Em 26 de agosto de 2013 foi editada a Lei 12.854, que tem por finalidade fomentar e incentivar “ações que promovam a recuperação florestal e a implantação de sistemas agroflorestais em áreas rurais desapropriadas e em áreas degradadas, nos casos que especifica”.
Não se trata de recuperação ecológica. Sua finalidade é a “implantação de sistemas agroflorestais” e, assim, a lei está mais afeta à pasta da Agricultura do que ao Ministério do Meio Ambiente (MMA). A distinção é relevante. A recuperação florestal busca a otimização da produção econômica, pelo uso eficiente dos elementos abióticos da natureza (solo, ar, água) e da energia luminosa e térmica num espaço territorial delimitado.
Árvore, aqui, importa menos pelo seu papel ecológico do que por seu potencial econômico, consistente na captura de nutrientes do solo e conservação da fauna edáfica (animais que vivem diretamente no solo, como minhocas e nematódeos).
Édis MIlaré, sem negar o “inestimável patrimônio da biodiversidade”, lembra das “múltiplas utilidades da flora quando se busca a produção econômica sustentada: alimentos e forragens; óleos, fibras, resinas e assemelhados; elementos medicinais os mais diversos; cosméticos, indústria de móveis e da construção; combustíveis renováveis (biomassa), celulose e papel” e conclui que “a floresta em pé representou, e sempre representa, mais investimento e economia do que a floresta abatida” (Direito do Ambiente, 8ª Ed. São Paulo: RT, 2013, p.548).
Transferência
A lei fala em incentivo e em fomento de ações de recuperação florestal e implantação de sistemas agroflorestais
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De acordo com o parágrafo único do art. 2º, da Lei n. 12.854/2013, as ações de reflorestamento deverão representar alternativa econômica e de segurança alimentar e energética para o público beneficiado.
A perspectiva, portanto, é agroambiental, e não-conservacionista.
Sistema Agroflorestal é gênero do qual fazem parte os sistemas agrossilvipastoril, o agropastoril, o silvipastoril, etc. Dentro da perspectiva do desenvolvimento rural, a implantação desses sistemas deve ocorrer em áreas alteradas por atividades agrícolas mal sucedidas, de modo a contribuir para a redução do desmatamento de novas áreas de florestal.
A lei fala em incentivo e em fomento de ações de recuperação florestal e implantação de sistemas agroflorestais, visando alternativas econômicas aos agricultores familiares, em especial, às famílias beneficiárias de programas de assentamento rural, pequenos produtores rurais, quilombolas e indígenas.
Estas medidas devem se dar “dentro dos programas e políticas públicas ambientais já existentes”. Isso significa que a lei não está criando uma política pública específica de recuperação florestal e implantação de sistemas agroflorestais, e sim buscando inserir tais ações em políticas já existentes.
Sem dúvida, o foco foi a Política Nacional de Assistência Técnica e Extensão Rural para a Agricultura Familiar e Reforma Agrária – PNATER. Instituída em janeiro de 2010, esta política visa promover o desenvolvimento rural sustentável, apoiando iniciativas econômicas que promovam as potencialidades e vocações regionais e locais, bem como aumentando a aumentar a produção, a qualidade e a produtividade das atividades e serviços agropecuários e não agropecuários, inclusive agroextrativistas, florestais e artesanais.
As ações previstas na Lei n. 12.854/2013 estão dirigidas aos ocupantes de espaços territoriais específicos, seja qual for o título da ocupação: áreas de assentamento rural desapropriadas pelo Poder Público e áreas degradadas em posse de agricultores familiares assentados, de quilombolas ou de indígenas. Ou seja, essencialmente os mesmos beneficiários do PNATER, conforme art. 5º, I, da Lei n. 12.188/2010 (os assentados da reforma agrária, os povos indígenas, os remanescentes de quilombos e os demais povos e comunidades tradicionais).
Sendo remota a possibilidade de implementação destas ações por meio de incentivos fiscais, por conta da hipossuficiência econômica dos beneficiários (famílias assentadas, quilombolas e indígenas), o que se busca é o fomento das ações por meio de financiamento com recursos de fundos nacionais.
Prejuízo ambiental
(…) resta à área ambiental, cada vez mais desprestigiada, patrocinar qualquer política agrária à qual seja agregada a palavrinha mágica “sustentável”.
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Neste ponto, evidencia-se novo golpe na área ambiental. Ocorre que a formulação e supervisão da PNATER são de competência do Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA), ao passo que os fundos a que se refere a Lei n. 12.854/2013 até hoje estavam afetos à área ambiental.
É o caso do Fundo Nacional de Mudança do Clima que, nos termos do art. 1º do Decreto n. 7.343/2010, vincula-se ao Ministério do Meio Ambiente e objetiva assegurar recursos para apoio a projetos ou estudos e financiamento de empreendimentos que visem à mitigação da mudança do clima e à adaptação à mudança do clima e seus efeitos.
Ou, ainda, do Fundo Amazônia, nome dado a uma conta específica do BNDES destinada a aplicações não reembolsáveis em ações de prevenção, monitoramento e combate ao desmatamento e de promoção da conservação e do uso sustentável no bioma amazônico. Hoje, cabe ao Ministério do Meio Ambiente definir os limites de captação de tais recursos, que deverão contemplar a gestão de florestas públicas e áreas protegidas; o controle, monitoramento e fiscalização ambiental; o manejo florestal sustentável; as atividades econômicas desenvolvidas a partir do uso sustentável da floresta; o Zoneamento Ecológico e Econômico, ordenamento territorial e regularização fundiária; a conservação e uso sustentável da biodiversidade; e a recuperação de áreas desmatadas.
Tais recursos, gerenciados pelo MMA como visto, poderão agora migrar para o financiamento de programas do Ministério do Desenvolvimento Agrário. Enquanto o orçamento destinado à área da agricultura permanece incólume, resta à área ambiental, cada vez mais desprestigiada, patrocinar qualquer política agrária à qual seja agregada a palavrinha mágica “sustentável”.
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