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Cada vez mais perto

A mania de tentar regulamentar — mal — os esportes de aventura segue com força total. Desta vez foi o município de Niterói que ganhou uma lei que só atrapalha.

19 de julho de 2006 · 18 anos atrás

A enxurrada de leis que se pretendem a regulamentar os chamados “esportes de aventura” acaba de fazer mais uma vítima. Dessa vez foi Niterói, município vizinho ao Rio de Janeiro e separado desse apenas pelas águas — se é que ainda se pode chamá-las assim — da Baía de Guanabara.

Enquanto carioca e visitante assíduo das montanhas, isso muito me preocupa.

A pérola atende pela alcunha de Lei Municipal 2.353, de 29 de junho de 2006. É fresquinha, como se pode perceber, e aprendeu com afinco e atenção as lições de incoerência e devaneio de suas antecessoras. Praticamente nada, em todo o seu texto, faz sentido ou tem aplicação prática.

Vejamos o Art. 1º: “Fica o Poder Executivo autorizado a regulamentar a atividade de Turismo Aventura no Município, estabelece normas para a sua prática.”

Não há engano nenhum, a redação é essa mesma, como saiu no Diário Oficial, com um “estabelece” solto no meio da frase. Mas, como português nunca foi o forte de nossos legisladores, passemos aos aspectos técnicos do artigo. Como de costume, a redação não dá a menor pista sobre quais seriam tais atividades. Será que, dados alguns acontecimentos recentes (choques envolvendo catamarãs e barcas que fazem a travessia Rio-Niterói), andar de barca é “Turismo Aventura”?

Ainda mais primoroso é o artigo seguinte e seus parágrafos: “Art. 2° – O Poder Executivo definirá o órgão público responsável para coordenar a atividade de que trata o artigo anterior, através das Agências/Operadoras.
§ 1° – A Agência/Operadora deverá ser cadastrada junto à Embratur-RJ e registrada junto a Neltur.
§ 2° – O certificado da Neltur será fornecido mediante a comprovação dos seguintes documentos:
I – registro da Agência/Operadora;
II – liberação do local de atuação, mediante licença pelos órgãos competentes;
III – equipamentos de segurança, mediante parecer de entidade vinculada a Neltur;
IV – capacitação de todos condutores da empresa, através de cursos previamente autorizados pela Neltur.”

Mais uma vez, inúmeras perguntas sem resposta. De que atividades o “artigo anterior” trata mesmo? Como será que se “comprova” um documento? Em sendo o “Turismo Aventura”, em tese, praticado em áreas naturais e públicas, o que seria a “liberação do local de atuação, mediante licença”? E, por fim, como se dará a “comprovação” dos “documentos equipamentos de segurança, mediante parecer de entidade vinculada a [sic] Neltur”?

A única certeza que fica, como sempre, é que o registro da Agência/Operadora junto ao órgão de turismo do município não será gratuito. Nem a capacitação dos condutores por aquele mesmo órgão.

O artigo seguinte trata justamente desses cursos de capacitação e dos requisitos dos candidatos. Nada demais. O mesmo, no entanto, não se pode dizer do seu parágrafo primeiro, tão coerente quanto os artigos anteriores.

“§ 1° – O Curso constará das seguintes disciplinas:
I – segurança e direito, com 08 horas, ministrada por profissional da área;
II – noções de turismo, com 08 horas, ministrada por bacharel em turismo;
III – educação ambiental, com 12 horas, ministradas por profissional da área ambiental;
IV – prática da atividade, com 08 horas, ministrada por profissional de educação física;
V – primeiros socorros, com 08 horas, ministrado por profissional capacitado;
VI – turismo aventura, com 04 horas, ministrado por profissional de turismo;
VII – montagem de apostila, com 20 horas, coordenado por profissional da área educacional ou turística.
§ 2° – O quadro deverá ser formado por profissionais já em atividade no Município e com reconhecido saber das técnicas de manejo de cada modalidade em que atuam, observando-se critérios de conhecimentos específicos e de segurança da atividade em que exerçam seu ofício.”

Como o dispositivo é longo, vamos por partes.

O inciso I do parágrafo diz que o curso terá aulas de “segurança e direito, ministradas por profissional da área”. Segurança, vá lá, mas direito? Para fazer rapel? Só se for para ajudar o condutor a se defender no Judiciário em caso de acidente. A combinação segurança/direito é tão esdrúxula que as aulas terão que ser ministradas por “profissional” de alguma “área” absolutamente ininteligível ou ainda inexistente, tamanha a sua complexidade.

E segue a balbúrdia. O inciso IV estipula oito horas de aula de “prática da atividade” — que permanece um absoluto mistério — ministrada por profissional de educação física. Para ser honesto, eu conheço muitos praticantes de escalada, mountain bike, canoagem, rafting, vôo livre, mergulho e de diversas outras atividades “de aventura”. Talvez uma centena de pessoas no total. Duas delas são formadas em educação física. A menos que musculação e pique bandeira façam parte das atividades regulamentadas pela lei, isso é pura cretinice.

No Estado do Rio, desde 2001 a Aguiperj (Associação de Guias, Instrutores e Profissionais de Escalada do Estado do Rio de Janeiro) oferece cursos de capacitação para quem quer se tornar condutor profissional em atividades de montanha. O curso é reconhecidamente exigente e ministrado por gente com currículos invejáveis de atividades em montanha. É gente séria, que sabe do que está falando. Quem é capacitado pela entidade — os nomes dos guias certificados são listados na própria página da Aguiperj — ganha o direito de utilizar um selo de qualidade e tem suas atividades fiscalizadas periodicamente.

Além disso, a FEMERJ (Federação dos Esportes de Montanha do Estado do Rio de Janeiro), que é filiada à CBME (Confederação Brasileira de Montanhismo e Escalada) e à UIAA (Union Internationale des Association D’alpinisme), órgão máximo internacional de montanhismo, também já homologa esse tipo de curso, com base em currículos mínimos exigentes e adequados à realidade do esporte.

Mas talvez o pior dispositivo da nova lei, na minha opinião, seja o último, que diz que ela entra em vigor na sua data de publicação, que já passou. Ou seja, a sandice já está valendo, logo ali, do outro lado da Baía.

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