Todo dia há notícias de invasões a propriedades privadas ou públicas. Porém é muito raro ter a satisfação, especialmente no caso das invasões nas áreas rurais, de ser informado de que a lei foi obedecida e que os invasores foram retirados. Por isso, foi refrescante constatar que uma grande invasão numa área verde da ilha de Santa Catarina, com o habitual apoio de políticos e a leniência dos governantes, teve ordem judicial de desocupação, que se realizou efetivamente. Mais alentador ainda foi apreciar a reação espontânea e massiva dos moradores mais humildes da região que evitaram uma nova invasão por parte dos mesmos grupos que haviam sido retirados. Dessa vez, a polícia foi chamada pelos próprios invasores.
Uns quatro meses atrás um grupo grande e bem organizado decidiu ocupar um amplo terreno situado na beira da Rodovia SC 401. Na calada da noite uma caravana de carros com os equipamentos adequados para toda invasão, em especial as imprescindíveis bandeiras vermelhas, chegaram ao local e já no amanhecer tinham-se instalado numa ampla área de mato e pastagens. A invasão foi se consolidando nas semanas seguintes aproveitando-se da habitual falta de reação das autoridades. Os invasores, bem informados, sabiam que a área em que entraram estava em litígio e apostaram na inação dos proprietários e no apoio de políticos aproveitadores. Os dirigentes da Ocupação Amarildo de Souza, como se autodenominaram os invasores, usaram a nada original alegação de que a invasão era para denunciar o “descumprimento do direito constitucional à moradia”, já que devido aos seus baixos salários teriam dificuldades no pagamento de aluguéis.
O verdadeiro motivo da invasão foi, obviamente, o alto valor do terreno rural excelentemente localizado entre os famosos balneários Jurerê e Canavieiras. Os invasores não eram ricos, embora tampouco fossem pobres como era óbvio, levando-se em conta o grande número de automóveis e motocicletas estacionados na invasão. Como eles próprios reconheceram quase todos tinham moradia e emprego. Passaram-se meses de discussão e de movimentação do ministério público e dos juízes e tudo fazia acreditar que os invasores nunca seriam retirados. Mas, primou o sentido comum e a lei foi aplicada e os invasores receberam ordem de despejo, que foi cumprida com apoio da força de choque da polícia. Não obstante, alguns decidiram ocupar outro canto da ilha e brigar por isso. Foi então que a população do Rio Vermelho, o local da segunda invasão, interveio e terminou definitivamente com a intenção de ocupação de terras, dando uma lição de civismo importante por ser tão rara nestes dias.
A lei é para todos
“Falta que Santa Catarina aproveite esta iniciativa dos cidadãos pobres do bairro de Rio Vermelho, para fazer o mesmo com os poderosos invasores das restingas das praias de Jurerê Internacional.”
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O povo se reuniu espontaneamente frente à invasão e fez o ruído necessário para que, por perto, não restassem invasores. Como relata Reinaldo Azevedo no seu blog “não foram os ricos do Rio Vermelho que se opuseram, mas os pobres mesmo, os trabalhadores, os que ganham a vida com o suor do seu rosto. A população não teve dúvida: organizou-se e pôs os invasores para correr“. Ele reproduz alguns dos comentários da gente lá reunida: “Eu trabalho de faxina, vendo até latinha, para pagar meu aluguel. Então eu não aceito isso aqui“; “Tem que conquistar é aqui, ó [o trabalhador mostra o muque], não é roubando terra dos outros“; “Quer casinha de praia, vai trabalhar, vagabundo!“; “Eles só querem que o governo dê dinheiro, o governo dá remédio, dá tudo aquilo. Mas pede para um vagabundo desse trabalhar…. nenhum deles vem“. E vendo que os invasores se retiravam da área invadida em seus próprios veículos, uma moradora resumiu: “Tem que mandar tudo embora para o lugar deles, porque eles têm carro, eles têm casa. Se eles têm carro, eles têm dinheiro para pagar aluguel. Eles não trabalham porque são vagabundos“.
À margem do anedótico o fato é que desta vez se fez cumprir a lei e se fez justiça e se teve o apoio expressivo da população. A primeira área que foi parcialmente invadida é grande, uns 600 hectares, dos quais uma parte seria privada e outra pública. Ademais tudo indica que em grande medida é área de proteção permanente. O povo reclama estabelecer lá um parque. A segunda área invadida é menor, mas, como a anterior, tem vocação de parque municipal.
Oxalá fosse essa a solução que se dá quando as invasões são nas Unidades de Conservação que, como partes dos mencionados terrenos da Ilha de Santa Catarina, pertencem a todos os brasileiros. A cada dia, dissimuladamente e pouco a pouco, ou mediante grandes invasões, bandidos disfarçados de coitados invadem, ou seja, roubam o que é de todos. E, em geral, lá ficam para sempre, esperando volumosas indenizações que outros brasileiros deverão pagar ou, caso contrário, se resignar a perder a área. É tempo, como no caso citado que os cidadãos entendam que a solução da pobreza e da injustiça não se logra violando a lei. Ninguém, pobre ou rico, deve estar acima da lei e, se esta é injusta, deve ser mudada. Nunca violada.
Agora, falta que Santa Catarina aproveite esta iniciativa dos cidadãos pobres do bairro de Rio Vermelho, para fazer o mesmo com os poderosos invasores das restingas das praias de Jurerê Internacional.
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