Colunas

Um mundo proativo precisa acreditar que é possível melhorar

Escolher salvar animais em um mundo onde gente passa fome ou esquecer as pessoas em nome da conservação são posições reconciliáveis.

29 de abril de 2014 · 11 anos atrás
  • Suzana Padua

    Doutora em educação ambiental, presidente do IPÊ - Instituto de Pesquisas Ecológicas, fellow da Ashoka, líder Avina e Empreen...

Jane Goodall resumiu a gentileza que os humanos podem desenvolver pela natureza quando se sentem parte dela. Foto: Hugo van Lawick / National Geographic
Jane Goodall resumiu a gentileza que os humanos podem desenvolver pela natureza quando se sentem parte dela. Foto: Hugo van Lawick / National Geographic

Ainda somos perguntados por que trabalhamos para salvar animais ameaçados de extinção com tanta gente passando fome. A escolha de se dedicar à proteção da natureza é digna de crítica por pesquisadores da área social, que insistem em priorizar a humanidade em face à natureza, como se não fôssemos parte do mundo natural, e como se a sociedade não dependesse do equilíbrio ambiental. É verdade que a espécie humana parece ter se esquecido de sua essência natural e que se colocou como superior às demais, sentindo-se no direito de usar e abusar dos recursos. Hoje, a decisão de quem vai ou não sobreviver ao longo do tempo está nas mãos de uma só espécie: a nossa.

O contrário é igualmente comum. Cientistas da natureza dificilmente aceitam que se lide com a sociedade. Conservação precisa ser ‘pura’, ou seja, deve se ater às espécies encontradas nos ecossistemas naturais. E muitos creem que o ser humano atrapalha e estraga e, por isso, deve ficar longe das áreas naturais. A questão é como tornar a natureza preciosa, e que vale a pena ser protegida?

A meu ver, a beleza está na inclusão e não na exclusão das escolhas, que sempre acabam prejudicando parte do que é vivo. Nem se ater às questões meramente sociais e nem às preservacionistas. Somos natureza e precisamos redescobrir o amor pela nossa essência e, assim, reaprendermos a respeitar e nos assombrar com a beleza dos sistemas que ajudam a provocar tanta complexidade e detalhes que fazem a vida possível.

A postura de superioridade do ser humano frente a outras espécies está ligada a interpretações errôneas. A ideia de que fomos feitos à imagem e semelhança de Deus deveria ser utilizada para elevarmos nossa responsabilidade e “maravilhamento” de tudo o que existe nesse planeta e no cosmos, de modo a nos sentirmos parte dessa teia da qual somos integrantes.

Pensadores como Bacon e Descartes levaram a premissa de termos o direito de utilizar a natureza ao nosso bel prazer ao extremo. Mas, de lá para cá, o que fizemos foi colocar as ideias deles e de muitos outros que seguiram essa linha de pensamento em prática, levando o planeta a evidentes formas de insustentabilidade. Há séculos que usamos a natureza de maneira impensada, e resistimos bastante à ideia incômoda, mas imprescindível, de que somos responsáveis pelas perdas que estamos vivenciando. Se nos deparamos com falta de água é por que desmatamos e tratamos indevidamente as nascentes e os mananciais. Se estamos vivendo uma época de doenças, fomos nós que envenenamos os alimentos com produtos tóxicos e nocivos à saúde. Se os recursos estão acabando é por termos os utilizado de modo irresponsável. O fato é que o planeta é finito (ou os recursos que usamos) e o tratamos como infinito.

Pela via da motivação

“Em vez de divulgarmos o que está acontecendo de ruim, como mudanças climáticas e suas consequências, fome e má distribuição de renda, perda de diversidade biológica e cultural (…) nossa forma de comunicar deve ser de um mundo em harmonia e atraente. Algo que nos mova à ação.”

Nosso cérebro é composto por dois lados que se integram e se completam. O desenvolvimento de nosso lado racional, que prevalece nos últimos séculos, nos levou a tecnologias e confortos que prezamos e dos quais não queremos abrir mão. No entanto, o nosso lado sensível não é valorizado pela sociedade, pois exige tempo e caminhos diferentes para aflorar. Este compreende o artístico, o intuitivo e o que diz respeito a nossos valores. O equilíbrio entre a racionalidade e a sensibilidade deveria ser a meta de um processo educacional de qualidade.

Porem, nos acostumamos com o errado, insustentável e injusto e nem nos sentimos mais incomodados com o que presenciamos. Banalizaram-se os absurdos e as atrocidades. E, com a modernização dos meios de comunicação, temos cada vez mais notícias do que acontece mundo afora. O que levava meses antigamente para sabermos, agora é imediato. Isso poderia ser uma vantagem, mas parece não surtir tantos efeitos produtivos. A razão é que nossa mente está cansada de notícias ruins e bloqueia a entrada de algo que acha não dar conta de enfrentar.

Segundo Ed Gillespie (Futerra, Inglaterra), precisamos ver o mundo de maneira diferente. Os desafios devem ser apresentados como algo factível de ser solucionado. Por exemplo, ao invés de divulgarmos o que está acontecendo de ruim, como mudanças climáticas e suas consequências, fome e má distribuição de renda, perda de diversidade biológica e cultural, finitude de recursos, e assim por diante, nossa forma de comunicar deve ser de um mundo em harmonia e atraente. Algo que nos mova à ação. Dois bons exemplos produzidos pela Futerra para a Comissão de Educação e Comunicação da IUCN são pequenos vídeos: “Love. Not Loss” e “How to Tell a Love Story“. A ideia é de compartilhar algo solucionável em um mundo que queremos, e não mais apenas os desastres que ocorrem cada vez com mais frequência.

Portanto, devemos educar para o inconformismo e para instigarmos a noção de que é possível ousar o novo, principalmente quando se quer proteger a vida do planeta. O despertar de nosso lado intuitivo, sensível e artístico precisa ser ativado junto com o racional, lógico e estruturado. Precisamos integrar o social e o ambiental de maneira indissociável, por não ser separável. Ademais, uma educação responsável e estimulante precisa ser concebida e ofertada com uma comunicação coerente, levando em conta como funciona nosso cérebro. A educação deve compreender e incluir o que é eficaz para a comunicação e vice-versa; um campo podendo se beneficiar com as lições do outro. A ideia é atrairmos mais adeptos à sustentabilidade planetária e aumentar a chance de atingirmos um maior equilíbrio entre o que queremos e o que somos capazes de fazer para chegar lá. É um estado de espírito que precisa ser disseminado, incorporado e colocado em prática.

*Artigo editado em 29/04/2014 às 14h08min.

 

 

Leia também
Em Bonito, projeto ensina crianças a arte de observar pássaros
Afinal, qual a diferença entre conservação e preservação?
Qual é a ética do consumo?

 

 

 

Leia também

Podcast
18 de novembro de 2024

Entrando no Clima#37- Brasil é escolhido como mediador nas negociações

Os olhos do mundo estão voltados para o Brasil, que realiza a reunião final do G20 na segunda e terça-feira (18 e 19), mas isso não ofuscou sua importância na COP29. O país foi escolhido pela presidência da Cúpula do Clima para ajudar a destravar as agendas que têm sido discutidas na capital do Azerbaijão,

Notícias
18 de novembro de 2024

G20: ativistas pressionam por taxação dos super ricos em prol do clima

Organizada pelo grupo britânico Glasgow Actions Team, mensagens voltadas aos líderes mundiais presentes na reunião do G20 serão projetadas pelo Rio a partir da noite desta segunda

Notícias
18 de novembro de 2024

Mirando o desmatamento zero, Brasil avança em novo fundo de preservação

Na COP29, coalizão de países com grandes porções florestais dá mais um passo na formulação de entendimento comum sobre o que querem para o futuro

Mais de ((o))eco

Deixe uma resposta

Esse site utiliza o Akismet para reduzir spam. Aprenda como seus dados de comentários são processados.