Colunas

O equívoco da suspensão da ciclovia na Avenida Paulista

É preciso concluir a obra, a pior alternativa será judicializar uma das raras políticas públicas de caráter ecológico na maior cidade do país.

23 de março de 2015 · 10 anos atrás
  • Guilherme Purvin

    Pós-doutorando junto ao Depto. de Geografia da FFLCH/USP, graduado em Direito e Letras pela USP. Doutor em Direito (USP). Membro da Academia Latino Americana de Direito Ambiental. Escritor.

Obra da ciclovia na Av. Paulista. Foto:
Obra da ciclovia na Av. Paulista. Foto:

O MP Estadual ajuizou na Justiça paulista uma ação civil pública para fins de paralisar as obras de implantação de ciclovias na cidade de São Paulo.O pedido era amplo e objetivava inclusive a paralisação das obras na Avenida Paulista. A liminar concedida não atendeu integralmente ao pedido (as obras na Paulista prosseguem). Ainda assim, pergunta-se: será que essa liminar contribui para a mobilidade urbana e para a redução da poluição atmosférica?

A implantação de ciclovias é medida que merece o aplauso de quem quer que esteja preocupado com o meio ambiente e a qualidade de vida – questão que passa pelo debate sobre a não-privatização das vias públicas por automóveis particulares, quase sempre carregando apenas seu próprio motorista. A poluição atmosférica causada pelos motores de veículos automotores (parados) é responsável por milhares de mortes e doenças cardiorrespiratórias em São Paulo.

A ciclovia é uma alternativa ecológica, saudável e barata de transporte. Evidentemente, há que se aguardar uma mudança de mentalidade para que um número cada vez maior de pessoas passe a se utilizar desse meio. Na periferia, a ideia começa a emplacar. Na Avenida Paulista, é preciso concluir a ciclovia.

A pior alternativa, porém, será judicializar uma das raras políticas públicas de caráter ecológico das últimas décadas na maior cidade do país. Não é demais ressaltar que, enquanto os contribuintes das mais elevadas faixas de IPVA de São Paulo criticam ferozmente esse projeto, no exterior ele é contemplado com o Sustainable Transport Award de 2014.

É evidente que ciclovias, apenas, não são suficientes para resolver esta verdadeira síndrome que é o trânsito paulistano – algo que há muitos anos já serviu de motivo para o romance “Não verás país nenhum”, do Ignácio de Loyolla Brandão, que tem início com um congestionamento definitivo. Em alguns percursos, pedalar é praticamente inviável – por exemplo, nas ladeiras da Vila Pompéia, do Jaraguá ou da Freguesia do Ó. Não é o que ocorre, porém, em longos trajetos como o do Jabaquara até a Estação Vila Madalena, sob o Minhocão, desde o Shopping Bourbon (na Pompéia) até a Estação Dom Pedro II e muito além. Ou mesmo em aclives mais suaves, como os das Avenidas Consolação ou Lins de Vasconcelos.

É claro que o poder público deve também implementar o sistema metroviário. Um percurso de menos de 12 km, do Itaú Cultural (Av.Paulista) ao Frangó (Largo Nossa Senhora do Ó), numa noite de sexta-feira, na melhor das hipóteses, não leva menos de uma hora e meia. Se as obras da Linha 6 do Metrô tivessem sido concluídas, esse mesmo trajeto levaria menos de meia hora. A promessa era de que fossem entregues em 2015 e, agora, a estimativa é de entrega por volta do bicentenário da independência do país.Da mesma forma, a ampliação de pistas exclusivas para ônibus é mais do que benvinda, merecendo estender-se até as cidades da Grande São Paulo.

Modificar um paradigma que teve início com Prestes Maia e se consolidou com Paulo Maluf, porém, não é algo fácil. Infelizmente, está ocorrendo mais uma vez (a exemplo de todo o debate nacional dos últimos oito meses), a PARTIDARIZAÇÃO de uma rara proposta urbanística com impacto ecológico positivo(veja).

Parado no trânsito da Avenida Paulista, na volta do trabalho, recebo pelo “Waze” mensagens de desconhecidos: “Maldita ciclovia! Maldito PT! Fora Dilma e Haddad!”. O que a prática de ciclismo tem a ver com o PT? Se a conversa segue por aí, não se vai a lugar nenhum. Como, aliás, já acontece com o tráfego de automóveis na cidade.

 

*Matéria editada em 23/03/15

 

Leia também
Em São Paulo, ciclovia do Rio Pinheiros é expandida
Ciclorrotas, ciclofaixas e ciclovias – SP começa a mudar
Em Vancouver, vá de bicicleta

 

 

 

Leia também

Notícias
20 de dezembro de 2024

COP da Desertificação avança em financiamento, mas não consegue mecanismo contra secas

Reunião não teve acordo por arcabouço global e vinculante de medidas contra secas; participação de indígenas e financiamento bilionário a 80 países vulneráveis a secas foram aprovados

Reportagens
20 de dezembro de 2024

Refinaria da Petrobras funciona há 40 dias sem licença para operação comercial

Inea diz que usina de processamento de gás natural (UPGN) no antigo Comperj ainda se encontra na fase de pré-operação, diferentemente do que anunciou a empresa

Reportagens
20 de dezembro de 2024

Trilha que percorre os antigos caminhos dos Incas une história, conservação e arqueologia

Com 30 mil km que ligam seis países, a grande Rota dos Incas, ou Qapac Ñan, rememora um passado que ainda está presente na paisagem e cultura local

Mais de ((o))eco

Deixe uma resposta

Esse site utiliza o Akismet para reduzir spam. Aprenda como seus dados de comentários são processados.