. Um rastafari saído diretamente de Jah! Feliz, nos ofereceu água de coco (êpa, olha a exótica aí!) que bebemos felizes.
Certamente nosso amigo estava bem integrado com a natureza, mas será mesmo essa a índole dos trinitinos? O bom senso induz a crer que não. Trinidad é um país relativamente rico. Sua renda per capita, de US$ 23.100, é mais que o dobro da brasileira. As exportações superam em muito as importações e a economia é forte. Diferentemente dos vizinhos caribenhos, Trinidad não depende do turismo e a agricultura responde por meros 0,5% do produto interno bruto, cujo carro chefe é a indústria, que gera quase 60% da riqueza nacional. Petróleo e Gás natural representam 40% da economia, mas os setores cimenteiro, de aço, e do processamento de alimentos e bebidas também são robustos.
Ademais, com 5.128 km2 a ilha é uma das maiores do Caribe não hispânico. O centro de Trinidad é plano e fértil. Ali concentra-se a agricultura, que ocupa cerca de 14% da área insular. A conta fecha. Quase não há miseráveis. O milhão e trezentos mil trinitinos e tobaguineses, divididos quase igualmente entre os que têm origem africana e os que são de ancestralidade indiana, são essencialmente de classe média. No outro extremo, quase não há milionários. Em geral, cada família tem sua casa própria, seu carro e as crianças estão na escola. Enfim, parecem ser um povo feliz e bem resolvido.
Nesses termos, prá quê desmatar a Costa Norte, onde fica a Reserva de Blanchisseuse e quase todo o resto da cobertura vegetal em bom estado do país? É um naco de terra sem estradas, chuvoso, corrugado por um relevo muito acindentado, onde avultam montanhas escarpadas. Não faz sentido, não é mesmo? Está tudo muito bem, está tudo muito bom, mas experimente tirar o petróleo da equação e olhe o que vai acontecer (eu, aliás, prefiro nem ver).
A caminhada termina após cinco horas de puro extase. Estou muito bem impressionado com as matas de Trinidad. Mesmo assim, antes de ir embora argumento uma última vez com Lawrence Snake “Se a Lei trinitina determina que Cabe ao Estado a responsabilidade para proteger em perpetuidade as áreas do país que representam exemplos significativos do patrimônio natural da Nação, de maneira judiciosa e por meios que os manterão inalterados para o benifício das gerações futuras, quem sabe não seja a hora de retirar uma fatia dos ganhos do petróleo e começar a estabelecer Parques Nacionais – para usar as próprias palavras do meu guia- no modelo americano (nem sempre imitar os gringos é uma má idéia!)”. Ele me respondeu com um singelo “talvez”. Acho que não se convenceu muito. Espero que seu entusiasmo seja mais realista que o meu ceticismo. A Floresta trinitina merece permanecer exatamente como está!
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