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Chachapoyas, a herança dos guerreiros das nuvens

De natureza única, a terra desse povo dominado pelos Incas guarda paisagens grandiosas e ruínas históricas. Poderia desabrochar com o turismo.

9 de abril de 2013 · 12 anos atrás
  • Marc Dourojeanni

    Consultor e professor emérito da Universidade Nacional Agrária de Lima, Peru. Foi chefe da Divisão Ambiental do Banco Interam...

Ruinas de Kuélap. Fotos: Marc Dourojeanni
Ruinas de Kuélap. Fotos: Marc Dourojeanni

O nordeste andino peruano ainda não está nos grandes roteiros turísticos internacionais, embora nada lhe falte para entrar nesse circuito. Bastaria que o governo e mais empreendedores turísticos levassem a sério o seu potencial. Paisagens grandiosas, natureza única e restos arqueológicos fascinantes se combinam com estradas de ótima qualidade, boa comida e gente acolhedora. Mas, é obvio que visitar o departamento de Amazonas, no norte do Peru, requer mais tempo que fazer o tradicional circuito que leva a Cusco e Machu Picchu e, eventualmente, ao Lago Titicaca.

Os Incas foram os romanos de América do Sul. Devido à interrupção provocada pelos conquistadores espanhóis, seu enorme império durou pouco, cerca de cinco séculos. Machu Picchu foi construída no século XV, quando os espanhóis já estavam nas portas do império. Os Incas dominaram por bem ou por força a muitos povos, bem mais antigos e desenvolvidos do que eles. Dentre estes, estão os Chachapoyas que reinavam sobre grande parte da Amazônia Alta, na bacia do rio Marañon, principalmente nos atuais departamentos peruanos de Amazonas e San Martín. Esta foi uma cultura muito avançada, originada mais de 2.000 anos antes de serem derrotados pelos Incas. Eram conhecidos como os “guerreiros das nuvens”, pois, além de serem grandes combatentes viviam num ambiente onde as neblinas são frequentes, floresta da nevoas, como é característico da Amazônia Andina alta.

Ruinas de Kuélap.
Ruinas de Kuélap.

Embora menos estudada que outras culturas, já se encontraram muitos sítios arqueológicos Chachapoyas. Os mais conhecidos são a fortaleza (cidadela) de Kuélap, em Amazonas e a cidade do Gran Pajaten, dentro do Parque Nacional Abiseo, em San Martín. Esta última, em plena selva, é de difícil acesso, mas, a primeira é fácil de visitar. Situada sobre um morro isolado a 3.000 metros de altitude dominando o vale do rio Utcubamba, Kuélap foi construída provavelmente no século VIII para defender a região contra o império Wari, que se expandiu antes que o Inca.

Chega-se a Kuélap por uma estrada que circunda montanhas elevadas, com vistas magníficas, nas quais ainda se pode apreciar remanescentes das florestas de neblina que até alguns séculos atrás dominavam toda a região e que agora foram substituídas por pastagens “naturais”, vegetação secundária arbustiva e um pouco de agricultura. Os antigos peruanos, como os da atualidade, não se destacaram por proteger as florestas e, na base do fogo, destruíram milhões de hectares de florestas dessa região. Hoje, a gente acredita que é natural essa paisagem desnuda, ainda bela e verde. Mas não é.

Cidadela

Ruinas de Kuélap.
Ruinas de Kuélap.

Kuélap está relativamente bem conservada. Estende-se sobre cerca de 600 metros de comprimento e dispõe de três plataformas superpostas que suportam uns 400 recintos. Suas muralhas externas chegam a 20 m de altura e tem apenas três entradas muito estreitas para facilitar a defesa. Uma delas tem paredões que se elevam a 10 metros de cada lado. Há edifícios sobre a plataforma principal realmente extraordinários. Em especial, um deles tem formato de um curioso cone invertido, cuja função não foi esclarecida. As casas são todas redondas, dotadas de silos, pedras para moenda de grãos e fogões. Muitas ostentam decorações feitas com o mesmo tipo de pedra com que foram construídas. Uma caraterística especial da cultura dos Chachapoyas são as máscaras funerárias e o costume de instalar os restos funerários em cavidades nas paredes quase verticais de montanhas.

Além das ruínas, a região oferece mais atrativos. Exibe grande diversidade de orquídeas e aves engalanam as paisagens. Sobram as cachoeiras. Uma delas, a de Gocta, é a mais alta do Peru, com 560 metros de queda livre. Se fossem consideradas todas as etapas dos seus saltos seria a quinta mais alta do mundo. Ela pode ser vista a partir de uma pequena localidade situada num platô rodeado de montanhas que formam um perfeito anfiteatro, ou melhor, um estádio completo e monumental. Quando chove, o que é frequente, pode-se observar umas 20 cachoeiras simultâaneas. No meio deste espetáculo, localiza-se uma pousada de ótima qualidade que serve de base para apreciar Kuélap e outros lugares nos arredores.

Ruinas de Kuélap.
Ruinas de Kuélap.

Culturas ancestrais

Kuélap e Gocta estão a mais de mil quilômetros de Lima. É longe, mas, seguindo a Panamericana Norte, outro benefício é passar pelos domínios dos Mochica e Chimu, duas das mais importantes culturas pré-hispânicas do Peru, mais avançadas e artísticas do que Incas. Se o visitante dispor de um pouco mais de tempo, pode também visitar também Caral, a cidade mais antiga das Américas, anterior inclusive às mexicanas. A cultura Caral precedeu todas as outras no Peru. Em Trujillo, desenterraram-se pirâmides que pelo seu volume são maiores que as egípcias e que exibem pinturas coloridas em alto relevo. Outras ruínas podem ser visitadas em Lambayeque, dentre elas as famosas tumbas mochica dos senhores de Sipam e Sicam, no meio de uma floresta protegida semidesértica. Museus de categoria internacional existem em cada um desses locais.

Vistas de Gocta e arredores.
Vistas de Gocta e arredores.

E tão importante como descobrir a cultura pré-hispânica peruana é apreciar a culinária da Costa Norte do Peru que é única e, para muitos, melhor que a cozinha sofisticada dos chefs de Lima … além de custar uma fração do preço.

Onde se sai da Panamericana e se entra na Interoceânica Norte, o deserto costeiro entre Lima e Olmos é lindo, com extensas áreas de colinas coloridas. Os Andes estão sempre perto, de modo que o deserto exibe paisagens variadas. Com frequência, a estrada passa pertinho do mar. Impressionam os estreitos e vales costeiros densamente cultivados, que interrompem o deserto. O desgelo dos nevados andinos em consequência das mudanças climáticas aumentou a área, antes desértica, e agora dedicada à agricultura intensiva. Para quem fizer a viagem dirigindo, é preciso atenção, pois, apesar das boas estrada, é preciso aceitar as regras irregulares e um tanto excêntricas próprias da maior parte dos choferes peruanos.

Ainda se observa parte das florestas de neblina que cobriram toda a região.
Ainda se observa parte das florestas de neblina que cobriram toda a região.

É provável que em breve o governo do Peru melhore o aeroporto das cidades de Bagua ou de Chachapoyas, próximos aos locais descritos. O resultado seria sem dúvida promover o turismo internacional na região. Porém, visitá-la agora oferece a vantagem da descoberta, da tranquilidade e da intimidade com a natureza e com o passado.

 

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