Um dos grandes desafios de quem vive na Região Metropolitana do Rio de Janeiro é enfrentar, todos os dias, um trânsito pesado e demorado. Para muitos trabalhadores, as horas gastas dentro de ônibus, trens, barcas, metrô ou vans acabam sendo maiores do que o próprio tempo passado no destino final.
Esse deslocamento exaustivo não é apenas um incômodo: virou tema recorrente justamente porque molda a rotina e a saúde de milhares de pessoas. O acúmulo de horas no transporte afeta o corpo e a mente – aumenta o estresse, piora o sono, reduz o descanso e obriga muita gente a seguir viagem em veículos lotados, muitas vezes em pé. No fim das contas, o trabalhador sai cansado de casa e volta ainda mais esgotado, enfrentando um trajeto que pesa tanto quanto a própria jornada de trabalho.
No último mês, durante a COP30, a Casa Fluminense lançou o De Olho no Transporte 5, a quinta edição de um projeto que, desde 2020, acompanha de perto o transporte público e cobra mudanças estruturais e emergenciais em nome da saúde das pessoas e das cidades – além de reforçar a urgência da transição energética. Desta vez, o foco foi direto ao ponto: olhar para quem sente os impactos todos os dias. A nova edição trouxe um panorama centrado no usuário, revelando como é, na prática, viver os desafios da mobilidade na Região Metropolitana do Rio.
O estudo acompanhou o dia a dia de quatro personagens com trajetórias distintas – rotinas, histórias e desafios próprios – mas unidos por um mesmo obstáculo: enfrentar o transporte público da RMRJ. E não é pouca coisa. A região lidera o ranking nacional de maior tempo médio de deslocamento: 58 minutos por viagem. Segundo o Censo 2022, é justamente ali que se concentra o maior número de pessoas no país que gastam duas horas ou mais para chegar ao trabalho ou à escola.
Para além dos números, o De Olho no Transporte 5 trouxe um olhar para as pessoas que vivem, na pele, esses desafios. Durante uma semana, quatro personagens – Maria Clara, Cristiane, Roberta e Wanderson – tiveram seus deslocamentos monitorados, incluindo tempo de viagem, gastos e até a exposição à poluição no trajeto, medida com dados de Monóxido de Carbono (CO) do satélite Sentinel-5P. Cada localização registrada virou um ponto no mapa, revelando a dimensão física e emocional do ir e vir diário.
Maria Clara: educação que custa tempo e segurança
Aos 24 anos, moradora de Queimados, Maria Clara enfrenta cerca de 20 horas semanais de deslocamento e gasta quase R$ 300 por semana. Entre trem, metrô, van e aplicativo, sua vida acadêmica é moldada pela insegurança e pelos horários limitados. Precisa escolher disciplinas de acordo com a hora do último trem e muitas vezes abre mão de atividades na universidade. Até o lazer exige cálculo e preocupação – o transporte dita o ritmo de tudo.
Cristiane: quando metade da semana vai embora no deslocamento
Moradora de Guaratiba, Cristiane passa longas horas entre ônibus, BRT, VLT e trem para trabalhar como empregada doméstica. Na semana monitorada, foram mais de 50 horas dentro do transporte público – o equivalente a dois dias inteiros só de viagem. A demora entre uma condução e outra afeta sua renda, seu tempo livre e até decisões sobre mudar de casa.
Roberta: a vida que atravessa três cidades
Mãe solo e estudante, Roberta viveu anos em deslocamentos entre São Gonçalo, Niterói e Rio. A falta de integração tarifária a obrigou a se mudar para garantir a ida do filho à escola. Ainda assim, gasta cerca de R$ 340 por semana com transporte. Sua rotina de cuidado, estudo e trabalho é marcada por incertezas e por impactos diretos na saúde do filho, que melhorou após a mudança.
Wanderson: o motorista que move a cidade, mas paga o preço
Motorista de ônibus, Wanderson sai de casa antes das 3h da manhã porque não há transporte disponível nesse horário. Entre deslocamentos pessoais e as viagens que realiza como profissional, acumula quase 52 horas semanais na estrada. O estresse agrava problemas cardíacos e deixa pouco espaço para o descanso.
Realizar um monitoramento como o do De Olho no Transporte não é simples: exige tecnologia, participação dos usuários, análise de dados e uma leitura sensível da cidade. Mas justamente por ser complexo, ele se torna essencial. Ao transformar trajetos em informação, o estudo aproxima gestores e sociedade da realidade de quem vive diariamente os gargalos do transporte – longos deslocamentos, custos altos, insegurança e exposição à poluição. Esses dados escancaram desigualdades e reforçam a urgência de medidas emergenciais que garantam dignidade no ir e vir.
Mais do que apontar problemas, o monitoramento evidencia a necessidade de ações estruturantes, como a implementação de um Plano de Mitigação para reduzir impactos à saúde e ao meio ambiente e a criação de uma Secretaria do Clima, que trate a mobilidade, energia e qualidade do ar como pautas inseparáveis. Em uma metrópole onde o transporte molda a vida cotidiana de milhões, olhar para esses trajetos com seriedade é o primeiro passo para transformar a cidade – e o futuro de quem a atravessa todos os dias.
As opiniões e informações publicadas nas seções de colunas e análises são de responsabilidade de seus autores e não necessariamente representam a opinião do site ((o))eco. Buscamos nestes espaços garantir um debate diverso e frutífero sobre conservação ambiental.
Leia também
A água que falta nas torneiras começa no esgoto que sobra nos rios
A crise hídrica na região metropolitana do RJ não pode ser entendida apenas como um problema de escassez natural, mas como resultado de uma gestão pública que historicamente negligenciou o saneamento →
O clima dos dados: desafios de monitorar os territórios
Em um estado tão desigual como o Rio, como as gestões públicas vão elaborar seus planos de adaptação e mitigação sem os critérios de raças, gênero e áreas mais afetadas? →
Sem clima para aprender
Entre as enchentes e ondas de calor, as salas de aulas são uma amostra do efeito estufa e como a crise climática está afetando todas as esferas da vida, até o ensino →




