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A CTNBio em dia de coronel

A CTNBio acha que tem poderes absolutos sobre o licenciamento de transgênicos. Negou marcar audiência para prestar esclarecimentos. Felizmente foi barrada pela Justiça.

11 de dezembro de 2006 · 18 anos atrás

A Justiça Federal de Curitiba suspendeu, no último dia 5, o processo administrativo nº 12000.005154/1998-36, no qual a CTNBio avalia se deve, ou não, ser liberado para comercialização uma espécie transgênica de milho (resistente ao herbicida glufosinato de amônio) desenvolvida pela Bayer. A razão da paralisação é o pedido feito em uma ação civil pública, ajuizada pelas ONGs Terra de Direitos, AS-PTA – Assessoria e Serviços a Projetos em Agricultura Alternativa e IDEC – Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor. Elas, nos termos do parágrafo único do art 15 da Lei de Biossegurança, solicitaram à CTNBio a realização de uma audiência pública para levar a público a discussão sobre a liberação do produto e tiveram seu requerimento negado sem qualquer fundamentação.

Diante da argumentação das autoras, e da iminência da tomada de uma decisão pela CTNBio, o Juiz Federal Nicolau Konkel Júnior, da Vara Federal Ambiental de Curitiba achou por bem suspender o processo administrativo até que a União Federal, ré na ação judicial, se manifeste.

A ação se baseia no fato de que o CTNBio, sem qualquer justificativa, negou o pedido de audiência pública feito pelas autoras. A Lei de Biossegurança — lei 11.105/05 — em seu art. 15, diz que, nos processos de liberação de pesquisas e comercialização de organismos geneticamente modificados, “a CTNBio poderá realizar audiências públicas, garantida participação da sociedade civil, na forma do regulamento”. O dispositivo, nesse ponto, apresenta uma prerrogativa da CTNBio. Ou seja, a Comissão só realizará audiência pública se achar oportuno, conveniente ou de interesse da sociedade. Faz parte de sua esfera discricionária.

Mas o pedido feito pelas ONG autoras da ação civil pública não se baseia no caput desse dispositivo, mas no seu parágrafo único, que estabelece que “em casos de liberação comercial, audiência pública poderá ser requerida por partes interessadas, incluindo-se entre estas organizações da sociedade civil que comprovem interesse relacionado à matéria, na forma do regulamento.” Aqui, a história é bem diferente. Apresentado requerimento, a realização da audiência pública deixa de ser uma prerrogativa do CTNBio e passa a ser um dever seu. A rejeição de pedido semelhante só poderá ser feita através de decisão fundamentada, que deixe claras as razões do indeferimento. Isso porque os atos administrativos — como é o caso do processo de licenciamento previsto na Lei de Biossegurança — devem, pelo princípio da publicidade que os norteia, ser o mais transparentes possível, a fim de permitir o controle e a participação da sociedade. Qualquer decisão, portanto, que limite ou impeça o acesso da população aos atos administrativos deve vir acompanhada de uma justificativa no mínimo plausível. Nosso ordenamento não comporta cerceamentos arbitrários de direitos.

Neste caso, a realização de audiência pública é fundamental, considerando que o Brasil é centro de diversidade do milho e aqui são cultivadas centenas de variedades crioulas de milho por agricultores familiares e comunidades tradicionais. O milho é uma planta de fecundação aberta. A dispersão de pólen se dá pelo vento e por insetos e a contaminação transgênica das variedades locais coloca em risco a agrobiodiversidade. O artigo 84 do Código de Defesa do Consumidor e o artigo 3º da Lei nº 7.347/85 prevêem a possibilidade da propositura de ação civil pública de natureza mandamental, que no caso consiste na obrigação de a CTNBio realizar a audiência pública, para que todos os interessados da sociedade possam dela participar”, alerta Gabriel Bianconi Fernandes, assessor técnico da AS-PTA.

E nem adianta argumentar, como muito se tem feito, sobre a inutilidade das audiências públicas, uma vez que nelas não se decide nada e o seu resultado não vincula o órgão licenciador à vontade manifestada pelos representantes da sociedade civil. Há quem defenda que, por isso, as audiências públicas não teriam qualquer utilidade prática, tornando-se um empecilho inútil a retardar os processos de licenciamento ambiental. Não é bem assim.

A audiência pública ambiental é, antes de mais nada, uma consulta feita à sociedade, ou a grupos sociais interessados em uma determinada questão ambiental, sejam eles diretamente afetados ou não pela decisão tomada no processo de licenciamento (note-se que “processo de licenciamento” aqui tem sido utilizado em sentido amplo, não apenas para processos de licenciamento ambiental de empreendimentos, em sentido estrito). Não é por outro motivo que a sua realização deve seguir todo um protocolo formal de convocação, condições e prazos de informação prévia sobre o assunto a ser debatido, inscrições dos interessados em participar, ordem dos debates e forma de aproveitamento das opiniões expedidas pelos participantes.

O instituto nasceu, no Brasil, através da Resolução nº 006/86 do CONAMA. Em seu art. 11, §1º, a Resolução determina a “realização de audiência pública para informação sobre o projeto e seus impactos ambientais e discussão do RIMA” sempre que se julgar necessário, pelo órgão ambiental competente. No ano seguinte, através da Resolução nº 009/87, o CONAMA regulamentou o instituto, disciplinando a sua finalidade — “expor aos interessados o conteúdo do produto em análise e do seu referido RIMA, dirimindo dúvidas e recolhendo dos presentes críticas e sugestões a respeito” (art. 1º da Resolução nº 009) —, iniciativa, prazos e procedimento da audiência pública em matéria ambiental. O art. 2º, §2º, desta estabelece a nulidade da licença ambiental concedida sem atendimento da solicitação de audiência pública.

No fim das contas, acabada a audiência pública, lavra-se uma ata com os argumentos apresentados, que devem ser expressamente levados em consideração e, se for o caso, refutados, de maneira fundamentada pelo órgão licenciador em sua decisão final no processo de licenciamento.

Em um país tão habituado a arbitrariedades, é absolutamente necessário que se derrubem decisões como a tomada nesse caso pela CTNBio, por serem inteiramente ilegais. A participação popular em uma questão relevante não pode ser afastada simplesmente porque a CTNBio “apreciou, em sua última reunião ordinária (…) a solicitação de realização de audiência pública nos termos do art. 43, inciso II do decreto 5.591/2005 e decidiu, para o caso do processo 01200.005154/1998-36, não realiza-la”. Críticas pertinentes à parte, e por mais que as audiências públicas tenham ficado um tanto quanto esvaziadas de efeitos concretos, elas ainda são a melhor forma de se garantir a participação democrática em procedimentos que, dependendo de como se veja a coisa, podem afetar a todos nós.

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