Nem só de mulher bonita e carnaval se faz uma boa causa ambiental. Foi isso que descobriram os argentinos no último dia 13, quando a Corte Internacional de Justiça negou o pedido de que se parasse a construção de duas usinas de celulose nas margens do Rio Uruguay.
Para quem não se lembra do caso, uma argentina, rainha do carnaval de sua cidade, protestou, em trajes sumaríssimos, contra a construção das usinas, durante a 4ª Cúpula de Chefes de Estado e Governo da América Latina, Caribe e União Européia.
Segundo os argentinos, as usinas trariam enormes problemas ambientais para o Rio Uruguay e financeiros para a pequena cidade de Gualeguaychú, que vive de seus balneários. Além disso, as fábricas estariam sendo construídas sem os devidos estudos de impacto ambiental, sem que os argentinos fossem consultados – o que violaria, em tese, o Pacto do Rio Uruguay, de 1975 – e com uma tecnologia já banida na Europa por ser ultrapassada e mais poluente – as duas usinas são de empresas européias, uma espanhola e outra finlandesa.
Parecem todos bons argumentos e, ao que tudo indica, são verdadeiros. Não obstante, no último dia 13, a Corte Internacional de Haia deu ganho de causa aos uruguaios, sob o argumento de que os argentinos “simplesmente não haviam apresentado provas suficientes de risco ambiental para parar as obras” e que as usinas “não causarão qualquer dano permanente”.
Pode não ser bem assim. A verdade é que, até o momento, as fábricas realmente não tiveram uma avaliação de seus impactos ambientais, que não devem ser pequenos. Essa é, inclusive, a razão pela qual a liberação de um empréstimo de 400 milhões de dólares da International Finance Corporation, o braço do Banco Mundial para o setor privado, está suspensa desde abril. O dinheiro só será liberado com o OK dos órgãos ambientais.
De certa forma, a decisão da Corte surpreende. Ela vai de encontro a um princípio básico do direito ambiental, chamado princípio da prevenção, o qual determina que, enquanto ainda pairar alguma dúvida sobre os reais impactos ambientais de um empreendimento e houver receio de que estes possam ser graves ou até irreversíveis, as obras devem ser suspensas. Em linguagem clara, é melhor prevenir do que remediar. Como os julgadores puderam afirmar a segurança ambiental do projeto antes da conclusão dos estudos de impacto ambiental? Vale lembrar que o princípio da prevenção, juntamente com o da precaução e do poluidor-pagador, são os pilares do direito ambiental internacional.
A resposta provavelmente não está em argumentos técnicos. As duas usinas juntas formam o maior investimento jamais feito no Uruguai. Custando 1,7 bilhão de dólares, elas respondem por 10% do PIB do país. Não é à toa, portanto, que na decisão da Corte ficou claro que o que estava em jogo era, de um lado, o direito de um país de buscar a proteção de seu meio ambiente e, do outro, o direito de um país buscar o seu desenvolvimento econômico – através de duas gigantes européias. O capital, pra variar, ganhou. Apesar de esse ser apenas o primeiro round da briga judicial, a decisão definitiva do processo só deve vir dentro de 3 anos, quando pelo menos uma das usinas já deverá estar pronta e funcionando. Ou seja, possivelmente tarde demais.
O caso estabelece um precedente importante, como a primeira vez que dois países latino-americanos decidiram lavar sua roupa suja na Corte Internacional. O que deve ser bom. O mínimo que se espera de uma corte como essa, com esse nível de responsabilidade, é que tenha bons juízes. Isso até levanta suspeitas – que esperemos que se confirmem – que a decisão tenha sido a mais acertada e que os argentinos, e eu, estejamos errados.
Por enquanto, os argentinos encantaram, mas não convenceram.
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