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Endurecer sem perder a energia

O Procurador-Geral de Nova Iorque dá uma lição ambientalista de como tratar discursos demagógicos sobre a questão energética: tratá-las com mais dureza.

14 de janeiro de 2005 · 20 anos atrás

Como saiu aqui em O Eco – mais precisamente em O Eco.Net – seis usinas termelétricas movidas a carvão do Estado de Nova Iorque, nos Estados Unidos, assinaram um acordo se comprometendo a reduzir, drasticamente, suas emissões de gases poluentes. Trata-se de um dos maiores acordos deste tipo da história norte-americana.

Se cumprido à risca, o acordo significará uma redução de poluentes equivalente a tirar das estradas 2,5 milhões de carros e todos os caminhões e ônibus movidos a diesel do Estado. As emissões de dióxido sulfúrico, um dos gases causadores de chuvas ácidas, serão reduzidas a menos da metade em todo o Estado. Calcula-se que com isso, apenas no Estado de Nova Iorque, deixarão de ocorrer 63 casos de mortes prematuras de idosos a cada ano, 530 casos de bronquite infantil e 6.400 ataques de asma.

O acordo, que tem duas partes, estabelece que as duas maiores usinas termelétricas do Estado reduzirão suas emissões de gases poluentes em 81% e suas emissões de gases causadores de chuvas ácidas em 87%. Além disso, seus antigos operadores pagarão uma multa de 3 milhões de dólares, doarão para o Estado uma área de 2.500 acres ao longo do Salmon River e investirão outros 3 milhões de dólares em projetos ambientais locais.

Outras quatro usinas, de menor porte, reduzirão suas emissões poluentes em 70% e suas emissões de gases causadores de chuvas ácidas em 90%, além de pagarem uma multa de 700 mil dólares e de investir 1 milhão de dólares em projetos ambientais.

Este pode ser o ponto culminante de uma batalha judicial que já dura alguns anos, movida pelo Procurador-Geral do Estado de Nova Iorque, Eliot Spitzer. Desde 1999, quando a EPA – Environmental Protection Agency – desistiu de apurar as denúncias de que algumas usinas estariam descumprindo o Clean Air Act, Spitzer vem processando-as por não se adequarem às normas anti-poluição. Liderados por ele, no início do ano passado, os estados de Nova Iorque, Nova Jérsei, Connecticut e Pensilvânia decidiram processar cinco usinas termelétricas do estado de West Virginia, porque os gases que elas produziam eram levados pelo vento até os estados vizinhos, causando poluição, chuvas ácidas e doenças respiratórias. Estes casos, em sua maioria, ainda estão pendentes de julgamento.

Enquanto isso, Spitzer decidiu atacar as usinas de seu próprio Estado. Aparentemente, com sucesso. As obras necessárias para o cumprimento do acordo custarão, provavelmente, algumas centenas de milhões de dólares. Segundo a porta-voz da companhia que detém as duas maiores usinas, no entanto, o custo das obras não será repassado para os consumidores. A companhia absorverá tudo, disse ela.

Eliot Spitzer, nascido em uma família abastada de Manhattan e formado em direito por Harvard, tornou-se notório não por seus processos ambientais, mas por levar às cortes norte-americanas figurões de Wall Street. Em 2002 ele tocou, praticamente sozinho, um processo contra a Merrill Lynch & Co. que, em alguns meses, colocou no banco dos réus, entre outros, os dez maiores bancos de Wall Street, os quais foram obrigados a firmar um acordo de 1.4 bilhões de dólares por supostos crimes contra o sistema financeiro.

É evidente que isso lhe rendeu tantos inimigos e críticos quanto admiradores e aliados. Muitos atacam sua atitude, alegando que ele faz o que faz em nome de suas aspirações políticas, o que ele não nega. Em uma recente entrevista, quando perguntado sobre as afirmações feitas por alguns de seus desafetos de que ele seria uma pessoa ambiciosa, respondeu: ”Se você trabalha duro para ter sucesso, que mal há em ser ambicioso?”.

As usinas termelétrica, no entanto, só entraram na alça de mira de Spitzer quando o Governo Bush, em agosto de 2003, decidiu relaxar a fiscalização sobre elas. Até então, vigia a norma de que qualquer usina termelétrica construída antes de 1970 instalasse novos mecanismos de controle de poluição todas as vezes que passasse por uma obra maior do que uma manutenção de rotina. A EPA passou anos investigando violações a esta determinação até que, em novembro de 2002, anunciou que não moveria qualquer ação judicial contra as usinas a menos que estas tivessem descumprido a norma em sua interpretação mais estrita. Nas entrelinhas, isso significava que estava praticamente tudo liberado. Cerca de 17 mil usinas se beneficiariam com isso.

A justificativa para tal atitude era de que a norma até então vigente criava confusão, dificultando o trabalho de manutenção das usinas, o que prejudicava diretamente os consumidores. Ao menos era isso o que alegavam as empresas responsáveis pela operação das termelétricas.

Spitzer, já como Procurador-Geral de Nova Iorque, imediatamente disse que iria processar o Governo Bush para impedir a flexibilização da norma. Nove meses depois, começava a batalha judicial contra as usinas. Sua mensagem para o governo é: “Se vocês não fizerem, faço eu”. Diz-se que em 2006 ele pretende concorrer ao governo do Estado de Nova Iorque, pelo Partido Democrata. Eu, se pudesse, votaria nele.

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