Passei mais de um mês fora do país, sem acompanhar o noticiário nacional, e ao voltar me impressionei ao ver a ampla mobilização em torno da causa dos Guarani-Kaiowá no Facebook. São índios de natureza semi-nômade, que mudaram-se para uma área que já haviam ocupado antes e resolveram retornar. Ainda que a carta que eles publicaram tenha sido erroneamente entendida como uma ameaça de suicídio coletivo, serve para lembrar a sociedade de problemas sérios relacionados à causa indígena.
Também os conflitos dos Xavantes da TI Maraiwatsede, ainda em andamento estão sendo veiculados e debatidos. Tudo via Facebook. Me preocupa ver questões distintas tratadas de forma idêntica nas redes sociais. Elas se tornaram um instrumento poderoso de mobilização, o que torna inaceitável o seu uso irresponsável.
A luta dos Guarani-Kaiowá para permanecer na área que ocupam é uma situação onde é fácil ser favorável a essa posição. No entanto, outro caso em que há ampla evidência de que os índios estão errados, as redes sociais e a mídia politicamente correta também correm sem refletir para o lado dos indígenas. Esse segundo caso é o confronto da Polícia Federal e Força Nacional contra os Mundurukus, que deixou um índio morto e feridos de ambos os lados.
O confronto foi mal explicado pela mídia, que simplesmente o citou, quando não optou por descrever um cenário abusivo provocado pela ação da Polícia Federal.
A situação na Terra Indígena dos Mundurukus é recorrente nas reservas indígenas da amazônia, com exploração ilegal de minérios e produtos florestais. Nesse caso, houve uma operação da Polícia Federal, organizada para cumprir uma decisão judicial que mandava retirar as balsas de mineração ilegais da terra Indígena dos Mundurukus.
Porém, ainda que os índios tenham sido avisados da operação e a polícia tenha feito um acordo na véspera – que foi filmado – para entrar na TI, no momento em que ela ocorreu, os índios o renegaram e decidiram não só impedir a entrada dos policiais como atacá-los.
São frequentes os casos em que índios permitem, mediante pagamento, a exploração de minérios nobres em suas terras. Ou seja, o garimpo na terra dos Mundurukus gerava renda para as aldeias, e a operação da PF foi tomada como contrária aos interesses dos índios.
Houve reportagens que produziram uma visão equilibrada e isenta do conflito, enquanto outras falaram em “assassinato”, como se ainda fosse imaginável uma situação em que a Polícia Federal organiza de caso pensado uma operação para matar índios. Nenhuma divulgou a nota oficial da PF explicando como a operação degringolou em conflito.
Incomoda o saldo da história: a opinião pública se posicionou contra o trabalho policial, como se ele não pudesse ter legitimidade, ou, visto de outro ângulo, que indígenas estão sempre certos e os policiais que foram recebidos a flechadas, errados.
Entidades sérias e partidos políticos de imediato vieram em defesa dos Mundurukus, apenas, creio, por serem índios. Esses críticos da PF não se incomodaram em defender um ilícito que violentava a lei brasileira em nome do lucro pessoal.
Em pouco, se tornará impossível combater crimes ambientais cometidos por indígenas.
Responsáveis pela floresta
Essa direção é preocupante. Se por um lado temos grupos indígenas necessitando de apoio, por outro temos crimes ambientais cometidos no interior de terras indígenas e, com frequência, com apoio dos índios. A audácia é cada vez maior, pois é quase impossível reprimir crimes indígenas sem ser condenado pelos seus defensores mais incondicionais e vocais.
O caso específico dos Munduruku é um bom exemplo dessa distorção. A certeza dos índios de que podiam agir como bem entendessem, de terem o direito a explorar o garimpo, além da ideologia de que são “guerreiros” de uma “nação”, levou ao extremo de decidirem atacar a polícia com flechadas – tão letais quanto tiros. Não bastou lucrarem com o ilícito, mas pegaram em armas para defendê-lo.
É bom lembrar que os índios são, juntos com o ICMBio, os grandes “guardiões” das vastas áreas preservadas de florestas brasileiras, como é possível ver na figura 1 (abaixo).
Existem 75 milhões de hectares de florestas em Unidades de Conservação Federais, incluindo aí tanto as de proteção integral quanto as de uso sustentável, enquanto as terras indígenas somam 109,8 milhões de hectares. Isso significa que resta sobre os indígenas a responsabilidade de proteger uma área 46,4% maior do que aquela sob a guarda do ICMBio.
Diferente dos servidores do ICMBio, os índios dependem dessas áreas para seu sustento, incluindo aí, como a qualquer pessoa, conseguir dinheiro para comprar os bens materiais que desejam consumir. Do mesmo modo que a lei limita os ribeirinhos da Amazônia, não permitindo que eles aufiram renda derrubando a mata ou promovendo garimpos ilegais, limita também a ação dos índios. O problema é que muita gente não imagina que índio também seja capaz de cometer crimes ambientais.
Pessoalmente, já vivenciei ilícitos gravíssimos em terras indígenas, como a venda de milhares de metros cúbicos de madeira de suas reservas, arrendamento para instalação de garimpos e até plantio de maconha. Nesse último caso, a vantagem é que o proprietário comum de terras privadas onde se planta maconha pode perdê-las se for flagrado. Já em terras indígenas o direito sobre elas continua valendo.
A verdade pouco agradável e/ou politicamente incorreta: índigenas podem cometer todo tipo de ilícito por lucro. São pessoas, tão corruptíveis como as outras.
A aceitação e difusão da ideia de que os índios são sempre vítimas, mesmo quando cometem crimes, gera a certeza de impunidade por parte dos que optam pela ilegalidade. E mais, há a convicção de que para eles, índios, tudo é possível, independente do que a lei brasileira diga.
Não quero generalizar, mas apenas lembrar que indígenas também cometem crimes ou permitem, por dinheiro, que sejam cometidos dentro de suas terras. Por isso, temos que agir com algum rigor contra esses desvios. Se há que se cumpra a lei, ela deve valer pra todos.
É hora de repensarmos a questão indígena como algo além do “assistencialismo”. Apoiemos as minorias que sofrem, mas isso não significa permitir que essas mesmas minorias tenham direitos especiais ao crime. No caso de crimes ambientais, precisamos combater os indivíduos que os cometem e os que os acobertam. A causa indígena não os justifica.
Leia também
Congresso aprova marco da eólica offshore com incentivo ao carvão
Câmara ressuscitou “jabutis” da privatização da Eletrobras e assegurou a contratação, até 2050, de termelétricas movidas a gás e carvão. Governo estuda veto →
Paul Watson, ativista contra a caça de baleias, deixa prisão na Groenlândia
O canadense, fundador de ONGs como Greenpeace e Sea Shepherd, estava preso há 5 meses por acusações do Japão relacionadas a embate com navio baleeiro, em 2010 →
ESEC Murici, em AL, fica mais de 2 meses sem fiscal após afastamento de chefe da unidade
Analista foi afastado da fiscalização por ação que culminou na demolição de terreiro em parque na Bahia; ele alega não ter percebido uso religioso do local e não ter tido direito à defesa →