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Como os peruanos estão goleando o Brasil no ecoturismo

Infraestrutura simples, mas acolhedora e confortável, contrasta com ausência de opções para visitar áreas protegidas na Amazônia brasileira.

18 de março de 2013 · 12 anos atrás
  • Maria Tereza Jorge Pádua

    Engenheira agrônoma, membro do Conselho da Associação O Eco, membro do Conselho da Fundação Grupo Boticário de Proteção à Nat...

Observem-se as paredes de bambu dos quartos. O revestimento interno é de barro. Fotos: Maria Tereza Jorge Pádua
Observem-se as paredes de bambu dos quartos. O revestimento interno é de barro. Fotos: Maria Tereza Jorge Pádua

Por muitos anos fui diretora de Parques Nacionais e áreas protegidas no Brasil. Agora, como turista, mantenho o meu grande gosto em visitá-las. Entretanto, me assusta o quanto é precária ou inexistente a infraestrutura de ecoturismo das Unidades de Conservação da Amazônia brasileira e também das Reservas Privadas (RPPNs). Fora das áreas protegidas, o problema se estende a hotéis, lodges e pousadas.

Por isso mesmo, minha última coluna procurou mostrar os bons exemplos da Amazônia peruana. Dessa vez, quero detalhar o que vivenciei no Peru. Minha comparação usará o sistema de lodges ou pousadas do rio Tambopata, onde essas instalações são vizinhas ou interiores a uma Reserva Nacional e contíguas a um grande Parque Nacional.

De cara para a mata

O mato nunca está a mais de cinco ou sete metros dos quartos ou das instalações
O mato nunca está a mais de cinco ou sete metros dos quartos ou das instalações
Grande variedade de pássaros pode ser observada antes de sair da cama. Para quem gosta, é um espetáculo. No meio da noite, ouvimos sons de uma onça.

A primeira grande vantagem das facilidades do Peru é a infraestrutura criativa, confortável e barata. Nos três lodges em que estivemos no vale do Tambopata, as construções seguem o padrão local, ou seja, são de madeira, estão instaladas sobre palafitas (a cerca de um metro do chão) e usam tetos de folhas de palmeira. Os apartamentos têm só três paredes de bambu com a parte interna revestida com adobe. Não existem portas na entrada nem nos banheiros (usa-se cortinas grossas de algodão que se entrecruzam) e os tetos são altos para facilitar a ventilação.

A iluminação elétrica nas áreas comuns é modesta e funciona por cerca de duas para servir o jantar. Não há eletricidade nos quartos dos hóspedes. À noite, velas e lampiões pequenos a querosene iluminam as áreas comuns.

Por que apenas três paredes? Simples, um dos lados do quarto dá para a mata amazônica virgem. Não há vidros. É totalmente aberto, embora seja guardado por uns metros de grama que evitam a entrada de animais nas confortáveis suítes. Com mosquiteiros, claro, dorme-se ao luar, vendo vagalumes passarem e ouvindo os barulhos dos animais da mata.

Quartos amplos de duas camas e um ótimo banheiro. Como se vê, são abertos para o ar livre. Por isso as camas têm mosquiteiros.
Quartos amplos de duas camas e um ótimo banheiro. Como se vê, são abertos para o ar livre. Por isso as camas têm mosquiteiros.

Outro aspecto é a construção sobre palafitas. A gente acorda com cotias comendo na grama, com os uivos infernais dos bugios, ou com os gritos pouco harmoniosos das araras. Grande variedade de pássaros pode ser observada antes de sair da cama. Para quem gosta, é um espetáculo. No meio da noite, ouvimos sons de uma onça.

O lodge dentro da Reserva Nacional oferece um pouco menos, pois o governo impôs restrições à sua expansão, em geral bobas. Mesmo assim, o conforto é total. Os turistas podem chegar com qualquer sapato, pois ao chegar, sem acréscimo no preço, recebem botas de borracha. Capas e lanternas baratas estão disponíveis para compra. Os excelentes sabonetes e shampoos são de castanha do Brasil.

O maior lodge pode receber 80 pessoas ao mesmo tempo. Há um pequeno spa com massagista, bar, salas de estar gigantescas e uma loja de souvenir. O restaurante oferece comidas peruanas simples, mas de bom gosto. Há saladas todos os dias e sopas à noite. Em contraste, na nossa Amazônia parece não haver vegetais. A gente quase não vê saladas fora dos grandes centros.

Opções

Vista a partir da "Posada Amazonas", gerida pela comunidade nativa do Infierno.
Vista a partir da "Posada Amazonas", gerida pela comunidade nativa do Infierno.

A visitação local é cheia de maravilhas e surpresas (como na área indígena do Infierno, a que me referi na última coluna). As trilhas são ótimas e variadas. Nelas, não há interpretação, pois esta é feita pelos guias ou mateiros nativos. Esses guias passam por um curso de dois anos e falam outras línguas. Ganham principalmente pelo trabalho realizado. Quer dizer, não têm carteira assinada, mas um sistema de promoção e qualificação que remunera por mérito. O nosso guia, por exemplo, tinha um salário base diário de 35 dólares, independente da quantidade de trabalho. A isso podia acrescentar a gorjeta sugerida de 10 dólares por pessoa, por dia. Cada guia pode levar, no máximo, 8 turistas.
Além das trilhas, há torres de observação, passeios de barco quando as atrações assim o exigem e palestras educativas. Quem deseja fazer esporte tem alternativas que vão do arvorismo a canoagem. Entrar na Reserva Nacional custa 100 soles extras (75 reais). Caro, mas vale a pena.

Os empreendimentos locais dependem da proteção à natureza feita pelo governo central ou pelos indígenas. Sejam hotéis e restaurantes em Puerto Maldonado, ou lodges, pousadas e passeios de barcos na floresta. As principais áreas protegidas da região são uma área indígena de 10 mil hectares, a Reserva Nacional com 275 mil hectares e o enorme Parque Nacional de Bahuaja-Sonene com cerca de 1.1 milhão de hectares.

A maior atração natural são as colpas, onde as araras, papagaios e outras aves se alimentar de minerais. Elas existem também no rio Madeira, no Brasil, mas estão sendo destruídas por hidrelétricas, como lembrou o Dr. Paulo Zuquim Antas, em comentário feito à minha última coluna.

Desvantagens brasileiras

Visitar a Amazônia brasileira, principalmente suas Unidades de Conservação, tem obstáculos brutais. Para começo de conversa, as passagens aéreas são muito caras e as distâncias enormes. A infraestrutura ou não existe, ou é precária ou, então, extraordinariamente cara.

A começar pelos parques nacionais, os quais não têm pessoal e tampouco infraestrutura. Nossos tesouros nacionais parecem estar nas mãos de poucos abnegados. Dessa forma, não dão nenhum retorno aos municípios que abrangem, nem geram emprego. Faltam trilhas, torres de observação e até banheiro. Não há guia para receber visitantes.

No passado, tentou-se dotar de infraestrutura alguns Parques Nacionais na Amazônia. Construíram-se elefantes brancos que sucumbiram à falta de manutenção.

O setor privado não investe, pois os Parques e demais Unidades de Conservação não estão preparados para a visitação pública. Não há pacotes de ecoturismo para aproveitar os espetáculos que essas áreas oferecem.

Tudo para na exigência de planos de manejo sofisticados e instalações luxuosas, caras de construir. Falta a criatividade daqueles que implantaram um ecoturismo de primeira no Tambopata, dentro e nos arredores das Unidades de Conservação lá existentes, como na Reserva Nacional Pacaya Samiria, ou perto do Parque Nacional do Manu, dentre diversos no Peru.

Para encerrar, é assustador ver jogadas no lixo nossas possibilidades de implantação das Unidades de Conservação sem sequer mostrá-las para nosso povo. Enquanto isso um país vizinho, que costuma ser desprezado pelos brasileiros, pode nos dar lições no tema de ecoturismo na Amazônia, oferecendo uma estada confortável, segura, educativa e gostosa.

 

 

 

 

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