O interior do Estado do Rio é verde, não há como negar isso. Do alto da maioria dos morros, da borda da maioria dos mirantes, o que mais se vê é o verde. Pena que seja o verde de hectares e mais hectares de capim.
O capim colonião é uma praga que infesta o Brasil. Ele segue o rastro do fogo, o método mais usado por nossos pequenos agricultores para “limpar” suas terras da cobertura vegetal. Uma vez instalado, impede o crescimento de qualquer outra forma de vegetação.
O capim e o empobrecimento do solo, no entanto, são apenas dois dos efeitos do emprego do fogo como forma de preparação do solo para a agricultura ou para a pecuária. As queimadas são uma das principais fontes de monóxido de carbono na atmosfera, um dos responsáveis pelo efeito estufa, a pedra de toque do Protocolo de Quioto. Elas colocaram, há algumas semanas, a região amazônica na mídia internacional como uma das grandes vilãs ambientais.
O estranho é que o Brasil tem uma série de normas específicas para a regulamentação dessa atividade. São leis e portarias do IBAMA, que servem como instrumentos tanto para proibir emprego do fogo em determinadas áreas, quanto para regulamentar o seu uso, onde ele é permitido.
O nosso Código Florestal, a Lei nº 4.771, de 15 de setembro de 1965 – atenção: 1965! – por exemplo, em seu artigo 27, estabelece que “é proibido o uso de fogo nas florestas e demais formas de vegetação”. Seu parágrafo único afirma que, nos casos em que o uso do fogo for justificável, este dependerá de permissão expressa do Poder Público para aquela área específica.
O Decreto nº 2.661, de 8 de julho de 1998, editado pelo então Presidente Fernando Henrique Cardoso, destina-se justamente a regulamentar o artigo 27 do Código Florestal. Seu texto começa reforçando a proibição do uso do fogo sobre a vegetação. Além disso, apresenta, entre outras coisas, um enorme rol de procedimentos que deverão ser adotados em caso de se proceder ao que chama de Queimada Controlada.
A Queimada Controlada – objeto de manuais e campanhas publicitárias do IBAMA em épocas de estiagem, como agora – depende de prévia autorização do órgão local do Sistema Nacional do Meio Ambiente e é, conforme definição deste decreto, “o emprego do fogo como fator de produção e manejo em atividades agropastoris e florestais, e para fins de pesquisa e científica e tecnológica, em área com limites físicos previamente definidos”.
Para se ter uma idéia, a autorização para a realização de uma destas queimadas depende de prévia definição da área a ser queimada, do método a ser empregado e do tipo de vegetação que será afetada. Depende, também, da preparação de aceiros, que são uma espécie de curral para o fogo. Um anel de área sem vegetação, destinado a evitar que o fogo se espalhe além dos limites desejados.
O proprietário deverá, ainda, treinar pessoal para o combate de incêndios, caso a coisa fuja de controle, e para monitorar o fogo até a sua total extinção. E tudo isso só para tentar conseguir a autorização.
Ainda existem outras normas legais sobre o tema, como a Portaria nº 94-N, do IBAMA, que estabelece mais exigências para a queima controlada, e a Portaria nº 18-N, também do IBAMA. Esta regula as queimadas comunitárias, uma espécie de mutirão de pelo menos 5 agricultores, na Amazônia Legal, para a queima de áreas determinadas e num tempo não superior a 10 dias.
As queimadas causam, ainda, outro efeito curioso, mas ilegal, que é o desmatamento de encostas. Qualquer um que se disponha a viajar pelo interior do Estado poderá observar que os nossos morros são inteiramente desprovidos de árvores. E de plantações. E de gado.
O fogo, como qualquer forma de calor, sobe, e subindo se propaga com muita facilidade pelas encostas. Quanto maior for a inclinação, maior a velocidade com que ele sobe. E menos disposição os fazendeiros têm de subir para apagá-los. É uma combinação terrível.
O que vemos, em decorrência disso, são imensas áreas de encosta desmatadas e sem uso. Nelas não se consegue plantar nada. Elas não servem, nem mesmo, para pasto. Isso porque a inclinação é tanta, que nenhuma vaca em sã consciência teria coragem de subir nelas para pastar. E é melhor que não suba, sob pena de acabar emagrecendo, ao invés de engordar ou de cair acometida de vertigem.
Nesses casos, quem acaba se alimentando é a erosão, que come o solo desprotegido, dando origem a enormes voçorocas.
Os casos em que o Código Florestal protege a vegetação das encostas também são muitos. É considerada de preservação permanente, por exemplo, qualquer área em que a inclinação seja superior a 45º. São protegidas, também, as árvores em encostas com a inclinação entre 25º e 45º e a vegetação destinada a prevenir a erosão do solo.
Tais áreas só podem ser desmatadas mediante expressa autorização do órgão ambiental estadual – no caso do Rio de Janeiro, a FEEMA. Em grandes áreas do Estado, porém, o estrago já foi feito.
Mas o próprio Código Florestal, em seu artigo 18, confere ao Poder Público Federal os instrumentos necessários para remediar aquilo que ele tem sido incapaz de prevenir. Lá, o que se lê é que o Poder Público Federal poderá, mesmo sem desapropriá-las, restaurar a vegetação das áreas de preservação permanente que tenham sido desmatadas dentro de propriedades particulares.
O fogo é o meio mais rápido e prático de se “limpar” uma área para o plantio ou para um pasto. Por isso, é o método preferido dos preguiçosos. Mas, convenhamos, nesse caso, seria melhor que deixassem suas propriedades “sujas”.
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