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Lei na cabeça e mão na massa

Dra. Elizabeth Carneiro de Lima, procuradora de Justiça, defende as leis ambientais sempre que se depara com uma injustiça. Não é difícil para o cidadão comum seguir o seu exemplo.

13 de agosto de 2004 · 20 anos atrás

Elizabeth Carneiro de Lima – ou melhor, a Dra. Elizabeth – ocupa o cargo de procuradora titular da 1a Procuradoria de Justiça, junto à 3a Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro. Mas, na prática, é ambientalista em tempo integral. Tem um apego à causa que já dura mais de vinte anos. E, apesar do título e do posto, é um exemplo prático de que, para fazer certas coisas, basta querer.

Há quem se contente em encher a boca para falar de ecologia. A Dra. Elizabeth não. Ela põe mesmo as mãos nos problemas. Às vezes, literalmente. Começou a carreira como jornalista, trabalhando no extinto Repórter Esso.Tinha quase trinta anos quando ingressou na faculdade de Direito, já pensando em seguir carreira pública. Passou no concurso para o Ministério Público em 1985 e, até 1997, quando recebeu a promoção para o cargo de procuradora, atuou como promotora criminal em diversas comarcas do Estado do Rio. A escolha pela área penal foi, segundo ela, lógica: “Eu trabalhei como jornalista – e, portanto, já tinha bem desenvolvida a veia investigativa. Crio cães, atiro e luto kung-fu. Só poderia atuar nessa área”.

Assumiu as funções antes que fossem criadas as promotorias especiais de meio ambiente. Mas não esperou por elas para tratar da apuração e denúncia dos crimes ambientais, nas comarcas em que trabalhou. Atualmente, esse papel cabe aos promotores de meio ambiente. E a atuação da Dra. Elizabeth nunca foi limitada pelo que ditavam as normas regulamentadoras do seu cargo. Ia muito além delas, atropelando os formalismos em nome da eficácia.

Por exemplo: como promotora na cidade de Cordeiro, no Estado do Rio, chegou a ela a notícia de que alguém havia matado uma fêmea de barbado. Quer dizer, de bugio, uma espécie de macaco. O homem liquidara a mãe só para capturar e vender o filhote. Ela não pensou duas vezes. Foi pessoalmente atrás do caçador, achou-o, apreendeu o barbadinho – o filhote de macaco, não o homem – e levou-o para casa.

Resolvido o problema, tinha criado outro. Estava, agora, às voltas com a criação de um primata que tinha aproximadamente o tamanho de uma criança de três meses e necessitava de urgentes cuidados maternos. A solução veio de um amigo, funcionário da Reserva Biológica de Poço das Antas, que lhe recomendou encaminhar o pequeno órfão ao setor de Primatologia do IBDF – Instituto Brasileiro de Desenvolvimento Florestal, antecessor do Ibama.

Mas, entregar o bicho ao IBDF não era tão simples assim. Antes, era preciso transportá-lo até o Rio de Janeiro e hospedá-lo na cidade grande. Onde? A promotora tinha um apartamento no Rio. Mas não era lugar adequado para um macaco de três meses. Nele moravam seus cães. Sobrou o apartamento da mãe da Dra. Elisabeth, em Copacabana. E a temporada do barbadinho na mais famosa praia carioca começou, na porta, com um diálogo mais ou menos assim:

– Beth, o que é isso, minha filha?

– É um macaco, mamãe.

Mãe é mãe, e o pequeno órfão ficou lá até que o IBDF pudesse recebê-lo. Não era a primeira vez que a Dra. Elizabeth se envolvia com primatas ameaçados. Anos antes, quando, salvos da extinção por uma campanha internacional, os micos-leões-dourados foram reintroduzidos em Poço das Antas, montou-se uma peça teatral em plena praça pública da cidade vizinha de Silva Jardim, para convencer a população local da importância de respeitar os animais que estavam sendo libertados na região. Era um modo de tentar evitar que, depois de tanto esforço, os micos fossem caçados. A promotora, apaixonada pelos micos-leões dourados, fez a produção e subiu ao palco.

Promovida à procuradoria, ela mora hoje em Muri, perto de Nova Friburgo, cercada de mata numa casa que divide com o marido e cinco cães. Ali, até nos fins de semana,  continua em vigília pela natureza. Outro dia, a síndica do condomínio lhe telefonou. Estava fora de Muri e lhe pedia para verificar uma denúncia de derrubada irregular de árvores em área de uso comum. Lá foi ela.

No local, enquanto batia boca com um dos responsáveis pelo desmatamento, outro madeireiro cometeu o erro de ligar a motosserra para cortar uma tora já caída. A procuradora, que confessa ter verdadeiro horror ao barulho do equipamento, confiscou-lhe imediatamente a motosserra.

E não parou por aí. Após verificar os documentos da máquina, para ver se estavam em dia, descobriu que ela pertencia ao dono de uma serraria nas redondezas. Fez questão de devolvê-la ao dono. Mas queria entregá-la em mãos. Como não poderia deixar de ser, a devolução foi precedida do devido sermão.

O que é importante perceber nessas histórias é que não é necessário lutar kung fu e pertencer ao Ministério Público, ou a qualquer outro órgão do Poder Executivo ou Judiciário, para repetir as façanhas da Dra. Elisabeth. Ao menos, dessas façanhas. Grande parte das ações em defesa do meio ambiente que ela fez durante a carreira não se deveu a seu cargo nem ocorreu no curso de algum processo judicial. Nelas, ela era uma pessoa comum, embora rara, agindo de acordo com a sua consciência.

Evidentemente, não se espera que qualquer cidadão saia pelas matas apreendendo equipamentos e dando lições de boas maneiras a madeireiros e caçadores. Muito menos, de arma na cinta. Isso, por favor, não. Ou corremos o risco de ver os ambientalistas entrarem nas listas de espécies ameaçadas. Mas, no caso da madeireira, por exemplo, qualquer condômino poderia tomar a mesma providência, impedindo danos ambientais às áreas comuns do condomínio.

E, fora dali, qualquer pessoa é legítima para encaminhar ao Ministério Público infrações ou condutas lesivas ao meio ambiente. Outra opção é denunciar a violação a alguma associação que se interesse pelo problema, pois elas podem propor ações civis públicas. Dá um pouco de trabalho. Mas é extremamente eficaz.

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