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Cartilha ambiental

Coletâneas de Direito Ambiental podem acabar com a desculpa de quem alega ignorância para descumprir a lei. Um exemplo para o sistema educacional.

26 de novembro de 2004 · 20 anos atrás

Uma das mais importantes e mais gratificantes lições que tive na vida me foi dada no breve período em que trabalhei como voluntário na ONG Ipê – Instituto de Pesquisas Ecológicas – num projeto que busca trazer a educação ambiental para as pequenas, e incrivelmente isoladas, comunidades de pescadores da Baía de Guaraqueçaba, no litoral paranaense.

Essa mesma baía, que hoje luta contra o caos ambiental causado pela explosão e naufrágio de um navio chileno cheio de querosene, abriga uma riquíssima fauna marinha e terrestre, além de alguns reconhecidos paraísos turísticos, como a Ilha do Mel e o Parque Nacional do Superagüi. Nela vivem também, de forma mais ou menos isolada, diversas comunidades caiçaras, junto às quais o IPÊ atua, de variadas formas, sempre buscando a melhor maneira de integrá-las ao meio ambiente local.

Um dos projetos desenvolvidos tem como objetivo dar às crianças da região noções fundamentais sobre a importância do meio ambiente. O quão fundamentais essas noções têm que ser é o mais surpreendente. O trabalho feito com essas crianças começa com a construção de maquetes do local onde elas vivem, nas quais são inseridos todos os fatores ambientais de que se possa lembrar na hora, como animais, plantas e pontos de referência geográficos, como ilhas vizinhas, rios e canais. Tudo pintado e moldado em argila pelas próprias crianças.

Feita a construção da maquete, que representa um espaço físico pouco maior do que a área em torno da ilha onde se localiza a comunidade, os voluntários começam, pouco a pouco, a expandir os horizontes das crianças, mostrando mapas com escalas cada vez mais reduzidas. A ilha é inserida no município, que é posto no estado, que é mostrado como uma pequena parte do país, do continente, e assim por diante. Até que as crianças adquirem sua primeira e talvez maior lição ambiental: a noção de espaço e de como aquilo que até então representava seu universo não passa de uma fração ínfima do conjunto.

A grande sacada daqueles educadores foi entender que não adiantava falar com aquelas crianças sobre biodiversidade, Amazônia ou camada de ozônio. Elas simplesmente não entenderiam. Nunca ouviram falar disso. Nosso sistema educacional mal alcança os grandes centros urbanos de forma eficiente. Muitas das crianças que habitam os recôncavos da Baía de Guaraqueçaba não têm idéia do que seja um estado, ou um país. Não têm, como a maioria de nós, um mapa mundi na cabeça. É preciso partir bem de baixo, de um nível que, para a maioria das pessoas, pode parecer absurdamente básico. Mas dessa forma elas aprendem fácil e rápido e, o melhor de tudo, ensinam aos pais o que aprenderam.

Quando se trata de Direito Ambiental, mudam os personagens, mas a história é muito parecida. Com nossa freqüente falta do bom-senso, a ignorância sobre a leis ambientais pode contribuir para que pessoas teoricamente bem informadas pratiquem atos legalmente proibidos, apesar do princípio básico de que ninguém pode alegar o desconhecimento da lei para escapar das conseqüências de não cumpri-la. Mas a educação jurídico-ambiental bem que poderia se aproveitar da lição dos educadores do Ipê, para partir de seu patamar mais básico, que é a simples divulgação da legislação existente.

Algumas pessoas já perceberam isso. Existem hoje algumas boas coletâneas de legislação ambiental, que tratam desde tudo o que existe sobre o tema, até de algum ponto específico da matéria. Dois bons exemplos disso são as obras do advogado e professor Carlos Gomes de Carvalho e o recém lançado CD-Rom de Legislação Brasileira Sobre a Fauna Silvestre, desenvolvido pela ONG Renctas.

O primeiro é uma obra em três volumes, que traz toda a legislação ambiental brasileira, inclusive acordos internacionais de que o Brasil é signatário, além de seus aspectos processuais. Tudo separado pelo tema tratado: água, solo, fauna, flora, atmosfera etc. São mais de duas mil páginas de leis, decretos, resoluções, portarias e todo tipo de norma imaginável. Dá uma boa idéia de como a legislação ambiental brasileira é vasta. Em teoria, temos praticamente tudo sob controle. Com a chegada da Lei de Biossegurança, vai ficar difícil imaginar uma situação que não esteja coberta.

O CD-Rom da Renctas, desenvolvido em parceria com a Embaixada dos Países Baixos, traz exclusivamente as normas relativas à fauna silvestre brasileira. Mas de maneira muito completa. Inclui até a Declaração Universal dos Direitos dos Animais, proclamada pela UNESCO em 1978. Nela está escrito que “a educação deve ensinar à infância a observar, compreender e respeitar os animais”.

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