De Maria Buchinger a Marina Silva, passando por Alícia Bárcena, Barbara d`Achylle, Maria Tereza Jorge Pádua, Júlia Carabias-Lillo, Margarita Marino de Botero, Yolanda Kakabadse, Neca Marcovaldi, Rosa Villamayor, Mariela Leo, Niede Guidon, Rosalía Arteaga, Cecília de Blohm, Sônia Wiedman e, claro, de muitas mais, foi se construindo a história ambiental da América Latina, com seus sucessos e suas derrotas, que demasiadas vezes é vista ou relatada como coisa de homens. Mas não é assim, como se menciona nesta homenagem a algumas delas.
Em 1964, recém graduado, porém imbuído da responsabilidade de desenvolver o tema dos parques e reservas naturais e de manejo de fauna, fui informado da visita de uma dama famosa, que poderia ajudar a conseguir os recursos que precisávamos para desenvolver o incipiente programa de manejo de vicunhas. E, com efeito, chegou a Dra. Maria Buchinger, argentina de origem russa, mulher impressionante pela veemência que, obviamente, resolveu prontamente os nossos problemas. Maria, que então era líder indiscutível da nascente sociedade civil washingtoniana preocupada com a natureza na América Latina foi, por longo tempo, a madrinha de praticamente todas as iniciativas ambientais pioneiras nessa região. Na atualidade, a mulher mais famosa da América Latina em grande parte pela sua dedicação ao meio ambiente é, evidentemente, a brasileira Marina Silva. Sua vida é bem conhecida, da miséria do seringal perdido no interior do Acre até sua ascensão a senadora, ministra do Meio Ambiente e agora, candidata à Presidência da República. Pode-se criticar muita coisa com relação à obra de Marina Silva, mas, o que é impossível é desconhecer a legitimidade e a integridade que impregnam todas as suas ações e que fazem que ela seja tão respeitada por todos. É possível que sua contribuição mais importante seja ter elevado o debate ambiental no mais alto nível político e com sua linguagem simples, contundente e emotiva, ter chegado ao coração e à mente do povo. Marina foi substituída no Ministério por outra mulher, Izabela Teixeira, que é uma ambientalista destacada de longa data.
Outras mulheres precederam o caminho de Marina Silva na política dos seus países. Dentre elas as equatorianas Yolanda Kakabadse e Rosália Arteaga. Yolanda, com uma vida dedicada ao tema ambiental, presidiu a Fundação Natura, a mais importante do Equador, foi ministra de meio ambiente e, dentre muitos outros cargos, foi Presidente da União Internacional para a Conservação da Natureza (UICN), a principal organização mundial neste campo. Yolanda bateu dois recordes simultaneamente: ser a primeira mulher que presidiu a UICN e ser também a primeira latino-americana no cargo. Atualmente ela é presidente do Fundo Mundial para a Natureza (WWF). Rosália, que foi vice-presidente e também, brevemente, Presidente da República, ingressou no tema ambiental dirigindo a Organização do Tratado de Cooperação Amazônico.
Do México deve se mencionar a Alícia Bárcena, que foi subsecretaria de meio ambiente (vice-ministra) do seu país e que, dentre muitas outras funções, foi responsável por esse tema na Comissão Econômica para a América Latina (CEPAL) e que desde 2006 é nada menos que subsecretaria geral da ONU. Em 2009 seu país a designou a “Mulher do Ano”. Também mexicana é Júlia Carabias-Lillo, secretária de recursos naturais e pesca e também pesquisadora reconhecida assim como destacadíssima participante em múltiplos foros internacionais.
A expressiva colombiana Margarita Marino de Botero foi presidente do Inderena e fundou o Colégio Villa de Leyva, uma instituição dedicada à formação ambiental. Ela foi também musa da Comissão Brüntland que preparou o famoso relatório “Nosso Futuro Comum” que precedeu a Conferência das Nações Unidas sobre ambiente e desenvolvimento, celebrada em 1992 no Rio de Janeiro. Outra colombiana, Cláudia Martínez, foi vice-ministra do meio ambiente e, também vice-presidente para o desenvolvimento sustentável da Corporação Andina de Fomento. No Brasil, outra personagem muito conhecida neste caso pelo seu trabalho na área sócio-ambiental, é Mary Allegretti, que inclusive foi secretária federal para a Amazônia. No Paraguai se destaca Rosa Villamayor, que foi subsecretária de ambiente após décadas de luta intensa por melhorar o trato aos recursos naturais a partir de organizações não-governamentais.
Nem todas as mulheres que ocuparam os mais altos cargos públicos relativos ao meio ambiente receberam aplausos unânimes. Muitas foram merecida ou imerecidamente criticadas, o que é normal quando se exercem funções que acima da vocação de servir e de melhorar o ambiente e conservar o patrimônio natural têm alto conteúdo político e, às vezes, partidário. Mas, em geral, suas contribuições foram muito importantes e marcantes, goste-se ou não do que fizeram. O único caso que merece ser citado por ser uma exceção foi o da política argentina Maria Julia Alsogaray, cuja gestão como ministra do meio ambiente do Presidente Menem foi propriamente dita como escandalosamente ruim.
Outras mulheres tiveram mais inclinação pela gestão direta e o trabalho no campo. Delas destaca-se a brasileira Maria Tereza Jorge Pádua, a minha esposa, que sendo jovem diretora dos parques nacionais e reservas equivalentes foi diretamente responsável pelo estabelecimento de muitas das mais importantes unidades de conservação do Brasil e que, dentre outras proezas, foi gestora dos bem sucedidos programas de conservação das tartarugas marinhas e peixe-boi. A ela se deve o excepcional trabalho ambiental desenvolvido pela Companhia Energética de São Paulo e, assim mesmo, as primeiras experiências brasileiras de gestão de unidades de conservação mediante organizações não-governamentais. Ela foi, ainda, secretária geral e presidente do Ibama e fundadora de Funatura, uma das mais importantes entidades privadas dedicadas ao Cerrado. Outras duas mulheres também presidiram o Ibama: Tânia Munhoz, durante um longo e frutífero período, e Marília Marreco.
Na linha de ação no terreno se insere também a peruana Mariela Leo, que passou décadas trabalhando no mato pesquisando a biologia de espécies da fauna amazônica, especialmente do mono de cauda amarela e ainda lutando pela sua conservação no terreno, a partir da associação civil Apeco, que ela contribuiu para criar e da qual tem sido presidente. A brasileira Neca Marcovaldi é outro exemplo de dedicação à causa ambiental, tendo construído e defendido no mar e nos foros o já mencionado projeto da tartaruga marinha. Ela soube conjugar seu trabalho de campo com uma administração inteligente que fez deste projeto um sucesso de ressonância mundial. O Brasil também dá o exemplo extraordinário da arqueóloga Niede Guidon que além de revelar ao mundo fatos extraordinários sobre a história das Américas foi promotora de um parque nacional estupendamente manejado e do desenvolvimento social e econômico de uma das regiões mais pobres do país. E, dentro deste grupo, que combina o trabalho de campo com a teoria, deve se citar a advogada brasileira Sônia Wiedman que tanto se destacou dirigindo turmas para fazer planos de manejo e outros duros trabalhos de campo, como por suas sofisticadas análises e apresentações como procuradora geral do Ibama.
O jornalismo ambiental latino-americano teve pelo menos uma heroína inesquecível pela qualidade do seu trabalho e pelo seu compromisso com o tema e com a veracidade. Ela foi a peruana Barbara d`Achylle, cujas crônicas ambientais no jornal El Comercio de Lima são inesquecíveis. Ela foi absurdamente massacrada, apedrejada, pelos terroristas do infame Sendero Luminoso, enquanto cobria uma reportagem sobre as vicunhas.
Uma lista mais completa de mulheres que lutaram e lutam pela melhoria do ambiente dos seus países deve incluir a venezuelana Cecília de Blohm, que foi pioneira da participação da sociedade civil em temas ambientais; as brasileiras Suzana Pádua (principalmente para a educação ambiental) e Ângela Tresinari (dedicada às áreas protegidas); as peruanas Patricia Majluf (pesquisa e conservação dos recursos marinhos) e Lily Rodríguez (especialista mundial em batráquios e impulsora de áreas protegidas na Amazônia); a equatoriana Helena Landázuri (uma das gestoras da Fundação Natura) e a muitas outras. Todavia, o espaço não é suficiente para falar de todas.
O que fica evidente é que são muitas mulheres destacadas, muito mais do que em geral se imagina, e que deixaram marcas indeléveis. Não há estatísticas sobre a proporção de cargos de ministros e vice-ministros de meio ambiente que nos últimos anos corresponderam a mulheres, mas é óbvio que a participação feminina foi muito elevada. Menos ainda há estatísticas da influência de mulheres sobre as grandes obras e fatos ambientais na região, sejam estas leis e decisões importantes, instituições, novas unidades de conservação, conhecimento cientifico para a conservação da natureza ou educação. O que não se duvida é que o aporte feminino é enorme e a cada dia maior.
Algumas nasceram muito pobres, outras sempre pertenceram às classes dominantes. Algumas foram premiadas, por exemplo, duas delas receberam o Prêmio Getty. Outras nunca foram distinguidas no nível internacional. Nem todas as mulheres citadas tiveram o mesmo nível de compromisso com a causa ambiental. Algumas trabalharam e trabalham ainda somente para a causa e nunca se desviaram dela. Outras serviram a essa causa, mas também a outras. Neste artigo se mencionam apenas e a título de preâmbulo alguns feitos destacados sobre essas mulheres. De fato, o que foi mencionado sobre cada uma delas nem chega a ser uma mostra do que realmente elas fizeram para legar um mundo melhor aos latino-americanos. Cada uma delas merece um artigo completo e porque muitas delas são famosas, esses artigos já existem. Convido os leitores a se informar mais sobre elas. Eu tive o extraordinário privilégio de conhecer todas as mulheres citadas aqui. Mas reconheço que as mencionadas são apenas algumas das muitas que deveriam ser mais e melhor lembradas quando se fala ou se escreve sobre o tema ambiental.
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