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Não dá para neutralizar o carbono do nosso consumo

É tentadora a ideia de que podemos consumir desde que compensemos o carbono gerado na produção. Só tem um problema, essa solução é falsa

27 de março de 2012 · 13 anos atrás
  • Gustavo Geiser

    Engenheiro agrônomo com mestrado em Agroecossistemas pela Universidade Federal de Santa Catarina, trabalha na Polícia Federal...

Crianças plantam uma árvore. Bela cena, mas inútil se o objetivo for salvar o mundo do carbono que o nosso consumo produz. Foto: Mosman Council.

Tenho discutido bastante acerca do problema do carbono, geralmente voltado para a questão da emissão, em especial devido às queimadas e desmatamentos, que tanto combatemos. Mas um assunto que parece ainda mais distante, e menos comentado, é a questão do nosso consumo. Será que dá para neutralizar o carbono que ele gera? O consumo não seria nocivo se fosse “sustentável”, ou seja, se não prejudicasse as condições de vida no planeta. A compensação das emissões de carbono é a saída óbvia para o problema. Mas analisando essa direção, concluí que ela é impossível.

Com a calculadora ((o))eco, acabei de estimar minhas emissões de carbono. Apenas meu transporte rodoviário fica em 4,46 toneladas de carbono anuais. Para neutralizá-lo, deveria plantar 455 árvores, segundo essa conta.

Não sei qual é a base de cálculo para as árvores nessa calculadora, mas, considerando a forma mais adensada de se plantar árvores, que é um eucaliptal de espaçamento mínimo de 3 x 2 metros, concluo que tenho que arranjar 2.700 metros quadrados, todo ano, para colocar, de forma irrevogável, o carbono que despejo na atmosfera através apenas do uso do meu carro. Isso sem contar minha alimentação, consumo diverso e as viagens de avião, a trabalho ou de férias.

Que fique bem claro neste raciocínio que não estou falando apenas do sequestro de carbono, mas da manutenção desse carbono permanentemente, sem que retorne à atmosfera. Ou seja, a floresta não deve ser em nenhum momento suprimida.

Bom, vamos lá, falaram que preciso compensar minhas emissões, então vamos fazê-lo. De cara, preciso de área que não esteja coberta por florestas e que esteja apta ao plantio das minhas árvores compensadeiras.

Tudo bem, temos cerca de 1,5 bilhão de hectares agricultados no mundo, e mais de 3 bilhões de hectares de pastagens.  Arrumemos área, consigo facilmente comprar áreas de pastagens pouco produtivas, no norte ou centro-oeste, para esse fim. E aí? Durmo de consciência limpa, sabendo que estou fazendo minha parte?

Ao contrário, durmo com a consciência ainda mais pesada.

E explico o porquê. Além de estar ciente da quantidade de carbono que despejei na atmosfera, acabei de condenar uma área, que antes era produtiva, a ser o depósito permanente do resíduo do meu consumo. Ou seja, meu lixão.

Certamente o petróleo é um recurso finito, mas a superfície agricultável da terra é mais limitada ainda, e se cada um fizer essa bela ação de compensar o carbono do seu consumo na forma de árvores, muito em breve não teremos onde produzir nosso alimento.

A população do planeta é de cerca de 7 bilhões de habitantes. Hoje, utilizamos per capita cerca de 2.200 m2 de área agricultada mais 5.000 m2 de pastagens (fonte: FAO Stat). Não é preciso pensar muito para ver quão insólita é a ideia de plantar árvores para fixar o carbono do nosso consumo.

Se todos tivessem meu padrão de consumo (e ele não é descabido), pelas minhas contas, em apenas 3 anos (!) não teríamos mais área nenhuma para produzir nosso alimento, mas apenas para o “lixo” plantado para compensar o nosso carbono.

A compensação como proponho, feita na forma de florestas nativas, bosques, áreas verdes de lazer, etc., não é útil? Claro que é. Precisamos urgentemente de mais áreas verdes para garantir a conservação das espécies nativas, preservar os rios, as paisagens, e de mais parques para nos aproximar da natureza, só para exemplificar metas desejáveis. Mas ao fazer isso, não consideremos resolvido o problema da fixação de carbono, nem tampouco de sustentabilidade (que é algo relacionado à produção e consumo).

Lembro a própria Gro Brundtland, que formulou o conceito de desenvolvimento sustentável. Ela afirma que abusam do conceito. O que existe é muito marketing em cima de medidas, no máximo, paliativas.

E aí, qual a solução? Não sei, mas esquivar-se de que ainda não temos nada concreto não nos tira da beira do precipício. A mim, parece ainda pior ver ambientalistas falando de árvores, sem admitir que estão vendendo placebo.

 

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Comentários 1

  1. André Rívola diz:

    Ol[a Gustavo. Acabo de ler teu artigo, quase 4 anos depois de publicado. E ele continua tão atual como quando você o escreveu. Parabéns! Inspirado – ou melhor, instigado por ele, estou fazendo o cálculo de quantos hectares de eucaliptus o Brasil deveria plantar anualmente, para compensar suas emissões.

    Quando tiver um número, volto ao escrever.

    Um abraço!

    André