Escrevo sobre o “gás de xisto” por perceber a gravidade da questão, se não tratada com o devido cuidado.
Participei no início de junho desse ano, do 18o Congresso Brasileiro de Direito Ambiental, em São Paulo, organizado pelo Instituto O Direito por um Planeta Verde. Em uma mesa composta por profissionais de diversas áreas, foram debatidos temas referentes a licenciamento, ética, sustentabilidade e participação pública. Um dos palestrantes, Luiz Fernando Scheibe, Geólogo, Professor Emérito da Universidade Federal de Santa Catarina e Coordenador do Projeto Rede Guarani/Serra Geral, expôs os perigos de um processo que parece avançar sem a divulgação e os passos que garantam a precaução para a proteção de uma das maiores riquezas de nosso país nos tempos atuais: a água.
Enquanto a escassez de água é notória em todo o planeta, o Brasil, juntamente com países vizinhos (Argentina, Paraguai e Uruguai) têm o privilégio de ter sob seus territórios o chamado Aquífero Guarani. Ao invés de tratar este patrimônio como uma riqueza a ser preservada a todo custo, agora existem planos para explorar o gás de xisto – do qual, segundo o Professor Scheibe, o Brasil nem tem necessidade ainda -, mas que certamente afetará a água sob nosso solo, já que a rocha a ser fraturada (o Folhelho Irati) se encontra a algumas centenas de metros abaixo do Aquífero Guarani, na Bacia Geológica do Paraná.
Aquíferos em perigo
Existem companhias ansiosas por entrarem em processos licitatórios de exploração do gás de xisto no Brasil, e outras vislumbrando orçamentos astronômicos para despoluir a água e as áreas afetadas pela sua extração.
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O Aquífero Guarani é uma das maiores reservas subterrâneas de água doce do mundo. Está localizado na região sul da América do Sul, e ocupa uma extensão de aproximadamente 1,1 milhão de quilômetros quadrados e profundidade de até cerca de 1.500 metros. Tem a capacidade de abastecer, de forma sustentável, muitos milhões de habitantes, com trilhões de metros cúbicos de água doce por ano. No Brasil, o Aquífero Guarani está no subsolo dos estados de São Paulo, Goiás, Minas Gerais, Mato Grosso, Mato Grosso do Sul, Paraná, Santa Catarina e Rio Grande do Sul.
Esta riqueza está agora ameaçada por uma enorme pressão econômica, a exemplo do que já vem ocorrendo nos Estados Unidos. Existem companhias ansiosas por entrarem em processos licitatórios de exploração do gás de xisto no Brasil, e outras vislumbrando orçamentos astronômicos para despoluir a água e as áreas afetadas pela sua extração. Ou seja, umas companhias ganham para explorar e outras lucram para minimizar os estragos feitos pela extração do xisto.
O governo brasileiro pretende incluir o gás de xisto na matriz energética do país, e agnedou o primeiro leilão de licitação das áreas a serem exploradas para o final deste ano. De acordo com o Prof. Scheibe, diversos pesquisadores brasileiros vêm propondo uma moratória de pelo menos cinco anos, tempo a ser dedicado a estudar a viabilidade, sustentabilidade e consequências socioambientais prováveis desta nova forma de extrair os combustíveis fósseis.
Qual a ameaça do gás de xisto para o Brasil e para a água do Aquífero Guarani?
A exploração do gás de xisto contamina a água. O xisto é encontrado aprisionado em pequenas bolhas de formações rochosas altamente impermeáveis. Diferentemente do gás natural e do petróleo que ocorrem em estruturas geológicas e nichos próprios, o gás de xisto está impregnado nas rochas e na própria formação geológica. A extração desse recurso tornou-se eficiente e econômica em tempos recentes devido aos avanços tecnológicos. O primeiro, conhecido como “fracking“, depende de fraturar a rocha, injetando sob alta pressão, grandes quantidades de água, explosivos e substâncias químicas, que podem ocasionar vazamentos e a contaminação de aquíferos de água doce que ocorrem acima do xisto; o segundo avanço é a eficácia nas perfurações horizontais. A tecnologia de sua extração baseia-se, portanto, em processos invasivos da camada geológica portadora do gás, por meio da técnica de fratura hidráulica (shale gas fracking), que causa danos ambientais ainda não totalmente conhecidos, mas que prometem ser irreversíveis.
A extração do gás de xisto tem sido apontada como sucesso tecnológico e alavancado a economia dos Estados Unidos. Porém, tem sido questionada pelos riscos e danos ambientais que resultam de seu processo exploratório. Esta é uma grande preocupação dos técnicos e gestores brasileiros da área de recursos hídricos e de meio ambiente, que precisam ser ouvidos antes do mal ser consumado de forma definitiva.
Sabedores destes riscos, a França, a Bulgária e alguns estados Norte-Americanos e Canadenses já proibiram a extração do gás de xisto em seus territórios. O Canadá está realizando uma avaliação criteriosa sobre a viabilidade e a sustentabilidade da exploração desse recurso. Uma vez que a economia tem regido as decisões dos do mundo moderno, a exploração de xisto já conta com estimativas exorbitantes para a sua extração e, o que é pior, para a descontaminação da água e dos locais afetados após a retirada do gás. Bilhões de dólares serão movimentados, o que é atraente para a economia, mas inaceitável para a sustentabilidade socioambiental do Brasil e do planeta.
Mesmo havendo pactos de cooperação entre os países que compartilham do Aquífero Guarani, o Brasil está dando um passo no escuro. Pretende abrir concessões para a extração do gás de xisto sem consultar a comunidade científica de forma adequada. Falta uma discussão aprofundada e criteriosa com os estudiosos do tema para embasar as decisões a serem tomadas.
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